Petrobras: em busca de direitos prejudicados
terça-feira, 27 de maio de 2014
Atualizado às 07:09
Cabe-nos como cidadãos verdadeiramente interessados nos interesses públicos, além daqueles que privadamente nos dizem respeito, que os eventuais desmandos na Petrobras sejam esclarecidos. Quando existem indícios que vigorava na empresa algo além de desvios, mas um verdadeiro esquema criminoso, interessa a toda sociedade que os fatos sejam esclarecidos, os desmandos punidos e que o futuro seja mais seguro para a empresa e para a União, na condição de acionista controlador, e os investidores da empresa.
Consta na Folha de S.Paulo desta última segunda-feira que a gigante estatal contratou US$ 278 milhões em fretes, sem que existisse nenhum contrato escrito entre a Petrobras e os fornecedores. A reportagem não informa o período em que isto ocorreu, apenas que ocorreu durante a gestão (2004/2012) do recém-liberado da prisão, o ex-diretor Paulo Roberto Costa. Sabe-se, contudo que tal "falha" não foi registrada por mais de um ano no sistema de controle da empresa, a despeito de se tratarem de transações que tem efeito sobre o caixa da empresa. Não se sabe, segundo relatório de auditoria interna da empresa, o total do prejuízo. Este é "apenas" mais uma notícia que dá conta de enormes prejuízos à estatal, com repercussão gigantesca sobre o desempenho operacional da empresa, bem como efeitos sobre o seu valor de mercado. Há tentativas de investigação dos desmandos na Petrobras no Congresso Nacional, via Comissões Parlamentares de Inquérito, mas o andamento destas iniciativas é tão duvidoso quanto os próprios fatos que cercam a estatal.
Pode-se avaliar os fatos relatados pelo jornal paulista de diversas formas, da criminal até a financeira. De nossa parte, escolhemos refletir mais uma vez sobre a questão da "governança corporativa" da empresa os direitos e deveres cabíveis especialmente a quem exerce o poder de controle daquela sociedade anônima. A questão, portanto, além dos aspectos republicanos a ela relacionados, tem que ser examinada no que tange à infringência do direito privado dos acionistas não-controladores (vulgarmente denominados de minoritários) da empresa que foram prejudicados. Existe um "ângulo especial" pelo qual todos os eventuais prejuízos da empresa, fruto de práticas ilícitas, precisam ser examinados. Não cabe, neste curto artigo, esgotar o tema, mas apenas enunciá-lo. Vejamos.
Está no site da empresa, na área de "Relações com os Investidores" a seguinte sentença sobre a governança da empresa:
"A companhia segue procedimentos de gestão compatíveis com as normas dos mercados em que atua, de modo a garantir a adoção de padrões internacionais de transparência. Dessa forma, reforça sua credibilidade no mercado e aprimora o relacionamento com seus públicos de interesse: acionistas, investidores, clientes, fornecedores, empregados e sociedade, entre outros."
Pois bem: do ponto de vista da moderna literatura em finanças sobre o tema da "Governança Corporativa", a transparência deve se dar não apenas em relação aos fatos per se, mas, antes destes, sobre como funcionam os controles internos (os "procedimentos de gestão" informados pela empresa) e os órgãos administrativos e estratégicos da empresa (inclusos os conselhos de administração, consultivos (se houver), os comitês, o conselho fiscal, etc.). E, também, o cabimento de responsabilidades que decorrem deste funcionamento.
Conforme pode ser subentendido da figura abaixo, extraída do site da empresa, a auditoria da empresa tem papel central na forma e nos "procedimentos" funcionais. Logo, a pergunta que se segue pode parecer singela demais, mas, a esta altura dos acontecimentos, é essencial ser respondida: diante de fatos tão graves, o Conselho de Administração e os outros órgãos corporativos foram informados sobre o que ocorria de ilicitudes na empresa? Será que houve omissão em relação à fiscalização das atividades da Petrobras?
Se juntarmos todas as acusações gravíssimas que pairam sobre certos negócios da empresa, é de se esperar que o Conselho de Administração e outras peças da governança da empresa, particularmente o Comitê de Auditoria, soubessem minimamente sobre as ocorrências e, assim, tivessem atuado sobre estas. Caso contrário, a governança corporativa da empresa simplesmente não funciona. Disto, decorrem responsabilidades funcionais sérias.
Aliás, não é incomum, mesmo que exista espaço cada vez mais escasso, que a tal "governança corporativa" seja apenas formal, sem maiores repercussões efetivas na gestão e administração de certas empresas. Custa crer que este seja o caso da Petrobras, a maior empresa brasileira e uma das maiores do mundo. Todavia, as incertezas são crescentes e os desmandos cada vez são mais públicos.
Há que se observar também que o assunto afeta o acionista controlador, no caso a União, pois este "usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia". (Artigo 116, Lei das Sociedades Anônimas). Logo, eventuais falhas dos órgãos corporativas e que resultem em prejuízos para a empresa seriam de responsabilidade do acionista controlador. Há que se investigar a culpa ou o dolo inerente a tais prejuízos, mas quando fica evidente que os "órgãos da companhia" eventualmente não funcionaram efetivamente e os montantes envolvidos são relevantes em função da sua magnitude, há de se pensar na responsabilização do acionista controlador e de seus representantes. Ensina Fabio Konder Comparato, em "O Poder de Controle na Sociedade Anônima" que "em caso de controle majoritário, é irrelevante o uso efetivo do poder: o acionista terá status de controlador e as responsabilidades dele decorrentes, seja por ação ou por omissão. (pp. 69)".
O artigo 117 da lei 6.404/76 informa que "o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder" em caso de "eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente" (§1º, "d"), "induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral" (§1º, "e"), "aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade" (§1º, "g"), e no § 3º do mesmo artigo deixa evidente que "o acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo".
Estas hipóteses legais precisam ser examinadas com base nos fatos públicos que se espalham mundo afora. Eventualmente deve-se buscar a via judicial, por parte daqueles que, além de seus interesses como cidadãos, sentem-se prejudicados enquanto acionistas pela tragédia que recai sobre a Petrobras.