As propostas para o desenvolvimento da proteção de dados pessoais e privacidade para os governos estaduais para o ciclo 2023-2026
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023
Atualizado às 07:42
Parafraseando a Lei de Moore, que, em meados da década de 70, previra que a capacidade de processamento dos dispositivos dobraria a cada dois anos, a adoção de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) pela sociedade entrou em crescimento exponencial, ora pelo surgimento de novos dispositivos, como os smartphones, o uso doméstico da Internet como meio de comunicação, e, ora pela mudança de comportamento que tais tecnologias trazem para o cotidiano dos cidadãos, organizações e sociedade como um todo.
Este fenômeno de transformar a sociedade por meio do digital costuma ser conhecido como Transformação Digital (TD). Demirkan et al. (2016 apud VIAL, 2019) definem a TD como uma transformação profunda e acelerada das atividades, processos, competências e modelos de negócios para alavancar totalmente as mudanças e oportunidades trazidas pelas tecnologias digitais e seu impacto na sociedade de maneira estratégica e priorizada. Logo, a TD engloba as profundas mudanças que ocorrem na sociedade, na economia e nos governos por meio da modernização da governança, processos e gestão do uso de tecnologias digitais. Com o crescimento da TD no cotidiano, o uso de serviços digitais cresce, no setor público e privado, gerando impactos com efeitos positivos e negativos, na cultura, no funcionamento das organizações e nos seus colaboradores e usuários (VIAL, 2019).
A TD é desenvolvida de forma integrada na sociedade, na economia e no setor público. A sociedade utiliza frequentemente os serviços digitais e a internet no seu cotidiano. A economia se transforma pelo meio digital e pela inovação, mediante um novo mercado de oportunidades para empresas nato-digitais, como as startups e as govtechs, como pela adoção do digital por cadeias tradicionais, como o agronegócio e a indústria.
Nesta direção, o Governo Digital - aplicação da TD no setor público, representa um novo canal para a prestação de serviços governamentais (MACLEAN; TITAH, 2022). Onde, para melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos (e/ou empresas) e aumentar a relação de custo-benefício dos serviços públicos, os governos estão constantemente transformando digitalmente os seus serviços utilizando estratégias de geração de valor público e de fortalecimento da confiança entre cidadãos, governantes e o Estado (adaptado de HU et al., 2012; TEBIB A., 2013).
Retomando ao modelo de Transformação Digital proposto por Vial (2019), dentre os principais efeitos negativos trazidos pelo autor encontram-se questões relacionadas à Segurança da Informação, Privacidade e Proteção de Dados Pessoais. Logo, baseado neste e em outros autores, o desenvolvimento da TD precisa caminhar de forma indissociável com a temática da Proteção de Dados Pessoais e Privacidade.
No contexto brasileiro, são inúmeros os avanços no campo da Privacidade e da Proteção de Dados Pessoais desenvolvidos no arcabouço normativo-jurídico, bem como na implementação de cultura, processos e mecanismos das organizações públicas e privadas. No âmbito do setor público, em que pese tais temáticas já serem temas previstos na Constituição Federal, com ampliação de seus comandos por meio do Art. 31 da Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), é inegável que o advento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) com a respectiva criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD) impulsionou definitiva e significativamente a consolidação da matéria no país (BRASIL, 2011, 2018).
Mais recentemente, a lei Federal 14.129/2021 (Governo Digital e Eficiência Pública) instituiu a proteção de dados pessoais, nos termos da LGPD, como princípio do Governo Digital brasileiro. E ainda, a Emenda Constitucional 115/2022 passa a incluir a proteção de dados pessoais no rol dos direitos e garantias fundamentais dos brasileiros, fixando a competência privativa à União para legislar sobre a matéria (BRASIL, 2021, 2022).
Por outro lado, o Estado brasileiro tem uma composição bastante complexa à luz de outras nações globais. Não somente somos uma Federação, mas ainda uma federação onde a União, Estados e Municípios são considerados como entes federados e têm autonomia administrativa, financeira e política para o exercício de governo e administração próprios. Em que pese a competência privativa da União para legislar sobre proteção de dados e privacidade; em temas correlatos a era digital, como o desenvolvimento da ciência, tecnologia, pesquisa e tal competência é comum de todos os entes federados vide os Arts. 23 e Art. 219-A da CF/1988. Logo, justifica-se investigar como os entes federados brasileiros, especialmente os subnacionais, têm se articulado para o desenvolvimento de matérias recentes e inovadoras.
Neste diapasão, Ávila; Lanza e Valotto (2022a) desenvolveram investigação sobre quais foram as propostas relacionadas para os estados brasileiros nas temáticas de Transformação Digital, Tecnologia e Inovação para o ciclo governamental 2023-2026 por parte dos candidatos a governador no pleito de 2022.
Os dados da base foram provenientes dos planos de governo dos candidatos a governador mais bem posicionados em pesquisas de intenção de votos nas 27 Unidades Federativas do Brasil do pleito de 2022. Foram coletadas propostas de governo relacionadas à era digital por meio de palavras-chave correspondentes ao assunto. Foram identificadas nesta base, 1.322 propostas de 85 candidatos, sendo 613 relacionadas ao Governo Digital (46,4%), 351 com a Economia Digital (26,6%) e 357 para a Cidadania Digital (27%), conforme indica a Ilustração 1. Apenas um candidato não declarou nenhuma proposta para a temática. Ao analisar as 589 propostas dos Governadores Eleitos, tivemos 268 propostas relacionadas ao Governo Digital (45,5%), 172 com a Economia Digital (29,2%) e 149 voltadas a Cidadania Digital (25,3%) (ÁVILA; LANZA; VALOTTO, 2022b).
E como a privacidade e a proteção de dados pessoais foram contemplados em tais propostas?
A partir da investigação de Ávila, Lanza e Valotto (2022a), este artigo identificou quais das 1.322 propostas selecionadas estão relacionadas às temáticas de proteção de dados pessoais e privacidade de dados. Para a seleção das propostas, foram adotados os seguintes termos:"LGPD", "proteção de dados" e "privacidade", sendo identificadas sete propostas conforme apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 - Propostas sobre proteção de dados e privacidade identificadas nos programas de governo dos candidatos à governador nas eleições de 2022
Estado | Propostas | Governador eleito (?) |
AL | Consolidar a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e modernizar a gestão documental com vistas ao ambiente virtual. | Sim |
BA | Aumentar a qualidade do atendimento prestado aos cidadãos, para que seja realizado de maneira rápida, sem burocracia, com segurança, privacidade e proteção de dados, em linguagem simples, além de acessível para pessoas com deficiência. | Sim |
GO | Divulgar a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e fiscalizar seu cumprimento. | Não |
SE | Vamos reforçar e ampliar a transparência e o acesso às informações do Governo, por meio de ferramentas de comunicação que facilitem o acesso às informações da Administração, projetos e programas, conforme a Lei de Acesso à Informação - LAI e a Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD. | Sim |
SP | Garantir a implementação da Lei geral de privacidade e proteção de dados (LGPD): Garantir que somente pessoas habilitadas tenham acesso a informações do cidadão e que este, por meio de consentimento, possa também compartilhar de forma segura estas informações com outros órgãos e com o setor privado. | Sim |
SP | Para aumentar a qualidade dos serviços públicos ao cidadão e garantir seu acesso a todos, especialmente a população mais vulnerável, vamos ampliar a oferta de serviços 100% digitais por meio do uso intensivo de novas tecnologias, reduzindo a burocracia, o custo e o tempo de prestação, com segurança, privacidade e proteção de dados. | Não |
TO | Acelerar a implantação da Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD, para proteger os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. | Não |
Fonte: Elaboração própria a partir de (ÁVILA; LANZA; VALOTTO, 2022a).
Por outro lado, para identificar quais governos estaduais já possuem ações para o desenvolvimento dos comandos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, utilizamos como proxy a existência ou não de ato normativo que regula a LGPD em cada estado. Por meio de dados coletados em janeiro/2023, existem 10 (dez) estados que ainda não regulamentaram a matéria, mesmo com a LGPD tendo sido promulgada em 2018. Contudo, destes 10 (dez) estados, apenas dois tiveram candidatos a governador que se comprometeram a desenvolver projetos de cumprimento à legislação e o desenvolvimento de ações de proteção e privacidade de dados pessoais.
Dos 17 (dezessete) governos estaduais que já regulamentaram a matéria, um editou regulamento no ano de 2018, 5 (cinco) o fizeram em 2020, 9 (nove) no ano de 2021 e mais 1 (um) no fim do ano de 2022. Nesta análise temporal, podemos observar que o desenvolvimento da matéria ainda é um tema relativamente recente para os governos estaduais, ensejando maiores esforços de todas as partes interessadas para apoiar os estados na construção de uma cultura de privacidade e de proteção de dados pessoais.
Como estudos futuros, outros artigos poderão investigar o escopo, a abrangência, os normativos instituídos e as principais ações desenvolvidas pelos governos estaduais para a temática. Sugere-se ainda que investigações desta natureza possam ser desenvolvidas no âmbito municipal, influenciando o amadurecimento desta pauta no ciclo governamental municipal vigente e sua evolução nos municípios após o pleito de 2024.
Referências
ÁVILA, T.; LANZA, B.; VALOTTO, D. Base de Dados sobre as propostas dos candidatos a governador dos 26 Estados e do Distrito Federal do Brasil para a Transformação Digital, Tecnologia e Inovação, 26 set. 2022a.
ÁVILA, T.; LANZA, B.; VALOTTO, D. Transformação Digital e Inovação nos Estados Brasileiros: Os Caminhos Propostos Pelos Governadores Eleitos 2023-2026. v. 4, p. 113-127, 15 dez. 2022b.
BRASIL. Lei Federal No 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o , no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a lei 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível aqui. Acesso em: 31 jan. 2023.
BRASIL. Lei Federal No 13.709 de 14 de Agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), 15 ago. 2018, Sec. 1, p. 59. Disponível aqui. Acesso em: 31 jan. 2023.
BRASIL. Lei Federal No 14.129, de 29 de Março de 2021. Dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital e para o aumento da eficiência pública e altera a Lei no 7.116, de 29 de agosto de 1983, a Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), a lei 12.682, de 9 de julho de 2012, e a Lei no 13.460, de 26 de junho de 2017. . 30 mar. 2021, Sec. 1, p. 3. Disponível aqui. Acesso em: 31 jan. 2023.
BRASIL. Emenda Constitucional no 115, de 11 de fevereiro de 2022. Altera a Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais e para fixar a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais. Disponível aqui. Acesso em: 11 fev. 2022.
HU, G. et al. A hierarchical model of e-government service capability: An empirical analysis. Government Information Quarterly, v. 29, n. 4, p. 564-572, out. 2012. Disponível aqui. Acesso em: 11 fev. 2022.
MACLEAN, D.; TITAH, R. A Systematic Literature Review of Empirical Research on the Impacts of e-Government: A Public Value Perspective. Public Administration Review, v. 82, n. 1, p. 23-38, jan. 2022.
TEBIB A., B. M. A framework based protocol for a better interoperability among services in e-Government. v. 54, n. 1, jan. 2013. Disponível aqui. Acesso em: 11 fev. 2022.
VIAL, G. Understanding digital transformation: A review and a research agenda. The Journal of Strategic Information Systems, v. 28, n. 2, p. 118-144, jun. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 31 jan. 2023.