Regulação cripto no Sudeste asiático
sexta-feira, 5 de julho de 2024
Atualizado em 4 de julho de 2024 09:00
O Sudeste asiático como foco de inovação e adoção cripto
Compreendendo países como Singapura, Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e Vietnã, o Sudeste asiático é uma região com uma população de quase 700 milhões e uma economia digital em rápido crescimento, que se tornou um foco de inovação e adoção de criptoativos nos últimos anos.
De acordo com relatório da empresa de investimentos de risco White Star Capital, mais de 6001 empresas de blockchain e criptoativos estão sediadas no Sudeste asiático que em 2023 e primeiro quadrimestre de 2024 recebeu quase US$ 1 bilhão de dólares em financiamento para startups cripto, blockchain e Web3.
Some-se a isto o fato de que o Sudeste asiático - junto com a Oceania -, abrigam o que pode ser o mercado de criptoativos mais dinâmico do mundo. Medido em volume bruto de transações, é o terceiro maior mercado cripto do mundo, respondendo por pouco menos de 20% da atividade global, (ficando atrás apenas da América do Norte e Europa).
No entanto, o volume bruto de transações não conta a história completa. Quando levamos em conta o poder de compra e a população para medir a adoção de base, o Sudeste asiático domina. Percebemos isso quando analisamos o último relatório2 da Chainalysis, quatro dos dez principais países em termos de adoção cripto estão localizados na região: Vietnã (3), Filipinas (6), Indonésia (7), e Tailândia (10).
Além disso, no último ano, DeFi3 assumiu um papel mais importante no Sudeste asiático, respondendo por cerca de 55,8% do volume de transações regionais entre 2022 e 2023, em comparação com 35,2% no período de um ano anterior.
A adoção institucional na região também parece ter se intensificado, com 68,8% do volume total de transações provenientes de transferências avaliadas em US$ 1 milhão ou mais, em comparação com 57,6% no período anterior.
O cenário regulatório para criptoativos na região, contudo, é bem diversificado e dinâmico, com diferentes países adotando diferentes abordagens e políticas.
Enquanto Singapura lidera com um quadro regulamentar robusto e transparente, outros países, como a Indonésia e o Vietnã, enfrentam incertezas, promovendo um ambiente complexo tanto para investidores, como para a industria blockchain-cripto.
Tendo isto em conta, no artigo de hoje, examinaremos o estado atual das regulamentações criptos no Sudeste asiático, os desafios e oportunidades que representam para investidores e a indústria cripto, bem como as tendências regulatórias na região.
Singapura
Singapura é amplamente considerada uma das jurisdições mais favoráveis às criptomoedas do mundo, com um quadro regulamentar claro e abrangente para atividades cripto.
O PS Act, The Payment Services Act 20194 (lei de serviços e pagamento que entrou em vigor em em 28/1/20), prevê o licenciamento e a regulamentação dos prestadores de serviços de pagamento e a supervisão dos sistemas de pagamento em Singapura.
Esta lei exige que provedores de serviços cripto como instituições de pagamento licenciadas cumpram as regras de combate à lavagem de dinheiro (AML), financiamento do combate ao terrorismo (CTF) e proteção ao consumidor.
A MAS - Autoridade Monetária de Singapura também supervisiona a oferta e negociação de criptoativos que são considerados valores mobiliários ou derivativos, de acordo com a lei de valores mobiliários e futuros.
Singapura também implementou diretrizes fiscais e regimes de sandbox para empresas e investidores cripto, bem como promoveu um ecossistema cripto vibrante com o apoio de associações industriais, institutos de pesquisa e centros de inovação.
Tailândia
A Tailândia, assim como Singapura, adotou uma abordagem proativa e progressiva à regulamentação cripto, com o objetivo de abraçar a inovação e proteger os investidores.
The Thai Securities and Exchange Commission (SEC), que é a Comissão de Valores Mobiliários da Tailândia, é o principal regulador das atividades de criptoativos no país e emitiu licenças para exchanges cripto, corretores, revendedores e gestores de fundos desde 2018.
A SEC também regula a emissão e negociação de tokens digitais que são classificados como valores mobiliários ou contratos de investimento, de acordo com o decreto sobre negócios de ativos digitais.
A SEC também publicou diretrizes e regras para ofertas iniciais de moedas (ICOs), ofertas de tokens de segurança (STOs), finanças descentralizadas (DeFi), tokens não fungíveis (NFTs) e stablecoins, e colaborou com outros reguladores e partes interessadas para desenvolver a indústria e o mercado de criptoativos na Tailândia.
Malásia
A Malásia tem um quadro regulatório semelhante ao da Tailândia, com a Securities Commission Malaysia (SC) como o principal regulador das atividades cripto no país.
A SC (Comissão de Valores Mobiliários) exige que os provedores de serviços cripto obtenham licenças como operadores de mercado reconhecidos, bem como regula a oferta e negociação de tokens digitais que são considerados valores mobiliários ou contratos de investimento, segundo normas da lei de mercados de capitais e serviços.
A SC também emitiu diretrizes e regras para ICOs, STOs, DeFi, NFTs e stablecoins, e estabeleceu uma área restrita regulatória para inovação em cripto.
A SC trabalha em estreita colaboração com o BNM - Banco Central da Malásia para garantir a estabilidade e integridade do mercado criptográfico e do sistema financeiro.
Indonésia
Ao contrário dos países que vimos ate agora, a Indonésia possui um ambiente regulatório mais restritivo e incerto para criptoativos, com o governo e os reguladores enviando sinais confusos tanto para a indústria, como para os participantes do mercado blockchain-cripto.
O Banco Central proibiu o uso de criptomoedas como meio de pagamento e alertou o público sobre os riscos e consequências legais do uso de criptomoedas.
Contudo, para surpresa de muitos, o Banco Central da Indonésia reconheceu criptomoedas como uma commodity que pode ser negociada em bolsas de futuros, bem como autorizou a ICDX - Bolsa de Mercadorias e Derivativos da Indonésia e a JFX - Bolsa de Futuros de Jacarta a oferecer contratos futuros de criptomoedas desde 2019.
O Ministério do Comércio da Indonésia, por sua vez, também publicou regulamentos para a negociação de criptoativos e exige que provedores de serviços cripto se registrem na Agência Reguladora de Negociação de Futuros de Commodities (Bappebti) e cumpram as regras de AML, CTF e proteção ao consumidor.
Filipinas
As Filipinas têm uma visão mais equilibrada e pragmática em relação aos criptoativos, com o governo e os reguladores reconhecendo seu potencial e desafios.
O BSP, The Bangko Sentral ng Pilipinas (Banco Central das Filipinas) regulamenta os provedores de serviços cripto como empresas de remessa e transferência, e exige que eles obtenham licenças e cumpram as regras de AML, CTF e proteção ao consumidor.
O BSP também publicou diretrizes para a emissão e troca de tokens digitais que são considerados títulos ou contratos de investimento de acordo com o Código de Regulamentação de Títulos.
Há uma colaboração contínua entre o BSP, a Securities and Exchange Commission (SEC) e a the Cagayan Economic Zone Authority na supervisão do mercado de criptoativos, com respeito ao desenvolvemento da indústria blockchain-cripto. The Cagayan Economic Zone é uma zona econômica cujo objetivo se tornar um centro industrial, de investimento comercial, financeiro e turístico-recreativo autossustentável.
Vietnã
O Vietnã tem uma postura regulatória mais hostil em relação às criptomoedas, com o governo e os reguladores proibindo e desencorajando o uso e o comércio de criptomoedas. Talvez essa postura mais rígida se dê, porque o Vietnã possui uma grande parcela de atividade cripto acontecendo em trocas P2P.
O Banco Estatal do Vietnã (SBV) proibiu o uso de criptomoedas como meio de pagamento desde 2017 e declarou que as criptomoedas não são uma moeda de curso legal ou reconhecida no país.
Além disso, o SBV também emitiu publicações sobre os riscos e as consequências legais do uso e do comércio de criptomoedas e instruiu as instituições financeiras e os prestadores de serviços a não se envolverem em atividades com criptoativos.
Some-se a isto, o fato de que o SBV declarou que está estudando e pesquisando a possibilidade de emitir uma moeda digital do banco central (CBDC) no futuro.
Aqui, importante destacar que apesar desta postura regulatória mais rígida, o Vietnã atualmente ocupa a 3ª posição na adoção cripto global, atrás apenas da Índia e EUA, liderando a adoção no Sudeste asiático. Ora, isto reforça a posição da maioria esmagadora dos países integrantes do G20 de que "não há aceitação global para uma proibição. A proibição não foi favorecida em nenhuma das mesas-redondas ou seminários sobre criptografia do G20. Na verdade, a opinião esmagadora que as nações observaram é que uma proibição seria cara e ineficaz".5
Desafios e oportunidades da regulação cripto no Sudeste asiático
O cenário regulatório diversificado e dinâmico dos criptoativos no Sudeste asiático apresenta desafios e oportunidades para investidores e para a indústria cripto da região.
O principal desafio, sem dúvida, é a inconsistência regulatória. Isto porque, a falta de clareza e coerência nas regulamentações de criptoativos em diferentes países e jurisdições no Sudeste asiático cria confusão e incerteza tanto para o setor quanto para investidores, além de dificultar a integração e a interoperabilidade transfronteiriça de serviços e produtos de criptoativos.
Quanto às oportunidades geradas pelo status da regulação no Sudeste asiático, elas estão na arbitragem regulatória e na concorrência, bem como na colaboração e coordenação regulatória.
A variação e a disparidade nas regulamentações de criptoativos nos diferentes países e jurisdições no Sudeste asiático também criam oportunidades e incentivos para que o setor e investidores busquem e explorem os ambientes regulatórios mais favoráveis e vantajosos para suas atividades com criptoativos.
Da mesma forma, a complexidade e a diversidade das regulamentações cripto no Sudeste asiático também exigem e incentivam a colaboração e a coordenação entre diferentes reguladores e partes interessadas dentro e entre diferentes países e jurisdições na região.
Considerações finais
A navegação pelo intrincado cenário regulatório blockchain-cripto do Sudeste asiático exige uma postura proativa dos stakeholders da indústria.
Com regulamentações variadas nos países do Sudeste asiático, espera-se que as discussões sobre interoperabilidade e colaboração entre fronteiras ganhem impulso.
Como o crescimento e a inovação nos setores de DeFi6 e NFT7 são contínuos na região, países como a Tailândia e as Filipinas têm demonstrado interesse em regulamentar e promover esses segmentos. Vale a pena acompanhar iniciativas que promovam práticas responsáveis de DeFi e diretrizes para os mercados NFT, possivelmente indicando uma abordagem mais estruturada por parte dos órgãos reguladores.
A conformidade com as regulamentações em evolução, a obtenção das licenças necessárias e o alinhamento com diversos padrões jurisdicionais são cruciais.
Neste contexto, é recomendado monitorar as atualizações das exigências legais para licenciamento, padrões de conformidade e diretrizes fiscais - especialmente em países como a Indonésia e o Vietnã, que recentemente deram sinais nesta direção e, por isso, podem passar por mudanças regulatórias significativas.
Esforços de colaboração entre os órgãos reguladores e as partes interessadas em todas as fronteiras podem simplificar as regulamentações e promover um ambiente mais coerente para a crescente indústria blockchain-cripto.
Assim como tem acontecido em todo o mundo, é esperado um maior envolvimento de investidores institucionais e instituições financeiras tradicionais no espaço cripto da região.
À medida que a clareza regulatória melhora e os mercados cripto amadurecem, as instituições podem explorar caminhos para investimento e integração de criptoativos em seus serviços e portfólios.