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A abordagem do governo federal dos EUA em relação aos criptoativos

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Atualizado às 09:28

"Os reguladores americanos aumentaram sua supervisão do mercado cripto este ano em meio
à sua crescente popularidade e aumento na sua integração com a economia em geral.
E está claro que os formuladores de políticas dos EUA pretendem continuar
apertando seu controle sobre a indústria de criptoativos". 

O pedido de revisão da abordagem do governo federal americano em relação aos ativos digitais

O presidente Biden assinou em março uma ordem executiva, determinando uma revisão abrangente da abordagem do governo Federal em relação aos ativos digitais, desde seu impacto ambiental até seu potencial para promover a inclusão financeira. 

Na época, os líderes da indústria cripto disseram estar animados com a ordem executiva, enquadrando-a como um reconhecimento do poder de permanência do setor pela voz mais poderosa de Washington.

No último dia 8 de setembro, em resposta ao presidente Biden, os formuladores de políticas dos EUA publicaram uma série de declarações e relatórios sobre os ativos digitais e a necessidade de regulamentação a nível Federal. 

Tendo isto em conta, o artigo de hoje pretende mostrar para onde os reguladores americanos estão olhando, quando se trata de regulação da indústria cripto.

O relatório da Casa Branca ampliou o debate sobre o impacto ambiental das criptomoedas nos EUA

Um relatório de 46 páginas sobre o impacto ambiental das criptomoedas publicado pelo Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca ponderou o impacto ambiental e energético dos criptoativos, concentrando-se em sua contribuição para o uso de energia e emissão de gases de efeito estufa. 

Entre as recomendações do relatório, estão a avaliação e aplicação da confiabilidade energética à luz dos projetos de mineração de criptomoedas, o estabelecimento de padrões de eficiência energética e a pesquisa e monitoramento do algoritmo de consenso de prova de trabalho pelo uso intensivo da energia que protege o Bitcoin e outras criptomoedas.

Não é de hoje que a prova de trabalho do Bitcoin está no centro do debate dos legisladores pelo mundo.

Em março deste ano, o Parlamento da União Européia recuou no seu plano de eliminar progressivamente as criptomoedas com alto consumo energético, ao rejeitar a proposta de lei que proibia a prova de trabalho nos seus limites territoriais.

Na mesma época, o alto gasto energético da mineração entrou no foco dos formuladores de políticas do Estado de Nova York que, através de uma proposição legislativa, sugeriram a criação de uma moratória de dois anos sobre as operações de mineração, a menos que 100% de sua energia viesse de fontes renováveis. 

Neste contexto, o relatório da Casa Branca veio para ampliar o debate em torno da regulação da mineração em território americano. 

O interesse do governo federal na mineração se deu devido ao aumento das fazendas de mineração em território americano, depois que a China baniu oficialmente a atividade no território em junho de 2021.

Desde a proibição, os mineradores de criptomoedas se espalharam pelo mundo à procura de novos lugares para montar operações de mineração. E muitos dos mineradores migraram para o Texas, onde o gás natural é abundante e a rede elétrica fornece uma das fontes energéticas mais baratas do mundo.

Declarações da "CVM" americana sobre a supervisão de criptoativos 

No último dia 8 de setembro, o Presidente da Comissão de Valores Mobiliários americana - US Securities & Exchange Commission (SEC) -, Gary Gensler, afirmou em uma conferência que espera trabalhar com o Congresso para dar mais poder à ao Commodity Futures Trading Commission (CFTC) - para supervisionar certas criptomoedas.

No mesmo discurso, Gensler reafirmou seu entendimento de que o bitcoin e o ether não são títulos mobiliários, conquanto a maioria dos tokens criptográficos sejam títulos que estão sob a jurisdição da SEC e deveriam cumprir as leis de proteção ao investidor. 

A SEC tem se negado durante anos a assumir a jurisdição sobre o bitcoin e o "ether" (token do blockchain Ethereum), talvez por serem mais "descentralizados" do que outras criptomoedas. 

Gensler, que  chefiou o CFTC de 2009 a 2014, também destacou que é possível que alguns intermediários cripto - Virtual Assets Service Providers (VASPs) -  precisem ser duplamente registrados tanto em sua agência (SEC) quanto no CFTC, semelhante à forma como alguns corretores e empresas de fundos mútuos são supervisionados por ambas as agências.

Já Gurbir Grewal, diretor de fiscalização da SEC, prometeu que o regulador financeiro continuará a investigar e mover ações de fiscalização das empresas cripto, independentemente do rótulo ou da tecnologia utilizada. 

Em comentários escritos para um programa promovido pelo Practising Law Institute, Grewal rechaçou as críticas de que a SEC "de alguma forma alvejou de forma injusta o mercado de criptoativos" em suas ações de aplicação da lei, quando comparadas com aquelas contra produtos financeiros ou mercados tradicionais. 

Grewal também insinuou que a SEC tinha uma responsabilidade com muitos "investidores não-brancos e de baixa renda" atraídos por projetos cripto, que podem sentir que o sistema financeiro e seus reguladores "falharam, ou simplesmente os ignoraram". 

Tais observações de Gensler e Grewal vêm em meio a uma batalha intensificada entre as agências federais e os comitês do Congresso que as supervisionam sobre quem irá regulamentar o mercado cripto.

Projeto de lei sugere a CFTC para regular bitcoin e ether. 

Os líderes do Senate Agriculture Committee (Comitê de Agricultura do Senado), que supervisionam a Comissão de Comércio de Mercadorias e Futuros - Commodity Futures Trading Commission (CFTC) - estão elaborando uma proposta legislativa que atribuiria a essa agência a supervisão das duas maiores criptomoedas - o bitcoin e o ether. 

Atualmente, o CFTC geralmente tem o poder de regular derivativos - como futuros e swap - em oposição à dinheiro e aos mercados à vista onde os ativos subjacentes são comprados e vendidos para entrega imediata.

O projeto de lei dos líderes do Comitê de Agricultura do Senado é um dentre muitos outros propostos pelos legisladores para supervisionar de forma mais rigorosa as criptomoedas. 

O atual presidente do CFTC, Rostin Behnam, pediu ao Congresso americano que aprovasse uma lei que permitisse à CFTC regular os mercados para certos tipos de criptomoedas, bem como lhe disponibilizasse fundos para conduzir uma supervisão adicional.

Os lobistas da indústria cripto, por sua vez, depois de se oporem durante anos a uma supervisão federal significativa,  mudaram recentemente seu foco para convencer os legisladores e reguladores de que a CFTC deveria ter jurisdição primária sobre a indústria cripto. 

Para a indústria e os players do mercado cripto, as regras da SEC para títulos tradicionais como ações e títulos não se encaixam porque as criptomoedas não estão organizadas como corporações tradicionais com acionistas.

Nessa linha, é a iniciativa legislativa bipartidária das Senadoras Cynthia Lummis (R-Wy.) e Kirsten Gillibrand (D-NY), que coloca a maioria dos ativos digitais sob a jurisdição da Commodities and Futures Trading Commission (CFTC). Note que os regulamentos do CFTC são considerados menos onerosos que os regulamentos da SEC.

Aqui, vale destacar recente declaração de Jake Chervinsky (chefe de política da Blockchain Association, um grupo de lobby cripto), de que: 

"Décadas de precedentes legais mostram que a maioria dos ativos digitais "são commodities". 

"Este é um assunto para o Congresso e não para os reguladores, e estamos felizes em ver consenso no Congresso que o CFTC, não a SEC, deveria regular os mercados à vista", disse ele.

O alerta do Departamento do Tesouro à Casa Branca

O Departamento do Tesouro americano, em uma série de relatórios, alertou a Casa Branca que as criptomoedas podem representar riscos financeiros significativos, apesar de seus benefícios, a menos que o governo implemente novos regulamentos importantes.

Através de quatro relatórios separados, o Tesouro deixa claro que as principais autoridades econômicas da administração americana acreditam que os criptoativos precisam de uma forte supervisão, a emissão pelos legisladores federais de novas regras para os ativos digitais.

Os relatórios do Tesouro destacam o perigo econômico das criptomoedas em várias áreas-chave, incluindo os riscos de fraude que elas representam para os investidores com pouco experiência e sem a devida educação financeira, a condição de anonimato de algumas criptomoedas. 

As avaliações do Tesouro concluem que os criptoativos (criptomoedas e tokens)  ainda não representam um risco de estabilidade para o sistema financeiro americano mais amplo - mas que a situação pode mudar rapidamente.

A atuação implacável do OFAC na supervisão dos criptoativos. 

No último dia 8 de agosto, o Departamento do Tesouro dos EUA, mais especificamente o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), sancionou o protocolo Tornado Cash e cerca de quatro dúzias de carteiras de criptomoedas associadas a ele.

A motivação para isto, de acordo com o Departamento do Tesouro americano, é uma questão de segurança nacional, pois hackers norte-coreanos do Grupo terrorista Lazarus têm usado o mixer para lavar fundos obtidos por meios ilícitos.

No entanto, apesar da motivação do OPAC ser legítima, muitos estão preocupados com as consequências que as sanções ao protocolo do Tornado Cash podem ter para a sociedade como um todo. 

Isto porque, ao invés de identificar aqueles que estavam ajudando e incitando cyber criminosos e terroristas, o Tesouro simplesmente sancionou o protocolo, ou seja, um código de software. 

Aplicar sanções econômicas contra software de código aberto é uma novidade histórica para o governo dos Estados Unidos, e tem implicações preocupantes. 

Imagine se sanções fossem dirigidas a um protocolo de e-mail nos primeiros dias da Internet, com a justificativa de que o e-mail é frequentemente usado para facilitar ataques de phishing. 

Diante do impacto das sanções, até congressistas americanos pediram explicações ao Tesouro Americano por potencial afronta à Constituição.

Outrossim, a Coinbase, a corretora de criptomoedas mais popular dos EUA, anunciou que financiaria uma ação judicial para anular as sanções do Tesouro americano ao Tornado Cash. 

Para onde os formuladores de políticas americanos estão indo?

Os mercado de criptoativos nos EUA permanece em grande parte não regulamentado pelo governo federal. 

A falta de regulamentação deixa os investidores americanos desprotegidos contra fraudes e manipulações de mercado, e tem levado os players da indústria cripto a migrarem para países com regulação mais clara e favorável.

A competição pelo protagonismo na regulação federal do mercado cripto aqueceu entre os órgãos governamentais dos EUA nos últimos dois anos, com o crescimento da adoção das criptomoedas por todo o mundo, e saltou aos olhos dos formuladores de políticas principalmente após o recente o derretimento do mercado cripto provocado pelo episódio da stablecoin algoritmica Terra/Luna ressaltou.

Essa competição também fica evidente na crescente presença de lobby da indústria em Washington e seu impulso para alcançar mais investidores através de anúncios no Super Bowl e outras iniciativas de marketing de alto impacto.

Neste contexto, o que as declarações e os relatórios em resposta à ordem executiva de Biden, bem como o episódio envolvendo o OFAC nos mostram é que os reguladores dos EUA pretendem intensificar a supervisão da indústria de cripto, em meio à sua crescente popularidade e aumento na sua integração com a economia em geral. 

Quer saber tudo o que acontece na regulação da indústria blockchain e de criptoativos pelo mundo? Não perca o próximo artigo do Criptogalhas. Nos vemos em breve!!