A reclamação como meio adequado para atacar ato de juiz que impede o processamento do recurso de apelação
quinta-feira, 3 de abril de 2025
Atualizado às 07:29
Uma das grandes novidades do Código de Processo Civil de 2.015 foi o fim do juízo de admissibilidade do recurso de apelação. Desse modo, agora cabe somente ao juiz de primeiro grau abrir vistas para a apresentação de contrarrazões e determinar o envio do recurso ao Tribunal1.
Nesses quase dez anos de vigência do CPC/15 controvérsia que surgiu é se os autos deveriam ser enviados ao Tribunal mesmo no caso de existência de vício manifesto e insanável e que impediria o conhecimento do recurso de apelação. O exemplo clássico é o da intempestividade.
Nesse sentido, o professor Daniel Amorim Assumpção Neves entende que "(...) mesmo num caso de manifesta intempestividade, no qual o apelante se vale do recurso com o nítido intuito de protelar o trânsito em julgado, deverá ser encaminhada ao tribunal, com o que se gastará um tempo razoável, tanto pior quanto pior for o funcionamento do Judiciário local."2
Entretanto, muitos juízes continuaram arraigados ao CPC/1973 e permaneceram fazendo juízo de admissibilidade e barrando o processamento de recursos de apelação. Nesses casos, a doutrina e a jurisprudência não eram unânimes em apontar qual seria o instrumento cabível para possibilitar que o recurso de apelação barrado pelo juiz de primeiro grau pudesse ser apreciado pelo Tribunal.
Desse modo, em recente julgado, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão e definiu a seguinte tese para o Tema Repetitivo 1.267:
"1. A decisão do juiz de primeiro grau que obsta o processamento da apelação viola o § 3º do artigo 1.010 do CPC, caracterizando usurpação da competência do Tribunal, o que autoriza o manejo da reclamação prevista no inciso I do artigo 988 do CPC; 2. Na hipótese em que o juiz da causa negar seguimento à apelação no âmbito de execução ou de cumprimento de sentença, também será cabível agravo de instrumento, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC", nos termos do voto do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Decidiu, ainda, modular os efeitos da decisão no sentido de que, até a data da publicação do acórdão, referente ao tema repetitivo n. 1267, com base no princípio da fungibilidade e em caráter excepcional, é possível o recebimento da correição parcial (ou do agravo de instrumento previsto no caput do artigo 1.015 do CPC ou do Mandado de Segurança) como a reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite a apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado."
Segundo o entendimento da Corte Especial, a decisão do juiz a quo que barra o processamento da apelação viola o §3º do artigo 1.010 do CPC/153, caracterizando usurpação de competência do tribunal autorizando assim, o manejo da reclamação, conforme prevista no inciso I do artigo 988. Se a negativa de seguimento se der no âmbito de execução ou cumprimento de sentença, além da reclamação ainda caberá a interposição de agravo de instrumento, nos termos do parágrafo único do artigo 1.015 do CPC.
Entretanto, mais importante ainda foi a modulação concedida pelo STJ para possibilitar que até a publicação do acórdão da Corte Especial4, com base no princípio da fungibilidade5 e em caráter excepcional, o possível recebimento de correição parcial, agravo de instrumento ou mandado de segurança como reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado.
Assim sendo, além de pacificar a divergência existente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça resguardou o direito de todos que manejaram o instrumento inadequado para que possam ter o seu pleito apreciado pelo tribunal como Reclamação. Cumpriu assim o STJ o seu verdadeiro papel de uniformizador da jurisprudência e do Tribunal da Cidadania.
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1 Exceto nos casos em que o CPC permite a retração ao juiz de primeiro grau.
2 Manual de direito processual civil. Volume único - 16. ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2024, p. 1.167.
3 "§ 3º Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade." (g.n.)
4 Ainda pendente de publicação em 2/4/2025.
5 Existiam julgados recentes do STJ afastando a possibilidade de fungibilidade recursal com o agravo de instrumento, "em razão de inexistir dúvida objetiva quanto ao recurso adequado" (Agravo em RESP nº 2.341.141, 2ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 18/8/23).