STJ definirá se a fundamentação per relationen resulta em nulidade do ato decisório
quinta-feira, 27 de março de 2025
Atualizado em 26 de março de 2025 14:52
A pretexto da eficiência, racionalidade de julgamentos e quiçá com vistas a atender ao Princípio Constitucional da Duração Razoável do Processo (CF, art. 5º, LXXVIII), muitas turmas julgadoras, ao decidir determinado recurso, passaram a utilizar a fundamentação per relationen (também conhecida por fundamentação por referência ou fundamentação por remissão).
Em outras palavras, ao decidir o recurso, a turma julgadora ao revés de enfrentar um a um, os fundamentos recursais que ensejaram a impugnação de determinada decisão judicial convidando a sua reforma ou anulação, tornam a repetir os fundamentos da decisão impugnada, para ao final proclamar seu acerto, respectiva manutenção e desnecessidade de qualquer reparo.
Tal prática não prevista no CPC foi objeto de questionamento. Afinal, por vezes o recurso, ao impugnar uma sentença ou decisão interlocutória, pode versar exatamente no inconformismo de não enfrentamento da decisão impugnada de questões fundamentais ou necessárias trazidas em defesa e não examinadas.
Logo, a mera repetição da decisão impugnada ao julgar o recurso pode dar margem a repetição de idêntico error in judicando ou procedendo. A título de exemplo, basta examinar determinada decisão impugnada ausente de fundamentação em precedentes, ao revés de precedentes invocados pela parte sucumbente em sua defesa e em sentido contrário ao decidido, porém ignorados.
A repetição da respectiva decisão impugnada despida de pronunciar-se do porquê os precedentes invocados não devem ser observados ao caso concreto viola a inteligência do art. 489, § 1º, VI, do CPC 1 e compromete a manutenção para evitar manter a jurisprudência íntegra, estável e coerente com decisões no mesmo sentido em casos congêneres.
Deveras, a extensão das hipóteses previstas em aludido parágrafo, aptas a elucidar que tipo de decisão não pode ser considerada fundamentada, inclusive são consideradas como omissão, aptas desafiar o manejo de embargos de declaração (art. 1.022, parágrafo único, II, do CPC 2.
Daí por que em vista das críticas recorrentes a aplicação não prevista no CPC de fundamentação per relationen ao decidir aludido recurso, a Corte Especial do STJ enunciou a seguinte proposta de afetação sob a égide de julgamento de recurso especial repetitivo:
"PROPOSTA DE AFETAÇÃO. SUBMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL AO RITO DOS REPETITIVOS. VALIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM.
1. Delimitação da controvérsia: "Definir se a fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) - na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir - resulta na nulidade do ato decisório, à luz do disposto nos arts. 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC de 2015".
2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 do CPC de 2015."
(ProAfR no Resp 2148059/MA, Corte Especial, Rel. min. Luis Felipe Salomão, j. 10/12/24).
A decisão de afetação também determinou por unanimidade a suspensão do processamento de todos os recursos especiais e agravos em recurso especial em trâmite nos Tribunais de segundo grau ou no STJ, que versem sobre idêntica questão. O relatório e razões que ensejaram na afetação, rezam, em síntese:
"(...) Nas razões do especial, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, a autora aponta violação do art. 489, § 1º, inciso IV, do CPC de 2015. Sustenta, em síntese, a ausência de fundamentação do acórdão estadual, que manteve a decisão monocrática do relator que se limitou a transcrever ipsis litteris a sentença apelada.
Apresentadas contrarrazões ao apelo extremo, que foi admitido na origem como representativo de controvérsia, nos termos do art. 1.036, § 1º, do CPC.
Constatada a relevância da matéria e a multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, o atual presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (eminente ministro Rogério Schietti Cruz) recomenda a afetação do processo como repetitivo para definir "se a fundamentação por referência ou por remissão per relationem, na qual são utilizadas motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir, resulta na nulidade do ato decisório".
É o relatório.
(...)
Ademais, conforme noticiado pelo presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, a questão jurídica "já foi apreciada pelo STJ em outros 661 recursos especiais, oriundos do TJMA, e em pelo menos 25 agravos internos", o que demonstra a repetição da matéria.
4. Desse modo, uma vez evidenciado o caráter multitudinário e relevante da mencionada questão jurídica e o preenchimento dos demais requisitos exigidos pelos arts 1.036, § 6º, do CPC de 2015 e 257-A, § 1º, do RISTJ, considero ser caso e afetação do presente recurso especial como representativo da controvérsia, conjuntamente com os REsps 2.150.218/MA e 2.148.580/MA, nos termos do § 5º do art. 1.036 do CPC de 2015, para que sejam julgados pela Corte Especial, sob o rito dos repetitivos.
5. Ante o exposto, proponho: (i) a afetação do presente recurso especial e dos REsps 2.150.218/MA e 2.148.580/MA ao rito do art. 1.036 do CPC de 2015; (ii) a delimitação da controvérsia nos seguintes termos: "definir se a fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) - na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir - resulta na nulidade do ato decisório, à luz do disposto nos arts 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC de 2015"; (iii) a suspensão do processamento de todos os recursos especiais e dos agravos em recurso especial, em trâmite nos Tribunais de segundo grau ou no STJ, que versem sobre idêntica questão, observada a orientação prevista no artigo 256-L do RISTJ; (iv) que se proceda à comunicação, com cópia da decisão colegiada de afetação, aos ministros da Corte Especial desta Corte e aos presidentes dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais; (v) que seja dada ciência, facultada a atuação nos autos como amici curiae, ao Instituto Brasileiro de Direito Processual, à Advocacia Geral da União, à Ordem dos Advogados do Brasil, à DPU - Defensoria Pública da União, ao IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e ao BRASILCON Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor; e (vi) a oportuna vista ao Ministério Público Federal para parecer, nos termos do art. 1.038, III, § 1º, do CPC de 2015.
É como voto."
Se é certo que a luz da celeridade processual por vezes a fundamentação per relationen pode otimizar o tempo gasto para se trazer fundamentação em igual sentido ao se manter os fundamentos de determinada decisão impugnada, também é certo quem nem sempre a fundamentação empregada em determinado recurso destinado a reforma ou anulação da decisão impugnada estará assentado no quanto foi dito em defesa, mercê quando presentes error in procedendo ou uma das inúmeras hipóteses que ocupam o art. 489, § 1º do CPC, forte em explicitar o que não pode ser considerada uma decisão judicial fundamentada.
Confia-se, portanto, que a Corte Especial esteja atenta ao decidir sensível tema que também se harmoniza ao Princípio Processual Constitucional do Contraditório e Ampla Defesa ao viabilizar que os pontos em defesa suscitados sejam de fato e de direito examinados, enfrentados e decididos quando da prestação da tutela jurisdicional, ao revés da mera prática de repetição da decisão impugnada para ao final dizer que está correta e o recurso improvido.
1 "Art. 489. (...)
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
l - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento."
2 Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
(...)
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º ."
II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
(...)