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O inobservância da taxatividade mitigada nos recursos de agravo de instrumento interposto em ação civil pública

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Atualizado às 07:12

Diante de controvérsias emergidas a respeito do novo regime do cabimento do recurso de agravo, a Corte Especial do STJ, ao Julgar o Tema Repetitivo n. 988 (REsp  n. 1.696.396) sedimentou o entendimento da tese de "taxatividade mitigada", a afastar a interpretação restritiva do art. 1.015 do CPC com vistas a autorizar, excepcionalmente, o cabimento do recurso de agravo em outras hipóteses além daquelas previstas em aludido dispositivo, em especial quando verificada a urgência ou inutilidade futura do recurso restrita a devolução da matéria impugnada para reexame em sede de apelação (art. 1.009, § 1º, do CPC) .

Nesse contexto, passou-se a admitir o cabimento de recurso de agravo contra a) decisão que indefere habilitação de crédito em recuperação judicial , b) decisão que defere pedido de levantamento em desapropriação c) decisão que inadmite intervenção de terceiros  e d) decisão interlocutória acerca da prescrição  e) decisão que afasta a impossibilidade jurídica do pedido , dentre outras hipóteses.

Recentemente a celeuma restou examinada pelo STJ, desta feita não para se discutir a aplicação ou não da taxatividade mitigada ao caso concreto, mas, ao revés, consistente em examinar, quando previsto o cabimento de recurso de agravo em lei especial, se no âmbito de aludido regime há de ser observada a taxatividade mitigada

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. MICROSSISTEMA DE

TUTELA COLETIVA. APLICAÇÃO.

1. A controvérsia cinge-se ao cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que indeferiu o aditamento da inicial por intempestividade, no bojo de ação civil pública.

2. Caso em que o Tribunal de origem entendeu que a decisão agravada não estava inserida no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, destacando, ainda, que não havia urgência na utilização do instrumento recursal a caracterizar a taxatividade mitigada definida pelo STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT, apreciado sob o rito de demandas repetitivas.

3. As duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei.

4. Agravo interno desprovido

(STJ, AgInt. no Agravo em Recurso Especial n. 2159586/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 24.01.2025, v.u., grifou-se)

O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas:

"(...)

O Tribunal de origem entendeu que a decisão interlocutória agravada não estava inserida no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, destacando, ainda, que não havia urgência na utilização do instrumento recursal a caracterizar a taxatividade mitigada definida pelo STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT, apreciado sob o rito de demandas repetitivas (e-STJ fls. 115/116).

No julgamento dos embargos de declaração opostos pela agravada, a Corte a quo consignou, ainda, que "não há na lei de ação civil pública nenhuma particularidade quanto à admissibilidade do recurso originário" (e-STJ fl. 160).

Porém, como assinalado na decisão ora agravada, as duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei.

Nesse sentido:

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. LACUNA EXISTENTE NA LEI Nº 7.347/85. APLICAÇÃO DO ART. 19, § 1º, DA LEI N. 4.717/65. ANALOGIA. COLMATAÇÃO EMPREENDIDA NO ÂMBITO DO MICROSSISTEMA LEGAL DE TUTELA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. ART. 1.015, XIII, DO CPC.

1. Discute-se a aplicação, por analogia, do art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular) na hipótese em que o agravo de instrumento é interposto contra decisão interlocutória proferida no âmbito de ação civil pública, matéria que extrapola a tese firmada no julgamento dos REsp's 1.696.396/MT e 1.704.520/MT (Tema nº 988), sob o rito repetitivo.

2. Nas ações civis públicas, cabível se revela a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória, devendo a lacuna existente na Lei n. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) ser colmatada mediante a aplicação de dispositivo também integrante do microssistema legal de proteção aos interesses ou direitos coletivos, a saber, o art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei de Ação Popular). Nessa toada hermenêutica: REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017.

3. Afora isso, o cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em demandas coletivas também encontra amparo no próprio inciso XIII do art. 1.015 do CPC/2015, cujo dispositivo admite a interposição do recurso instrumental em "outros casos expressamente referidos em lei". Nesse mesmo sentido: AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2019, DJe 4/12/2019.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1.828.295/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA

TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 20/02/2020).

(...)

Assim, conquanto não prevista especificamente na Lei de Ação Civil Pública, a regra legal prevista na Lei da Ação Popular estende-se a todas as ações inseridas no microssistema de tutela coletiva, de modo que é cabível a interposição de agravo de instrumento na espécie.

Por fim, embora não merecedor de acolhimento, o agravo interno, no caso, não se revela manifestamente inadmissível ou improcedente, razão pela qual não deve ser aplicada a multa do § 4º do art. 1.021 do CPC/2015.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno.

(STJ, AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 2159586/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 24.01.2025, v.u., grifou-se)

Pacificado o entendimento no STJ de que malgrado o art. 19º, 1º, da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) prever o cabimento do recurso de agravo como meio de impugnação de decisão interlocutória tirada daquela modalidade de demanda (sem fazer restrição alguma quanto ao seu cabimento), aludido dispositivo restou interpretado a ponto de autorizar o cabimento do recurso de agravo também no âmbito das ações civis públicas, dada a leitura de ambas espécies de demanda integrarem o chamado microssistema legal de tutela dos interesses transindividuais.

Logo, soa correto o julgamento supra citado, porquanto parte da perspectiva de afastar qualquer discussão em torno de aplicar-se ou não a tese da taxatividade mitigada. Longe disso, na medida em que há na lei especial a previsão do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação contra decisão interlocutória, despido de aludir a qualquer hipótese de cabimento, não há razão da lei especial ceder espaço a disposição em sentido contrário no art. 1.015 do CPC (de onde se extrai hipóteses restritas de cabimento do recurso de agravo).