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Impossibilidade de reconhecimento de ofício da impenhorabilidade de 40 salários-mínimos depositados em caderneta de poupança

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Atualizado em 9 de outubro de 2024 15:01

Como se sabe, o art. 833, inc. X, do CPC, estabelece que são impenhoráveis "a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários-mínimos".

Questão tormentosa é saber se tal impenhorabilidade poderia ser reconhecida de ofício pelo juiz, ao tentar realizar a penhora nos moldes do art. 854, do CPC, e se deparar com o bloqueio "on-line" de depósito em dinheiro em caderneta de poupança de valor inferior a 40 salários mínimos.

Há quem sustente que se trataria de questão de ordem pública e que o magistrado deveria reconhecer de ofício tal impenhorabilidade por se tratar de questão envolvendo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III).

E há também o entendimento de que o juiz não poderia reconhecer de ofício a impenhorabilidade pois não se pode presumir que estaria em jogo, em todo e qualquer caso, a dignidade da pessoa humana na hipótese de penhora de valores inferiores a 40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança. Ademais, seria necessário observar o princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), oportunizando ao executado a possibilidade de se manifestar sobre o bloqueio.

Recentemente, ao julgar o Recurso Especial 2.061.973 e o Recurso Especial 2.066.882, pela sistemática de julgamento dos Recursos Repetitivos, a Corte Especial do STJ fixou a tese do Tema 1.235, a saber:

"A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão."

Com efeito, trata-se de inafastável e salutar aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, inc. LV) ao processo de execução e ao cumprimento de sentença. O executado, após sofrer a constrição de seu patrimônio por meio de um bloqueio de depósito de dinheiro em instituições financeiras, deve arguir se tal valor é impenhorável ou não.

Nesse sentido é o inc. I do § 3º do art. 854 do CPC: "incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis".

É possível que existam outros bens do executado que permitam que ele mantenha a sua subsistência sem violação do princípio constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana. Tudo isso sem mencionar que o exequente também merece ser protegido em sua dignidade, da mesma forma que o executado, e pode estar passando por situação pior que o seu adversário no processo.

A título ilustrativo, cumpre reproduzir aqui a ementa de um dos julgados apreciados pelo STJ que levaram à fixação do Tema 1.235:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. TEMA 1235/STJ. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. DETERMINAÇÃO DE BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS DO EXECUTADO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO EXECUTADO. IMPENHORABILIDADE DE SALDO INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. ART. 833, X, DO CPC. REGRA DE DIREITO DISPONÍVEL QUE NÃO POSSUI NATUREZA DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE ALEGAÇÃO TEMPESTIVA PELO EXECUTADO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, E § 5º, 525, IV, E 917, II, DO CPC.

1. Ação de execução fiscal, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/3/2023, concluso ao gabinete em 18/12/23 e afetado ao rito dos repetitivos por acórdão publicado em 8/3/24.

2. O propósito recursal, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, é "definir se a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz" (Tema 1235/STJ).

3. Na égide do CPC/1973, a Corte Especial deste STJ, nos EAREsp 223.196/RS, pacificou a divergência sobre a interpretação do art. 649, fixando que a impenhorabilidade nele prevista deve ser arguida pelo executado, sob pena de preclusão, afastando o entendimento de que seria uma regra de ordem pública cognoscível de ofício pelo juiz, sob o argumento de que o dispositivo previa bens "absolutamente impenhoráveis", cuja inobservância seria uma nulidade absoluta.

4. O CPC/2015 não apenas trata a impenhorabilidade como relativa, ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do art. 833, como também regulamenta a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, prevendo que, após a determinação de indisponibilidade, incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis, cuja consequência para a ausência de manifestação é a conversão da indisponibilidade em penhora (art. 854, § 3º, I, e § 5º), restando, para o executado, apenas o manejo de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução (arts. 525, IV, e 917, II).

5. Quando o legislador objetivou autorizar a atuação de ofício pelo juiz, o fez de forma expressa, como no § 1º do art. 854 do CPC, admitindo que o juiz determine, de ofício, o cancelamento de indisponibilidade que ultrapasse o valor executado, não havendo previsão similar quanto ao reconhecimento de impenhorabilidade.

6. A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC consiste em regra de direito disponível do executado, sem natureza de ordem pública, pois pode o devedor livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias, inclusive para pagar a dívida objeto da execução, renunciando à impenhorabilidade.

7. Assim, o Código de Processo Civil não autoriza que o juiz reconheça a impenhorabilidade prevista no art. 833, X, de ofício, pelo

contrário, atribui expressamente ao executado o ônus de alegar tempestivamente a impenhorabilidade do bem constrito, regra que não tem natureza de ordem pública. Interpretação sistemática dos arts. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, e § 5º, 525, IV, e 917, II, do CPC.

8. Fixa-se a seguinte tese, para os fins dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC: "A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão".

9. No recurso sob julgamento, o juízo, antes de ouvir o executado, ao determinar a consulta prévia por meio do SISBAJUD, na forma do art. 854 do CPC, pré-determinou, de ofício, o desbloqueio de quantias que sejam inferiores a 40 salários mínimos, reconhecendo que qualquer saldo abaixo desse limite seria impenhorável, por força do art. 833, X, do CPC.

10. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a possibilidade de bloqueio dos valores depositados em contas dos executados, ficando eventual declaração de impenhorabilidade, na forma do art. 833, X, do CPC, condicionada à alegação tempestiva pelos executados (arts. 854, § 3º, II, e 917, II, do CPC).

(REsp 2.066.882/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 2/10/24, DJe de 7/10/24.)

Portanto, é mais uma vez digna de aplausos a decisão da Corte Especial do STJ ao firmar o Tema 1.235, para pacificar a jurisprudência em torno da aplicação do art. 833, inc. X, do CPC, vedando ao juiz conhecer de ofício a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança.