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As custas processuais e os recursos dos advogados dativos, que versem exclusivamente sobre honorários advocatícios

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Atualizado em 25 de setembro de 2024 12:55

A Defensoria Pública realiza o valoroso trabalho de assistir os mais necessitados nas ações judiciais, propiciando o efetivo acesso à justiça aos hipossuficientes. Apesar de tão nobre e importante trabalho, o número de defensores públicos é muito aquém da real necessidade. Desse modo, as defensorias de todos os estados fazem convênios com a OAB, para que advogados dativos possam ajudar a suprir tão notável tarefa.

Só no estado de SP são mais de 40 mil advogados que atuam no convênio com a Defensoria Pública.

Em agosto de 2021 já tive oportunidade de escrever nessa coluna artigo defendendo que as prerrogativas processuais da Defensoria Pública fossem estendidas para os advogados dativos1.

Como o valor dos honorários advocatícios recebidos em tal convênio muitas vezes é inferior ao merecido por tão nobre e indispensável papel dos advogados dativos, os honorários sucumbenciais servem para estimular que esses advogados abnegados continuem prestando um excelente serviço para a coletividade.

Dúvida surge no caso do advogado dativo apresentar recurso somente quanto a fixação dos honorários advocatícios e se seria necessário ou não o recolhimento de custas.

O Tribunal de Justiça de SP possui recente acórdão afastando tal cobrança de custas:

"Execução de título judicial. Pronúncia da prescrição intercorrente. Preliminar do exequente Deserção. inocorrência. Curador especial que não necessita recolher custas recursais mesmo que discuta somente honorários advocatícios na apelação. O curador especial não é considerado um advogado particular, logo quando recorre sobre honorários advocatícios não necessita recolher custas ou demonstrar a necessidade da gratuidade de justiça como nos casos de advogados particulares. Nesse sentido o STJ já sedimentou de que: "Impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados, especialmente porque a advocacia dativa, embora seja exercício regular e remunerado da advocacia, possui caráter altruístico, irmanado e suplementar à Defensoria Pública.". Razões do curador dos executados Pedido de condenação do exequente ao pagamento de honorários advocatícios. Observância do princípio da causalidade. Sentença mantida. Foram os executados que deram causa à propositura da ação. Inadmissível que o credor, além de não receber o crédito que lhe cabe o qual foi fulminado pela prescrição intercorrente seja ainda condenado no pagamento dos honorários de sucumbência. O artigo 921, §5º do CPC, é expresso no sentido de que, quando ocorrer a pronúncia da prescrição intercorrente, não haverá ônus para as partes. Sentença mantida. Preliminar do exequente rejeitada. Apelação do curador dos executados não provida."  

(TJSP;  Apelação Cível 0108706-61.2006.8.26.0004; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV - Lapa - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/08/24; Data de Registro: 19/08/24)

 Em recente julgado a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão:

"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA COM JULGADO DA 2ª TURMA. COMPETÊNCIA DA CORTE ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. DEFENSOR DATIVO. FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ALEGADAMENTE IRRISÓRIA. RECURSO INTERPOSTO PELO ADVOGADO DATIVO EXCLUSIVAMENTE PARA MAJORAÇÃO DOS SEUS HONORÁRIOS. PREPARO. DESNECESSIDADE NA HIPÓTESE. INAPLICABILIDADE DO ART. 99, §5º, DO CPC, AO DEFENSOR DATIVO. INTERPRETAÇÃO LITERAL INSUFICIENTE E INADEQUADA. TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE ADVOGADO PARTICULAR E DEFENSOR DATIVO JUSTIFICÁVEL. EQUIPARAÇÃO ENTRE O ADVOGADO DATIVO E O DEFENSOR PÚBLICO. POSSIBILIDADE. OUTROS MÉTODOS HERMENÊUTICOS ADMISSÍVEIS. EXISTÊNCIA DE UM MICROSSISTEMA DE TUTELA DOS VULNERÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE RECOLHIMENTO DE PREPARO AO ADVOGADO DATIVO QUE PODERIA DESESTIMULAR FORTEMENTE O EXERCÍCIO DESTA IMPORTANTE FUNÇÃO AUXILIAR À DEFESA JURÍDICA DOS HIPOSSUFICIENTES E DOS VULNERÁVEIS. NECESSIDADE DE DAR À REGRA INTERPRETAÇÃO MAIS CONSENTÂNEA COM A SUA FINALIDADE.

1- Embargos de divergência em recurso especial opostos em 01/05/20.

2- O propósito recursal é definir se a regra segundo a qual é indispensável o preparo do recurso que verse exclusivamente sobre honorários sucumbenciais nas causas em que concedido o benefício da gratuidade judiciária à parte, salvo se o próprio advogado demonstrar que faz jus à gratuidade, aplica-se também ao defensor dativo.

3- Embora a interpretação literal das regras do art. 99, §§ 4º e 5º, CPC, pudesse induzir à conclusão de que ao advogado dativo, no que se refere ao preparo, aplicar-se-iam as mesmas regras do advogado particular, exigindo-se a comprovação de que ele próprio faz jus à gratuidade judiciária, é preciso examinar a possibilidade de adoção de outros métodos hermenêuticos que melhor se amoldem à resolução da questão controvertida.

4- Isso porque seria desarrazoado impor ao defensor dativo, que atua em locais em que não há Defensoria Pública devidamente instalada, que tenha de recolher o preparo para obter a majoração de seus honorários sucumbenciais que, normalmente, já são fixados em valores bastante módicos, na hipótese em que pretenda o reexame dessa modesta remuneração.

5- O exame sistemático do conjunto das regras que disciplinam as nobres funções desempenhadas pelos advogados dativos e pela Defensoria Pública revelam que, mais do que diferenças, eles possuem muito mais semelhanças, de modo que é possível afirmar que ambas as figuras se complementam e compõem um microssistema de tutela dos vulneráveis.

6- São exemplos de regras que compõem o microssistema de tutela dos vulneráveis, compostos pela advocacia dativa e pela Defensoria Pública: (i) a concessão de prazo em dobro para a Defensoria Pública, para os escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito e para as entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios com a Defensoria Pública; (ii) a inaplicabilidade do ônus da impugnação específica dos fatos ao defensor público e ao advogado dativo; (iii) a possibilidade de intimação pessoal da parte quando o ato depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada, aplicável à Defensoria Pública e à advocacia dativa; e (iv) a dispensa de preparo, concedida ao advogado dativo e ao defensor público, no exercício de curadoria especial, independentemente de deferimento de gratuidade ao curatelado.

7- Impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados, especialmente porque a advocacia dativa, embora seja exercício regular e remunerado da advocacia, possui caráter altruístico, irmanado e suplementar à Defensoria Pública.

8- De igual modo, essa eventual imposição não atrairá novos interessados em exercer essa função nas localidades em que não há Defensoria Pública, potencialmente diminuirá o interesse nessa atividade e, por consequência, deixará uma parcela muito significativa da população à mercê de sua própria sorte e convivendo, resignadamente, com as suas próprias mazelas.

9- Embargos de divergência parcialmente conhecidos e, nessa extensão, providos, a fim de dar provimento ao recurso especial e determinar o retorno do processo ao Tribunal de Justiça de SP para que, afastado o óbice de ausência de preparo, julgue a apelação como entender de direito."

(EREsp n. 1.832.063/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, relatora para acórdão ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 14/12/23, DJe de 8/5/24.)

Conforme se depreende do entendimento do STJ, os honorários sucumbenciais dos advogados dativos muitas vezes já são fixados de forma módica e "impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados."

Desse modo, o entendimento do STJ parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger os assistidos hipossuficientes e de dar melhores condições a todos que prestam o valoroso trabalho da Assistência Judiciária, afastando o pagamento de custas em recursos que versem somente sobre honorários advocatícios

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1 Disponível aqui.