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A impenhorabilidade presumida na visão do STJ

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Atualizado às 07:31

A penhora de ativos financeiros está consagrada no art. 854 do CPC, cujo regramento processual, uma vez cumprida a ordem inicial de bloqueio de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, preceitua (i) que no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar do cumprimento da ordem, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva (art. 854, § 1º), (ii) e, uma vez intimado o executado quanto eventual bloqueio exitoso ao credor, caberá a este o ônus de demonstrar que tais valores são impenhoráveis ou houve bloqueio em excesso ao quantum debeatur (art. 854, § 2º).

Tal regramento, em atendimento ao Princípio da Execução, encontra seu contraponto no art. 833, X, do CPC, forte em dizer ser impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança em até 40 (quarenta) salários mínimos1.

Malgrado o art. 854, § 2º determine o ônus do Executado suscitar eventual impenhorabilidade, a Primeira Turma do STJ recentemente decidiu que valores penhorados, em quantia inferior a 40 (quarenta) salários mínimos, detém impenhorabilidade presumida, cabendo ao juiz, de ofício, determinar sua liberação, (i) independentemente de ouvir o credor e, (ii) cabendo a este o ônus de demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor: 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA ON-LINE. SISTEMA BACENJUD. VALORES INFERIORES A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. PROVIMENTO NEGADO.

1. Nos termos do art. 833, X, do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos. Isso porque, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida, cabendo ao credor a demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor. Precedentes.

2. Agravo interno a que se nega provimento."

(STJ, Agint no AResp 2220880/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, j. 26.02.2024, v.u., grifou-se) 

O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas: 

(...) A controvérsia dos autos cinge-se à (i)legitimidade do reconhecimento, de plano, da impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do Código de Processo Civil.

Nos termos do art. 833, X, do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, isso porque, além de as matérias de ordem públicas serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida, cabendo ao credor a demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor.

A propósito, cito os seguintes precedentes desta Corte:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. PENHORA. SISTEMA BACENJUD. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE DESBLOQUEIO EX OFFICIO.

1. A penhora eletrônica não pode descurar-se do disposto no art. 833, X, do CPC, uma vez que "a previsão de impenhorabilidade das aplicações financeiras do devedor até o limite de 40 salários-mínimos é presumida, cabendo ao credor demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias de cada hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário" (AREsp n. 2.109.094, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe de 16/8/2022).

 

2. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito desta Corte de Justiça, a impenhorabilidade constitui matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo juiz, não havendo falar em nulidade da decisão que, de plano, determina o desbloqueio da quantia  legalmente penhorada.

3. Agravo interno não provido (AgInt no AREsp 2.151.910/RS, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/09/2022, DJe de 22/09/2022, destaquei). 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. SISTEMA BACENJUD. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ.

1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade, contradição ou erro material, não fica caracterizada ofensa aos art. 1.022 do CPC/2015.

2. São impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativo financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, tendo em vista que, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida.

Precedentes: AgInt no AREsp n. 2.209.418/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 16/2/2023; EDcl no AgInt no AREsp n. 2.109.465/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 15/12/2022, DJe de 19/12/2022; AgInt no REsp n. 2.036.049/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 30/11/2022; AgInt no AREsp n. 2.158.284/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 4/11/2022; AgInt no AREsp n. 2.149.064/PR, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 28/10/2022.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 2.358.584/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 17/11/2023.)

A Corte regional, como visto, decidiu em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, razão pela qual o acórdão recorrido não merece reparos. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno." 

Respeitado entendimento em sentido contrário o julgado acima soa equivocado. A uma, o art. 854, § 2º do CPC dispõe expressamente ser ônus do executado suscitar eventual impenhorabilidade, não se podendo falar em impenhorabilidade presumida. A duas, a única hipótese que o CPC autoriza o cancelamento ex oficio da ordem de indisponibilidade ou penhora online é limitada a indisponibilidade excessiva (art. 854, § 1º), o que também não se confunde com o acolhimento, ex oficio, de uma impenhorabilidade presumida.

A três tal qual fundamento no aresto, se caberá ao credor a "(...) demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor", em que momento lhe será assegurada tal oportunidade de contraditório se antes disso já restar cancelada a ordem de penhora ex oficio?

A quatro, não se pode olvidar a implementação, via sistema SISBAJUD, das repetições programadas de ordem de bloqueio de depósito em contas corrente ou ativos financeiros (teimosinha), cujas repetições de bloqueio recorrentes podem se estender até 30 (trinta) dias. Melhor seria ao magistrado ao menos aguardar o fim de aludido período com vistas a verificar se o total dos valores bloqueados no curso de 30 (trinta) dias transcende o limite legal de 40 (quarenta) salários mínimos.

__________

1 Posteriormente referida limitação de impenhorabilidade restou estendida pelo STJ para ativos financeiros que não sejam interpretados como reserva de capital, a exemplo de valores depositados em conta corrente.