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A contagem do prazo em dias úteis para ajuizamento do pedido de tutela cautelar antecedente

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Atualizado às 06:57

A sistemática do CPC/15 trouxe inúmeras modificações ao antes denominado processo cautelar, dentre as mais marcantes: a) a extinção das medidas cautelares nominadas, b) a formulação do pedido principal nos mesmos autos em que tramita a medida cautelar preparatória (denominada tutela cautelar requerida em caráter antecedente), c) a desnecessidade de recolhimento de novas custas iniciais quando da formulação do pedido principal1 e d) a possibilidade do autor formular, na petição inicial, o pedido cautelar e pedido principal (art. 308, § 1º do CPC).

Outras características restaram mantidas como e) o prazo de contestação do pedido cautelar em 5 dias, f) a fungibilidade entre a antecipação de tutela e a tutela cautelar (art. 305, parágrafo único) e g) o pedido principal deve ser ajuizado no prazo de 30 dias após o efetivo cumprimento da tutela cautelar (art. 308, caput).

Recentemente a Corte Especial do STJ conheceu de embargos de divergência com vistas a dirimir a controvérsia quanto ao prazo de formulação do pedido principal contar-se em dias úteis (inovação do CPC/15 quanto a contagem dos prazos processuais) ou em dias corridos.

A divergência teve origem com vistas a impugnar precedente da 3ª turma do STJ (Resp 2.066.868/SP), perfilhando o entendimento da contagem do prazo em dias úteis:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PRAZO PARA FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL (ART. 308 DO CPC/15). NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS. TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO.

  1. Procedimento de tutela antecipada requerida em caráter antecedente ajuizado em 22/9/21, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 31/01/22 e concluso ao gabinete em 27/4/23.
  2. O propósito recursal consiste em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e qual a natureza do prazo previsto no art. 308 do CPC/15 para a formulação do pedido principal no procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente.
  3. Na hipótese em exame deve de ser afastada a existência de omissão no acórdão recorrido, pois as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento do agravo de instrumento, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente.
  4. Deferido o pedido de concessão de tutela cautelar requerido em caráter antecedente, o autor deverá adotar as medidas necessárias para que a tutela seja efetivada dentro de 30 dias, sob pena de cessar a sua eficácia (art. 309, II, do CPC/15). Após a sua efetivação integral, o autor tem a incumbência de formular o pedido principal no prazo de 30 dias, o que deverá ser feito nos mesmos autos e independentemente do adiantamento de novas custas processuais (art. 308 do CPC/15).
  5. O prazo de 30 estabelecido no art. 308 do CPC/15, diferentemente do que ocorria no CPC/73, não é mais destinado ao ajuizamento de uma nova ação para buscar a tutela definitiva, mas à formulação do pedido principal no processo já existente. Ou seja, a formulação pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo em curso. Consequentemente, esse prazo tem natureza processual, devendo ser contado em dias úteis (art. 219 do CPC/15).
  6. Desatendido o prazo legal, a medida cautelar concedida perderá a sua eficácia (art. 309, I, do CPC/15) e o procedimento de tutela cautelar antecedente será extinto sem exame do mérito.
  7. Na espécie, o Tribunal de origem decidiu pela natureza decadencial do lapso temporal estabelecido no art. 308 do CPC/15 e declarou a intempestividade do pedido principal. No entanto, trata-se de prazo processual, de modo que o pedido foi apresentado de forma tempestiva.
  8. Recurso especial conhecido e provido." (grifou-se)

Por sua vez, a divergência restou conhecida por força da existência de precedente paradigma da Primeira Turma (AGInt no REsp 1.982.986/MG, relator ministro Benedito Gonçalvez, DJE 22/6/22), por entender que o prazo para formulação do pedido principal a tutela cautelar antecedente é decadencial e, portanto, contado em dias corridos:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. PRAZO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. NATUREZA JURÍDICA. DECADENCIAL. CONTAGEM EM DIAS CORRIDOS.

  1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/15 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ).
  2. À luz dos arts. 806 e 808 do CPC/73, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual "a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar" (súmula 482 do STJ). À época, a orientação jurisprudencial deste Tribunal era pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal. Precedentes.
  3. Na vigência do CPC/15, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/15), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único).
  4. No caso dos autos, o recurso não pode ser conhecido porque o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal. Observância da súmula 83 do STJ.
  5. Agravo interno não provido." (grifou-se)

Ao final a Corte Especial sedimento o entendimento de contagem do prazo em dias úteis:

"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. PRAZO PARA FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL (ART. 308 DO CPC/15). NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS.

  1. Divergência verificada para dirimir controvérsia sobre se o prazo de 30 (trinta) dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica material ou processual e se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis.
  2. Alteração no CPC/15 com relação ao procedimento para requerimento de tutelas cautelares antecedentes, devendo o pedido principal ser formulado nos mesmos autos, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar).
  3. Atual sistemática que prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição.
  4. A dedução do pedido principal, nesse caso, é um ato processual que produz efeitos no processo já em curso, e o transcurso do prazo em branco apenas faz cessar a eficácia da medida concedida (art. 309, II, do CPC/15), fato que não afeta o direito material em discussão.
  5. Constatação de que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. 6. Embargos de divergência conhecidos e não providos." (STJ, Embargos de Divergência em Resp 2.066.868/SP, Corte Especial, relator min. Reis Junior, v.u., j. 3/4/24).

O voto condutor, encabeçado pelo ministro Sebastião Reis júnior, ponderou, em síntese:

"(...) Registro, pois, que a controvérsia é única: saber se o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica material ou processual e, consequentemente, se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC.

As razões para se considerar o mencionado prazo como de natureza material tem base a noção de Pontes de Miranda do direito substancial de cautela e de sua caducidade. Nessa linha, reputa-se tratar de prazo decadencial, tendo servido de fundamento para a elaboração da súmula 482 do STJ, editada ainda na vigência do CPC/73:

'A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar.'

O acórdão paradigma enumera algumas decisões desta Corte que consideram a natureza decadencial do prazo: AgInt no AREsp 1351646/CE, ministro Aurélio Bellizze, 3ª turma, DJe 15/3/21; AgInt nos EDcl no REsp 1.801.977/MS, ministro Raul Araújo, 4ª turma, DJe 20/11/20; AgInt no AREsp 898.521/SP, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, DJe 1/2/17.

(...)

De outro norte, sintetizo as razões daqueles que defendem a natureza jurídica processual do prazo do art. 308 do CPC:

houve alteração no CPC/15 com relação ao procedimento para requerimento de medidas cautelares antes da formulação do pleito de concessão da tutela definitiva satisfativa;

a principal mudança é a de que o pedido principal deverá ser formulado nos mesmos autos em que requerida a tutela cautelar antecedente, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar);

dedução do pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo já em curso e;

o transcurso do prazo não impede o ajuizamento da demanda principal, apenas retira a eficácia de tutela concedida e impede o aproveitamento dos autos no qual foi requerida. Assim, o direito material em discussão não é afetado.

(...)

Em ambos os julgados das turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, que firmaram entendimento no sentido da natureza processual do prazo do art. 308 do CPC, diversas foram as doutrinas citadas, dentre as quais destaco as lições de Fernando Gajardoni:

'Achamos mais adequado classificá-lo como mero prazo preclusivo (interno ao processo), considerando que a formulação do pedido se faz na mesma relação jurídica processual já inaugurada com o pleito de tutela cautelar antecedente (tratando-se, pois, de prazo para a prática de ato processual). [...]. Aplica-se para a contagem do trintídio o art. 224 do CPC, excluindo-se o dia do começo (efetivação) e incluindo-se o dia do final. E aplica-se, também, o disposto no art. 219 do CPC, vez que se trata de prazo para a prática de ato processual (formulação do pedido principal), sendo, portanto, contado em dias úteis. (Comentários ao CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pp. 439- 440) (grifo nosso).

Em igual sentido:

De qualquer modo, não se trata de um prazo de direito material, pois o seu transcurso in albis não provoca encobrimento das eficácias da pretensão e da ação que defluem da relação material objeto da lide principal (o que seria a prescrição). Também não é provocada a perda ou a morte do direito subjetivo de que irradiam a pretensão e a ação (o que seria a decadência) (sem razão, portanto, STJ, 2. a T., REsp 669.353, reI. min. Mauro Campbell Marques, Dle 16-4-2009; STJ, 3. a T., REsp 687.208, reI. min. Nancy Andrighi, Dl 16-10-2006, p. 365). Tampouco se trata de um prazo preclusional de índole pré- processual, cujo transcurso in albis impossibilitaria a dedução do pedido principal. Na realidade, está-se diante de um prazo processual, criado para o requerido não ficar indefinidamente à mercê dos efeitos da tutela cautelar contra ele concedida, sem que seja instaurada a pendência da lide principal. Por razões de política processual, sujeita-se a eficácia da medida cautelar à condição resolutiva da não dedução do pedido principal em trinta dias. Só isso. Daí ser inaceitável cogitar-se da impossibilidade de interrupção ou suspensão do prazo, como se fosse ele decadencial. Não se trata de prazo fatal e improrrogável. É corriqueira no dia a dia forense, p. ex., a sua suspensão durante o período de recesso forense; além do mais, nada impede a suspensão por qualquer das causas previstas nos arts. 220, 221, 222 e 313, I, II e III, do CPC/2015. (STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Coordenador executivo Alexandre Freire. Comentários ao Código de Processo Civil. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 308.) (grifo nosso)

(...)

Assentadas as bases da discussão, destaco ser incontroversa a distinção da regulação da tutela cautelar antecipada nos CPCs de 1973 e de 2015. De modo a melhor visualizar a situação, transcrevo ambos os dispositivos:

CPC/73 - Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório. (grifo nosso)

CPC/15 - Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais. (grifo nosso)

Sendo visível a modificação promovida pelo legislador, resta perquirir se há repercussão quanto à natureza jurídica do instituto. Para tanto, necessário se faz distinguir as normas de direito material das processuais.

Carreira Alvim aponta que normas materiais ou substanciais são aquelas que disciplinam diretamente as relações de vida, procurando compor conflitos de interesses entre os membros da comunidade social, bem como regular e organizar funções socialmente úteis (Teoria Geral do Processo, Rio de Janeiro: Forense, 2015, livro digital).

Conforme pontuado no acórdão embargado, caracteriza-se como de direito material o prazo - prescricional ou decadencial - "para a parte praticar determinado ato fora do processo" (CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Org.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Livro eletrônico. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 749).

De outro giro, para a caracterização de um prazo como processual é primordial aferir se as situações jurídicas que geram efeitos no processo. 'Prazos processuais são aqueles para prática de atos dentro do processo, sendo nele contados . O prazo que tem início, desenvolve-se e encerra-se no processo é um prazo processual [...]. Não importa se o ato a ser praticado é processual ou material; o que importa é que o prazo seja processual, vale dizer, que inicie, corra e termine no processo. O que há de ser processual é o prazo, e não o ato a ser praticado. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. Código de processo civil comentado. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 414) (grifo nosso).

(...)

É fato que em todos os acórdãos utilizados para substanciar o voto paradigma partiram da premissa de que se tratava de prazo decadencial. Contudo, apenas examinaram qual seria o marco inicial da contagem do prazo, qual seja, a efetivação da medida cautela, tese que não está sob julgamento. Além disso, em que pese serem decisões proferidas já sob a égide do CPC/15, o dispositivo legal analisado em todos os feitos foi o art. 806, do CPC/73.

Notório o avanço do CPC/15 em robustecer o sincretismo processual. A sistemática de, implementada a medida cautelar, simples apresentação do pedido principal nos mesmos autos suprimiu do CPC a ação cautelar autônoma. Assim, a atual sistemática prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição.

Resta claro que o prazo de 30 dias previsto no art. 308 do CPC é para a prática de ato no mesmo processo. A consequência para a não formulação do pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias é a perda da eficácia da medida concedida (art. 309, II, CPC/15, sem afetar o direito material. Nesse sentido:

'O decurso do tempo não gera, portanto, o perecimento do direito material, mas tão somente uma consequência processual. Assim sendo, ou seja, tratando-se de prazo processual, o mesmo admite suspensão por morte, convenção das partes, força maior, férias ou recesso forense. E a forma de sua contagem deverá obedecer ao disposto nos arts. 219 e 224 do CPC/2015. Por outro lado, caso não formulado o pedido principal nesse interregno de 30 dias, cessará a eficácia da tutela cautelar (art. 309, inciso I, do CPC/15)'. DOTTI, Rogéria. Código de processo Civil Anotado. AASP, OAB Paraná. 2(grifo nosso)

Desse modo, diante da inovação legislativa e da profunda alteração na sistemática da tutela cautelar antecedente, entendo que a natureza jurídica do prazo previsto no art. 308 do CPC é processual. Nesse sentido, como desdobramento lógico, sua contagem deverá ser realizada apenas considerando os dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC.

Ante o exposto, conheço, mas NEGO PROVIMENTO aos embargos de divergência para que prevaleça nesta Corte o entendimento de que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC." (grifou-se)

As ponderações acima soam acertadas pois: a) a redação do art. 308 do CPC não deixa dúvidas de que a providência de formulação do pedido principal (ou o seu não atendimento), nos mesmos autos, guarda efeitos endoprocessuais, o que não se confunde com o direito material, b) tampouco o não cumprimento de aludido prazo guardará efeitos extraprocessuais a ponto de impedir que aludido pedido seja endereçado em nova demanda, c) de sorte que, sendo a natureza jurídica de prazo processual, de rigor a observância dos artigos 219 e 224 do CPC, a observar a contagem de aludido prazo em dias úteis.

__________

1 Desde que o pedido principal tenha o mesmo proveito econômico do pedido cautelar.

2 Disponível aqui. Acesso em 28/02/2024, p. 526.