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A recentíssima posição da Corte Especial do STJ sobre a penhora de salário

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Atualizado às 07:48

Cândido Rangel Dinamarco1 destaca que a execução civil consiste em uma "cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, ou seja, conjunto de atos estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa dele, realizar-se o resultado prático desejado concretamente pelo direito objetivo material".2

E a execução, nos termos dos artigos 4º e 8º do CPC/15, deve ser efetiva e eficiente, entregando-se ao autor, em tempo oportuno, o bem da vida que lhe é devido em virtude do previsto em título executivo.

A força motriz da execução civil é a busca de satisfação do direito do exequente, "e não a definição, para o caso concreto, do direito de uma das partes. Isto é, não é objetivo da execução forçada determinar quem tem razão. Pode-se dizer, assim, que, visualizada a tutela jurisdicional como resultado, na execução forçada tal ocorrerá, normalmente, com a entrega do bem devido ao exequente".3

A máxima eficiência e a célere e efetiva realização do direito material devido ao credor, com a oportuna satisfação do que lhe é devido, seguindo o princípio do devido processo legal, é a tônica da execução por quantia certa contra devedor solvente. Os atos executivos devem ser praticados no interesse do credor e para satisfazer o seu crédito4.

Como observa Cássio Scarpinella Bueno5, o princípio do resultado tem íntima ligação com o art. 805 do CPC/15, o qual estabelece o conhecido princípio da menor onerosidade do devedor; que prevê textualmente que quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso. Cabe, contudo, ao executado indicar precisamente outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já deferidos pelo magistrado.

Apresenta-se aqui o desafio de obter-se a uma execução equilibrada, voltada a satisfazer os interesses do credor, mas com o cuidado de não atropelar as garantias do devido processo legal que possam ser invocadas pelo devedor.

Também se convida o magistrado a verificar o caso concreto e observar, dentro do princípio do resultado e da busca da máxima eficiência em benefício do credor, como garantir que o devedor não tenha sua dignidade ferida e não sofra além do estritamente necessário a coerção inerente ao processo de execução. 

O que é certo é que o moderno processo civil é voltado à efetiva realização do direito material devido ao seu titular; de tal sorte que o art. 805 do CPC não pode ser utilizado pelo devedor como escudo para não pagar o que é devido ao credor.

Como lembra Cândido Rangel Dinamarco6, as preocupações com art. 805 do CPC: "não devem, todavia, abrir espaço para exageros nem seria aceitável que pudessem conduzir ao comprometimento da efetivação da tutela executiva em nome de um suposto direito do devedor a resistir incontroladamente ao exercício da jurisdição". Para o professor, não se pode "crucificar o devedor, e muito menos aquele infeliz e de boa-fé..., que não paga porque não pode; nem também relaxar o sistema e deixá-lo nas mãos de caloteiros e chicanistas que se escondem e protegem sob o manto de regras e sub-regras processuais e garantias constitucionais manipuladas de modo a favorecê-los em sua obstinação a não adimplir (...); amenizar sim, privilegiar não. Este é o espírito do art. 620 do Código de Processo Civil".

E é exatamente com esse espírito que o Superior Tribunal de Justiça, em alguns julgados, desde que observado o princípio da dignidade da pessoa humana, começou a relativizar o comando da impenhorabilidade do salário; cuja constrição, nos termos do artigo 833, parágrafo segundo, do CPC/15, era permitida em apenas algumas hipóteses legalmente previstas:

"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. IMPENHORABILIDADE. MITIGAÇÃO.

POSSIBILIDADE DE PENHORA. SUBSISTÊNCIA E DIGNIDADE. EFETIVIDADE DO PROCESSO. BOA-FÉ. SITUAÇÃO CONCRETA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.

1. A impenhorabilidade do salário pode ser mitigada, não só nas hipóteses expressamente previstas no art. 833, §2º, CPC, mas em qualquer caso no qual se verifique a ausência de prejuízo à manutenção do mínimo existencial e à subsistência do devedor e de sua família.

2. Se, de um lado, os princípios da menor onerosidade e da dignidade da pessoa humana visam a impedir a execução abusiva, por outro lado também cabe à parte executada agir de acordo com os princípios da boa-fé processual, da cooperação e da efetividade do processo.

3. A situação financeira concreta do devedor foi expressamente abordada no acórdão e a modificação do entendimento adotado demandaria a reapreciação de matéria fático-probatória, o que não é possível em sede de recurso especial. Súmula 7/STJ.

AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO". (AgInt no REsp 2021507 / SP, 3ª. Turma, j. 27/03/2023, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO). 

"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENHORA DE PERCENTUAL DA REMUNERAÇÃO. PAGAMENTO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA SUBSISTÊNCIA DIGNA DO DEVEDOR. ACÓRDÃO EM PERFEITA HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, "embora não se possa admitir, em abstrato, a penhora de salário com base no § 2º do art. 833 do CPC/15, é possível determinar a constrição, à luz da interpretação dada ao art. 833, IV, do CPC/15, quando, concretamente, ficar demonstrado nos autos que tal medida não compromete a subsistência digna do devedor e sua família". Incide, no ponto, a aplicação do óbice da Súmula 83/STJ.

2. A modificação da conclusão a que chegou Tribunal de origem pelo cabimento da penhora de percentual da remuneração do executado - ao entendimento de que, no caso concreto, seria preservada a dignidade e subsistência do devedor e sua família - exigiria o reexame do conjunto fático-probatório acostado aos autos, o que não se admite no âmbito do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

3. Agravo interno a que se nega provimento". (AgInt no REsp 1975476 / PR, 3ª. Turma, j. 11/04/2022, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE).

E, mais recentemente, no julgamento dos Embargos de Divergência EREsp nº 1874222 / DF, da relatoria do Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a penhora de salário, além das hipóteses previstas no artigo 833, parágrafo segundo, do CPC/15: "O colegiado acompanhou o relator, ministro João Otávio de Noronha, para quem essa relativização somente deve ser aplicada "quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução", e desde que "avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado"; e "Para o relator, o Código de Processo Civil (CPC), ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do artigo 833, passou a tratar a impenhorabilidade como relativa, "permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade"; e "O ministro afirmou que esse juízo de ponderação deve ser feito à luz da dignidade da pessoa humana, que resguarda tanto o devedor quanto o credor, e mediante o emprego dos critérios de razoabilidade e da proporcionalidade. 'A fixação desse limite de 50 salários-mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família, disse. Dessa forma, o relator entendeu que é possível a relativização do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, de modo a se autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família."7

Vale lembrar que a realidade da execução civil no Brasil demonstra um cenário enorme de desafios para que possamos atingir a tão almejada efetividade processual prevista no CPC/15. Diante disso, naturalmente, a cuidadosa recente orientação da Corte Especial, em nome de uma execução equilibrada, e sem prejuízo do artigo 805 do CPC/15, está em sintonia com a busca do respeito aos comandos dos artigos 4º. e 8º. do diploma processual.

__________

1 DINAMARCO, Candido Rangel. Execução civil. 8ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 120.

2 Moacyr Amaral Santos doutrina que a execução é "o processo pelo qual o Estado, por intermédio do órgão jurisdicional, e tendo por base um título (...), empregando medidas coativas, efetiva e realiza a sanção. Pelo processo de execução, por meio de tais medidas, o Estado visa a alcançar, contra a vontade do executado, a satisfação do direito do credor. A execução, portanto, é a atuação da sanção inerente ao título executivo". (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 268).

3 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. 2ª. ed.  São Paulo: RT, 2004. p. 34.

4 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 311.

5 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 62. v. 3. 

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Menor Onerosidade e Efetividade da Tutela Jurisdicional. In: Nova Era do Processo Civil. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 296-297 e p. 302 e p. 305.

7 Disponível aqui. Acesso em 30.04.2023.