Os poderes do juiz na execução e o STJ
quinta-feira, 14 de abril de 2022
Atualizado às 07:58
Logo quando entrou em vigor o Código de Processo Civil (CPC) atual, poucos perceberam uma novidade relativa à execução forçada que estava na sua Parte Geral e não na Parte Especial, Livro II, destinada ao "Processo de Execução".
Refiro-me, obviamente, ao inciso IV, do art. 139, do CPC, que trata dos poderes do juiz, e dispõe que incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto a prestação pecuniária".
Na execução forçada de obrigação de pagar quantia certa, as medidas executivas utilizadas tradicionalmente tem caráter sub-rogatório, tais como a penhora. Na execução forçada de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, as medidas executivas empregadas tem caráter coercitivo, tais como a multa.
O art. 139, inciso IV, do CPC, veio romper com essa diferenciação e estabelecer que medicas coercitivas também podem ser empregadas na execução por quantia certa, ao estabelecer em sua parte final que as medidas coercitivas podem ser adotadas "(...), inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias".
Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni estão entre o grupo dos que detectaram esta mudança quando ainda estava em curso o processo legislativo que resultou na lei atual, ao comentarem o dispositivo que tratava dos poderes-deveres do juiz e afirmarem: "A novidade está no reconhecimento da possibilidade de utilização de coerção para obtenção de tutela ressarcitória" (O projeto do CPC: crítica e propostas, São Paulo, Revista dos Tribunais, p.87).
Pois bem, aproximadamente um ano após a entrada em vigor do Código de Processo Civil atual, começaram a ser determinadas as medidas executivas atípicas aqui e ali, sempre que se tratava de execução forçadas de obrigações de pagar quantia em dinheiro. Dentre essas medidas, é possível citar: suspensão de Carteira Nacional de Habilitação, apreensão de passaporte, proibição de utilização de cartões de crédito, proibição de participar de concursos públicos etc.
Como consequência disso, começou-se a questionar quais seriam os critérios para se adotar tais medidas executivas atípicas (esgotamento das medidas típicas, por exemplo) e quais os limites para elas (não ferir os direitos fundamentais do executado, v. g.).
A melhor doutrina começou a tentar delinear o que seria uma medida executiva atípica descabida e o que seria cabível. No rol das medidas descabidas, foram mencionadas a "prisão como medida atípica", a "suspensão do passaporte do executado", a "suspensão do CPF ou do CNPJ", o "cancelamento ou suspensão do uso do cartão de crédito", o "corte de água ou de energia elétrica". Como medidas admissíveis, chegou-se a mencionar "suspensão da CNH", "suspensão de brevê e arrais", "proibição de contratar com o Poder Judiciário", "proibição de contratar com o Poder Público", "multa coercitiva atípica", intervenção na pessoa jurídica devedora (Luis Eduardo Simardi Fernandes, Poderes do juiz e efetividade da execução civil", Curitiba: Editora de Direito Contemporâneo, 2022, p. 290-323).
Exatamente por essa razão que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir, sob o rito dos recursos repetitivos, "se, com esteio no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos". Foram selecionados dois recursos como representativos da controvérsia, cadastrada como Tema 1.137: os recursos especiais 1.955.539 e 1.955.574, sendo que a relatoria é do ministro Marco Buzzi.
Como consequência da decisão acima mencionada, sofrerão os credores que estão aguardando que um dia a execução se torne efetiva e que eles ficarão satisfeitos, de verdade, com o resultado do processo. Isso porque o colegiado determinou a suspensão de todos os processos e recursos pendentes que versem sobre idêntica questão, em todo o território nacional, nos termos do artigo 1.037, II, do CPC.
Portanto, resta-nos aguardar agora a decisão do STJ sobre os poderes-deveres do juiz, sobretudo os do inciso IV do art. 139, do CPC, e a efetividade da execução civil. É preciso encontrar um equilíbrio entre as injustiças que podem ser cometidas com a aplicação equivocada do art. 139, inciso IV, do CPC, e a (in) efetividade do processo. Espera-se que a decisão seja equilibrada e justa, mas que também não demore muito.