A dispensa do depósito de 5% na ação rescisória e a necessidade de pagamento da multa em caso da ação ser julgada inadmissível ou improcedente
quinta-feira, 25 de novembro de 2021
Atualizado às 09:51
A escolha de um julgado sobre Ação Rescisória para a análise nessa coluna é uma homenagem a um grande amigo, que nos deixou muito prematuramente. Rodrigo Otávio Barioni, professor da PUC/SP, falecido há pouco mais de uma semana foi um grande estudioso do tema e, sem dúvida nenhuma, uma das maiores Autoridades quando se fala em Ação Rescisória. Sempre atencioso e solícito, foi meu Conselheiro em todas as Rescisórias que me deparei em minha vida profissional.
Rodrigo Barioni é uma dessas pessoas maravilhosas que passam por nossas vidas e não poderiam nos deixar. Amigo, leal, agregador deixa um grande vazio em todos, mas também uma vasta e profunda obra na área do direito processual, que eterniza o brilhante Mestre.
O § 1º do artigo 968, II, do CPC prevê a dispensa do depósito de 5% por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, das suas respectivas autarquias e fundações de direito público1, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça.
Dúvida que surge é se os beneficiados pela dispensa do depósito para o ajuizamento da Ação Rescisória deveriam pagar multa de 5%, no caso da ação ser julgada, à unanimidade, inadmissível ou improcedente.
Sobre o tema cumpre citar a lição do professor Rodrigo Barioni: "Aqui, cumpriria esclarecer apenas se esses entes dispensados do depósito prévio devem pagar a multa processual, caso a ação rescisória venha a ser julgada inadmissível ou improcedente por unanimidade. A dispensa inicial afigura-se correta, tendo em vista a presunção de solvabilidade dos entes públicos e o acesso à justiça no caso dos reconhecidamente pobres. Isso não afasta, porém, o dever de realizar o pagamento da multa, caso seja concretizada a situação que autoriza sua cobrança pelo réu. Na jurisprudência, os entes públicos e mesmo o beneficiário da Justiça gratuita não estão isentos do pagamento de multas por litigância de má-fé. No caso da ação rescisória o pagamento final da multa tem a mesma origem da condenação de litigância de má-fé: punir o demandante por haver proposto indevidamente uma ação judicial. Assim, por força do princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal, o vencido na lide rescisória deve ser condenado ao pagamento da multa de 5% sobre o valor atribuído à causa, tenha ou não realizado o depósito inicial."2
Em acórdão publicado no começo do corrente mês, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça reiterou seu entendimento no mesmo sentido do defendido pelo professor Barioni:
"AÇÃO RESCISÓRIA. 1. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA DEFERIDO PARCIALMENTE. POSSIBILIDADE. NÃO EXONERAÇÃO DO BENEFICIÁRIO DA MULTA PROCESSUAL PREVISTA NO ART. 968, II, CPC/2015. 2. AUSÊNCIA, EM REGRA, DE LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DOS ADVOGADOS DA PARTE VENCEDORA NA AÇÃO RESCISÓRIA. RECONHECIMENTO, IN CASU. 3. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE ACÓRDÃO PROFERIDO PELA QUARTA TURMA DO STJ, NO BOJO DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA (QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS EMBARGOS À EXECUÇÃO), NO CAPÍTULO REFERENTE AOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS EM FAVOR DO ADVOGADO DA PARTE DEVEDORA. TÍTULO JUDICIAL AMBÍGUO, QUE FIXA PERCENTUAL SOBRE A DIFERENÇA ENTRE O VALOR COBRADO E O VALOR EFETIVAMENTE DEVIDO, SEM DETERMINAR O MOMENTO DE APURAÇÃO. VERIFICAÇÃO.
INTERPRETAÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE. VALOR COBRADO A SER APURADO NO MOMENTO DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO, E NÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR, SOB PENA DE SUBVERTER A FINALIDADE DO PROCESSO EXECUTIVO. ACÓRDÃO RESCINDENDO EM ABSOLUTA CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RECONHECIMENTO. VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI E AFRONTA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. 4. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI SOBRE QUESTIONAMENTO EM MOMENTO ALGUM SOPESADO NO ACÓRDÃO RESCINDENDO. IMPOSSIBILIDADE. 5. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
DESCABIMENTO. 6. AÇÃO RESCISÓRIA PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, JULGADA IMPROCEDENTE.
1. A dispensa, por força do deferimento parcial do benefício da gratuidade de justiça, do recolhimento prévio do depósito de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa - concebido como condição de procedibilidade ao ajuizamento da ação rescisória -, não exime o autor da ação de responder pela sanção processual prevista no inciso II do art. 968 do CPC/2015, na eventualidade de a presente pretensão rescisória vir a ser julgada improcedente ou inadmissível, por unanimidade de votos. Precedente específico da Segunda Seção do STJ (AR 4.522/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 24/05/2017, DJe 02/08/2017).
(...)
(AR 6.158/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/10/2021, DJe 05/11/2021)
Outro não é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:
"AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA. PROVAS NOVAS OBTIDAS PELA PARTE IRRELEVANTES. Pretensão da autora à rescisão do acórdão que, no processo de sobrepartilha de bens sonegados, reconheceu a prescrição da sua pretensão naquele processo. Alegação de que não teria sido intimada da decisão que negou provimento ao Ag em REsp nº 20.367/SP. Ausência de comprovação nesse sentido. Situação que, em todo caso, não pode ser alegada em ação rescisória, por já ter decorrido o prazo decadencial de dois anos (art. 975 do CPC/2015). Suposta ciência da autora em 2013 e ação proposta em 2017. Decadência que ocorreu em relação a outras alegadas ilegalidades ocorridas no processo de sobrepartilha (art. 966, V c/c art. 975 do CPC/2015). Decadência que não ocorreu somente em relação à alegação de obtenção de novas provas (art. 975, VII c/c art. 975, § 2° do CPC/2015). Provas irrelevantes. Falta de nexo entre tais novas provas e um possível julgamento favorável à autora. Impossibilidade de elas modificarem o reconhecimento da prescrição do pedido de sobrepartilha de bens sonegados. Condenação da autora ao pagamento de multa de 5% do valor atualizado da causa, mesmo sendo beneficiária da gratuidade processual (art. 968, II c/c art. 98, § 4° do CPC/2015). Ação rescisória improcedente."3 (g.n.)
(TJSP; Ação Rescisória 2204143-24.2017.8.26.0000; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 2º Grupo de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/07/2019; Data de Registro: 29/07/2019)
Esse parece ser o melhor entendimento, eis que a dispensa do depósito permite o ajuizamento de Ações Rescisórias pelos entes previstos no § 1º, II, do artigo 968, mas exige uma litigância responsável, já que tal dispensa não vai eximir os entes do pagamento da multa de 5%, no caso da ação ser julgada inadmissível ou improcedente, por unanimidade.
__________
1 Tal regra merece críticas de Thiago Marinho Nunes "Em relação a esse ponto, a regra merece críticas severas, uma vez que inexiste razão plausível para que o ente estatal esteja imune à realização do depósito prévio. Ora, o objetivo primordial do depósito prévio é o de garantir a seriedade da ação rescisória que está sendo proposta, e a garantia de seriedade só vale quando aplicada para todos. Da forma como se encontra a regra do art. 968, § 1º, viola-se o princípio constitucional da igualdade das partes (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). Nada obstante a opinião aqui colocada, há de ser citada a Súmula nº 175 do STJ, segundo a qual "Descabe o depósito prévio nas ações rescisórias propostas pelo INSS". (Código de Processo Civil Anotado, coord. José Rogerio Cruz e Tucci, et al., São Paulo: AASP e OAB/PR, 2019, p. 1588 e 1589)
2 "A Ação Rescisória no CPC: propostas de alteração", in Revista de Processo, n. 207, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 256.
3 Há precedentes do TJSP condenando o Autor da Rescisória no pagamento da multa de 5% do valor da causa, prevista no art. 968 do CPC, entretanto, suspendendo a exigibilidade, salvo se for revogado o benefício da gratuidade da justiça concedido a ele, citando entendimento exarado no RESP nº 1.096.874 (TJSP; Ação Rescisória 2192576-88.2020.8.26.0000; Relator (a): Castro Figliolia; Órgão Julgador: 6º Grupo de Direito Privado; Foro de Monte Mor - 2ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 18/01/2021; Data de Registro: 18/01/2021).