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A recente leitura do STJ sobre a possibilidade de o devedor indicar para penhora o seguro garantia judicial na execução por quantia certa - arts. 805, 829, 835 e 848 do CPC

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Atualizado às 07:52

Teresa Arruda Alvim1 sustenta que a penhora de dinheiro, apesar do uso do termo "prioritário" no parágrafo primeiro do art. 835 do CPC/15, pode ser relativizada pelo magistrado, dependendo das circunstâncias do caso concreto, bem como na hipótese de o devedor conseguir cumprir rigorosamente os termos do parágrafo único do art. 805 do CPC/15: "A interpretação dos dispositivos legais não pode se dar em função apenas de sua literalidade, nem tampouco de forma isolada do sistema normativo como um todo. A nosso ver, mesmo a penhora em dinheiro, conquanto tenha caráter prioritário, pode ser flexibilizada. A ordem legal estabelecida para a penhora deve ser ajustada de forma a conciliar, no caso concreto, os princípios da máxima utilidade da execução em favor do exequente e o da menor onerosidade ao executado, com vistas a buscar uma execução equilibrada e proporcional". 

Enfatiza a professora Teresa Arruda Alvim2, ainda, a plena necessidade de o devedor, para fins de indicação de bens de que trata o parágrafo segundo do art. 829 do CPC/15, caso pretenda evitar a penhora mais gravosa, se atentar para a essência do parágrafo único do art. 805 do CPC/15: "Como se verifica do parágrafo segundo, o exequente poderá indicar bens do executado a serem penhorados. É importante mencionar que o exequente é quem tem primazia na indicação de bens, porém o executado também poderá fazê-lo, atento ao princípio da menor onerosidade, desde que demonstre que não haverá prejuízo ao exequente". 

E é nesse ponto que deve ocorrer uma leitura construtiva entre os artigos 805 e 835, parágrafos primeiro e segundo, do CPC/15, sendo certo que o seguro garantia judicial é uma poderosa ferramenta para o devedor se valer de garantia idônea e que possa ser igualmente eficaz para homenagear todos os nortes buscados pelo legislador na tentativa de prestigiar uma execução equilibrada e verdadeiramente efetiva. 

Com esse ângulo, quanto ao parágrafo segundo do artigo 835 do CPC/15, Teresa Arruda Alvim3 destaca que "reside nesse parágrafo segundo do art. 835 mais uma prova de que a preferência pela penhora em dinheiro não tem caráter absoluto, como dissemos ao comentarmos, em conjunto, o inc. I e o parágrafo primeiro. Com efeito, ao equiparar a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, para fins de substituição da penhora, o que o novo código de processo civil visou foi assegurar ao executado o direito de substituir qualquer penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial, desde que em valor igual ou superior ao débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento). O CPC/73 tem regra similar e a jurisprudência do STJ tem reconhecido esta possibilidade, a qual está mais afinada com a busca de uma execução proporcional e equilibrada, como defendemos ao longo de nossos comentários a diversos dispositivos atinentes à execução".  

Dessa forma, uma leitura construtiva entre os artigos 805 e 835, parágrafos primeiro e segundo, do CPC/15, permite afirmar que, sem prejuízo algum da efetividade da execução, o devedor pode se valer do seguro garantia judicial para evitar - nos termos do parágrafo segundo do artigo 829 do CPC/15 -, ou para substituir a penhora de dinheiro, cuja prioridade é legalmente relativizada nas hipóteses do artigo 835, parágrafo segundo, do CPC/15.

O reforço dessa leitura construtiva está na letra do parágrafo único do artigo 848 do CPC/15, o qual, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior4, garante que "a penhora, qualquer que seja o seu objeto, possa ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial. (...). Pelo texto do parágrafo único do art. 848, a liquidez da fiança bancária é estendida também ao seguro garantia judicial. Ambos se prestam, portanto, a substituir qualquer modalidade de penhora".   

Luiz Guilherme Marinoni5, apesar de enfatizar a importância da prioridade da penhora de dinheiro, anota que "a regra do art. 835 é um parâmetro indicativo e não uma cláusula rígida e inafastável. Essa regra deve ser vista como um guia para a atividade judicial, mas cuja ordem de preferência pode ser alterada, mediante a devida adequada justificativa, diante de outra realidade social e de mercado e das particularidades presentes no caso concreto". E, quanto ao seguro garantia judicial, pontua que naturalmente o mesmo pode ser um substituto para a penhora realizada, conforme previsão do artigo 848, parágrafo único, do CPC/156.

Fredie Didier Jr.7, neste campo, bem acentua que a penhora de dinheiro pode ter sua prioridade relativizada, destacando, dentro das hipóteses de relativização, a importância do seguro garantia judicial: "Sucede que o dinheiro pode, realmente, não ser o bem a ser prioritariamente penhorado. Não pelas razões dos precedentes que geraram a enunciado da súmula - que se atinham à discussão sobre a imperatividade ou não da ordem estabelecida pelo artigo 655 do CPC/73, correspondente ao art. 835 do CPC/15. Mas pelo fato de haver outras regras que mitigam essa prioridade. Há ao menos quatro situações em que isso pode vir a acontecer, atualmente: i) o credor escolhe outro bem a ser penhorado - e essa escolha não se revela abusiva, nos termos do art. 805 do CPC; ii) há negócio jurídico processual que defina previamente o bem a ser penhorado (típico, como nos casos do parágrafo terceiro do art. 835 do CPC - créditos com garantia real; ou atípico, com base no art. 190 do CPC); iii) o executado oferece fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor 30% superior ao crédito - a lei equipara o dinheiro a essas duas garantias para fins de penhora ; e iv) o credor exerceu direito de retenção sobre um bem, que deve ser o penhorado nos termos do art. 793 do CPC".   

Pode-se afirmar, de alguma forma, que antes mesmo das recentes reformas do Código de Processo Civil, a lei 6.830/1980 já equiparava o seguro garantia judicial ao dinheiro, conferindo tratamento similar a estes bens, para fins de garantir o pagamento do crédito executado, conforme redação dos respectivos artigos 9 e 15.

Sobre o tema, assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, em voto magistral do Ministro Luiz Fux, apontando-se para a necessidade de tratamento similar para a penhora de dinheiro e para a penhora de fiança bancária, conforme se nota do acórdão do REsp 1033545/RJ, julgado por unanimidade em 28/04/2009.

E o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, já com base na leitura construtiva que ora se propõe nesse trabalho, reafirmou a possibilidade de se relativizar a penhora de dinheiro quando há o oferecimento do seguro garantia: "O art. 835, § 2º, do CPC/2015, para fins de substituição da penhora, equiparou a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento"8.

Ademais, quanto à possibilidade de, nos termos do parágrafo segundo do artigo 829 do CPC/15, o devedor evitar a penhora de dinheiro com a indicação do seguro garantia judicial, o Superior Tribunal de Justiça, também recentemente, chancelou tal hipótese, julgando magistralmente que: "O § 2º do art. 835 do CPC/2015, para fins de substituição da penhora, equiparou a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento. Em que pese a lei se referir a "substituição", que pressupõe a anterior penhora de outro bem, o seguro-garantia judicial produz os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, seja para fins de garantir o juízo, seja para possibilitar a substituição de outro bem objeto de anterior penhora, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida. O seguro-garantia judicial, espécie de seguro de danos, garante o pagamento de valor correspondente aos depósitos judiciais que o tomador (potencial devedor) necessite realizar no trâmite de processos judiciais, incluídas multas e indenizações. A cobertura terá efeito depois de transitada em julgado a decisão ou o acordo judicial favorável ao segurado (potencial credor de obrigação pecuniária sub judice) e sua vigência deverá vigorar até a extinção das obrigações do tomador (Circular SUSEP nº 477/2013). No cumprimento de sentença, a fiança bancária e o seguro-garantia judicial são as opções mais eficientes sob o prisma da análise econômica do direito, visto que reduzem os efeitos prejudiciais da penhora ao desonerar os ativos de sociedades empresárias submetidas ao processo de execução, além de assegurar, com eficiência equiparada ao dinheiro, que o exequente receberá a soma pretendida quando obter êxito ao final da demanda. Por serem automaticamente conversíveis em dinheiro ao final do feito executivo, a fiança bancária e o seguro-garantia judicial acarretam a harmonização entre o princípio da máxima eficácia da execução para o credor e o princípio da menor onerosidade para o executado, a aprimorar consideravelmente as bases do sistema de penhora judicial e a ordem de gradação legal de bens penhoráveis, conferindo maior proporcionalidade aos meios de satisfação do crédito ao exequente. A idoneidade da apólice de seguro-garantia judicial deve ser aferida mediante verificação da conformidade de suas cláusulas às normas editadas pela autoridade competente, no caso, pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, sob pena de desvirtuamento da verdadeira intenção do legislador ordinário. A renovação da apólice, a princípio automática, somente não ocorrerá se não houver mais risco a ser coberto ou se apresentada nova garantia. Se não renovada a cobertura ou se o for extemporaneamente, caraterizado estará o sinistro, nos termos do Ofício nº 23/2019/SUSEP/D1CON/CGCOM/COSET, abrindo-se para o segurado a possibilidade de execução da apólice em face da seguradora. Na hipótese de haver cláusula condicionando o sinistro ao trânsito em julgado para fins de execução da garantia (apólice), como forma de harmonizar o instituto com o ordenamento processual como um todo, admite-se a recusa da garantia ou da substituição da penhora, pelo juízo da execução, a partir das especificidades do caso, se a objeção do executado não se mostrar apta, a princípio, à desconstituição total ou parcial do título.Julgada a impugnação, poderá o juiz determinar que a seguradora efetue o pagamento da indenização, ressalvada a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto pelo tomador, nos moldes do art. 1.019, I, do Código de Processo Civil de 2015. O fato de se sujeitarem os mercados de seguro a amplo controle e fiscalização por parte da SUSEP é suficiente, em regra, para atestar a idoneidade do seguro-garantia judicial, desde que apresentada a certidão de regularidade da sociedade seguradora perante a referida autarquia"9.

Longe de questionar a importância da penhora de dinheiro e sua plena e direta relação com a efetividade da execução, as posições acima apenas denotam a importância de uma leitura conjunta dos arts. 805 e 835 do CPC/15, de modo que uma execução equilibrada e efetiva também pode ser viabilizada, em determinados casos, com a real cooperação do devedor e com a demonstração de que outros bens podem ser constritos no lugar do dinheiro; desde que tais bens, verdadeiramente, sejam suficientes e aptos a garantir o regular pagamento do que for devido ao credor. E nessa linha, o seguro garantia judicial, nos termos dos artigos 805, 829, 835 e 848 do CPC/15, é uma modalidade viável para a preservação dos principais nortes idealizados pelo legislador, na busca de obtenção da efetividade da execução.

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1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1191. 

2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1177. 

3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª. Edição. São Paulo: RT, 2016. p. 1320. 

4 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V.II. 49ª. Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 521.

5 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 915.

6 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 918.

7 DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2017. p. 856.

8 STJ, AgInt no REsp 1729545 / MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. 3ª. Turma, j. 11.11.2020.

9 STJ, REsp 1838837 / SP, Rel. Min. para acórdão Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª. Turma, j. 12.05.2020.