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Impenhorabilidade de salário

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Atualizado às 07:27

Como se sabe, o "caput" do art. 649 do Código de Processo Civil, de 1973 (CPC/1973), assim dispunha: "Art. 649. São absolutamente impenhoráveis", sendo que o inciso IV do mesmo dispositivo colocava os "salários" nesse rol.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil, de 2015 (CPC/2015), o art. 833, passou a dispor o seguinte: "Art. 833. São impenhoráveis", sendo que o inciso IV do mesmo dispositivo continuou a inserir os "salários" na lista dos bens impenhoráveis.

Não precisa ser muito atento para notar que, de 1973 para 2015, foi retirada a palavra "absolutamente" do "caput" da lista das impenhorabilidades do Código de Processo Civil (CPC).

Isso não passou despercebido pelo Superior Tribunal de Justiça, tanto que a Corte Especial, ao julgar os Embargos de Divergência em REsp n. 1.582.475/MG, autorizou a penhora de 30% (trinta por cento) do salário de um servidor público executado que tinha renda mensal de R$ 33.153,04, mas se recusava a pagar ao exequente (credor de uma verba não alimentar) o que lhe era devido. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS.CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA.

1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei.

2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia.

3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais.

4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente.

5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.

6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.

7. Recurso não provido. (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018)".

Com efeito, há, de um lado, o direito fundamental do devedor de ter sua dignidade respeitada e não perder o seu único meio de subsistência. Porém, de outro lado, não menos importante, há o direito fundamental do credor à tutela executiva.

Conforme muito bem observado pelo Ministro Relator do acórdão cuja ementa foi acima transcrita "(...) Caso se afirmasse que os vencimentos do devedor, nestes autos, são 100% impenhoráveis, estar-se-ia chancelando o comportamento de qualquer pessoa que, sendo servidor público, assalariado ou aposentado, ainda que fosse muito bem remunerada, gastasse todas as suas rendas e deixasse de pagar todas as suas dívidas, sem qualquer justificativa (...)".

Está aí a importância da retirada da palavra "absolutamente" da afirmação constante no art. 833, inciso IV, do CPC/2015: o salário não é 100% (cem por cento) impenhorável. Em outras palavras, o salário não é absolutamente impenhorável. Também o credor tem direito a uma vida digna e isso inclui o direito à uma tutela executiva efetiva. Não podemos nos esquecer que os credores também podem estar passando por uma situação de necessidade - ainda mais durante essa pandemia do COVID-19 - e não apenas os devedores. Assim, é difícil sustentar hoje em dia que haveria bens absolutamente ou 100% impenhoráveis no art. 833, do CPC/2015 à luz da jurisprudência e da própria realidade em que estamos vivendo.