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Sucumbência recíproca e majoração de honorários advocatícios

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Atualizado às 08:14

O tema honorários advocatícios tem ocupado espaço de recentes contribuições postas no bojo da presente coluna.

Já foram referenciados julgados da Primeira à Quarta Turmas do STJ, que entenderam por afastar a aplicação da regra de equidade (art. 85, § 8º do CPC) nas hipóteses que não se enquadram na situação objetiva ali prevista pelo legislador, a prevalecer a inteligência do art. 85, § 2º do CPC1-2. Apontamos também recente julgado da Quarta Turma do STJ, forte em não se importar quanto a condenação milionária da verba honorária advocatícia aplicada, pois em verdade estava a cumprir fielmente com o comando previsto no art. 85, § 2º, do CPC3. Por sinal, tal questão específica consolidou o Tema n. 1046, por meio do qual o STJ, nos recursos especiais n. 1812301/SC e 1822171/SC, por meio do v. acórdão de 17.03.2020, publicado aos 26.03.2020, afetou, sob o regime de recursos repetitivos, o julgamento da seguinte questão jurídica: "possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil de 2015."

O Professor Rogério Mollica também já contribuiu com a presente coluna ao tratar da sucumbência recursal e julgamento de embargos de declaração4, sem prejuízo de outro notável artigo quanto a impossibilidade de aplicação de sucumbência recursal na hipótese do recurso, improvido, ter por objeto exclusivo a majoração da verba honorária advocatícia anteriormente fixada5.

Recentemente o STJ decidiu acerca da possibilidade ou não de majoração da verba honorária advocatícia (regra prevista no art. 85, § 11º, do CPC) quando, em havendo sucumbência recíproca, sobrevier recurso de uma ou ambas as partes:

"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE A MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, é possível a majoração dos honorários advocatícios na forma do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.

2. A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.

3. Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe que "[a] sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor".

4. A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais - ou contratuais -, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui.

5. Acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria.

6. Ademais, nas hipóteses tais como a presente, em que a sucumbência recíproca não é igualitária, a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência.

7. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.

8. Na espécie, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo da parte ora agravante, empreendeu nova distribuição da sucumbência entre os litigantes. Essa circunstância impede a majoração dos honorários sucumbenciais, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC.

9. Agravo interno não provido."

(AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1.495.369/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, v.u., j. 01.09.2020, grifou-se)

Referido julgado, por unanimidade, bem observou:

"(...) 4. No entanto, com a devida venia, penso que a sucumbência recíproca, por si só, não é óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC.

De início, é importante ressaltar que, à luz do disposto no art. 22 da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB), os honorários advocatícios contratuais - em que a parte convenciona livremente com o seu patrono - não se confundem com os sucumbenciais - que são devidos pelo derrotado na demanda, à luz da disposição contida na norma processual de regência.

(...)

Ademais, importante ressaltar que o novo Código de Processo Civil, no parágrafo 14 do art. 85, é expresso no sentido de que "[o]s honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial", de modo que não se aplica o entendimento desta Corte Superior, firmado sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, de que "[o]s honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte" (Súmula 306/STJ).

Sobre a questão, a doutrina de José Miguel Garcia Medina também aponta para essa solução, de que, havendo sucumbência recíproca, cada uma das partes é responsável pelo pagamento dos honorários de sucumbência do patrono da parte contrária. Confira-se: 

I. Honorários advocatícios e sucumbência recíproca. Os honorários advocatícios "pertencem ao advogado" (art. 23 da Lei 8.906/1994). Os honorários são remuneração pelo trabalho do advogado, tendo caráter alimentar. Assim, se ambas as partes forem sucumbentes, deverão ser condenadas a pagar ao advogado da outra o valor do honorários respectivos. Como credor dos honorários é o advogado (e não a parte por ele representada), os honorários devidos aos advogados de partes adversárias não podem ser compensados.

Nesse sentido, o CPC/2015 dispõe que é vedada a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, § 14, do CPC/2015). O art. 86 do CPC/2015, assim, deve ser compreendido a partir da leitura do § 14 do art. 85 do CPC/2015 (cf. também comentário ao art. 85 do CPC/2015).

(In.: Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 5ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, p. 192 - g.n.) 

Assim, penso que, no tocante aos honorários de sucumbência, a relação jurídica se estabelece entre a parte e o advogado da parte contrária - e não entre a parte e o seu próprio causídico -, sob pena de exsurgirem situações incongruentes e de conflito de interesses, a seguir apontadas.

(...)

Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do autor.

Insta salientar que essa providência também afasta qualquer tipo de conflito de interesses entre as partes e os advogados que as representam quando há o deferimento de gratuidade de justiça, tal como apontado alhures.

Para se demonstrar o acerto da sistemática que ora se propõe, no caso dos autos - honorários de sucumbência fixados em R$ 100.000,00, o autor responsável por 20% das despesas, e o réu, arcando com 80% das despesas -; o autor deverá pagar R$ 20.000,00 devidamente corrigidos ao advogado do réu, ao passo que o réu deverá pagar ao advogado do autor R$ 80.000,00, devidamente corrigidos. Nesse contexto, ressoa inequívoco, a meu juízo, que estar caracterizada a sucumbência recíproca, por si só, não constitui óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC, nos casos em que estiverem presentes os requisitos para tal providência. A majoração, todavia, deverá incidir tão somente a parcela dos honorários de sucumbência que couber ao advogado que pode se beneficiar da regra contida no mencionado dispositivo legal (no caso, R$ 80.000,00), sob pena de, em determinadas situações, se majorar indevidamente a verba honorária de sucumbência do patrono da parte contrária.

(...)" 

O julgado supra citado compõe mais um capítulo do tormentoso tema "honorários advocatícios", desta feita, para afirmar e esclarecer que (i) sucumbência recíproca, diferentemente do regime do CPC/73, não significa determinar que "cada parte arcará com o pagamento dos honorários sucumbenciais do respectivo patrono" ou, ainda, "a compensação da verba honorária sucumbencial" (ponto inclusive vedado pelo art. 85, § 14, do CPC),  mas sim que, por se tratar de relações jurídicas distintas, a parcela sucumbente de cada parte há de ser paga ao patrono do ex adverso.

Ainda, referido julgado complementa que, (ii) a majoração da verba honorária advocatícia recursal (art. 85, § 11º), também se aplica à hipótese de sucumbência recíproca, desde que a) a decisão recorrida tenha sido publicada sob a vigência do CPC/2015 (18/03/2016), b) o recurso não seja conhecido integralmente ou improvido, singularmente ou pelo colegiado competente e, c) haja sido fixada pretérita condenação na verba honorária advocatícia pelo juízo ou tribunal a quo, observados os limites estabelecidos nos parágrafos 2º e 3º, do art. 85 do CPC.

__________

1 Aplicação extensiva de honorários advocatícios por equidade: primeiros passos para a uniformização do tema.

2 Honorários advocatícios por equidade além da previsão legal: 1ª a 4ª Turmas do STJ já afastaram interpretação extensiva. Agora Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o STF.

3 Honorários Advocatícios por Equidade em Demanda de Valor Milionário.

4 Sucumbência recursal e o julgamento dos embargos de declaração.

5 Sucumbência recursal e apelação somente para majoração dos honorários advocatícios.