Cabimento da técnica do julgamento estendido quando do julgamento de embargos de declaração
quinta-feira, 3 de setembro de 2020
Atualizado às 07:30
A técnica de julgamento estendido, prevista no art. 942 do CPC/2015, tem sido objeto de inúmeras controvérsias. Referida técnica substituiu o então art. 530 do CPC/73, o qual previa como recurso em espécie, os chamados embargos infringentes, cujas hipóteses de cabimento se voltava a, (i) acórdão de reforma de sentença de mérito, quando do julgamento do recurso de apelação, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória.
Por sua vez, a alcunhada técnica de julgamento estendido, prevista no art. 942 do CPC, têm hipóteses de cabimento mais ampla, a sequer tratar-se de recurso em espécie e referida técnica aplicar-se ex oficio pela turma julgadora, de sorte que, "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput).
O § 1º autoriza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º).
Por fim, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido ao julgamento não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial.
Portanto, extrai-se de referido dispositivo algumas conclusões quanto a aplicação da técnica de julgamento estendido: (i) cabível quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados, (iii) cabimento quando do julgamento de agravo de instrumento, tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada2, (iv) tal técnica há de ser observada pela turma julgadora ex officio¸ porquanto não se trata de modalidade recursal, tal como o era o regime dos embargos infringentes, relegados pelo CPC/2015, sem prejuízo de assegurar-se (v) ainda, "(...) às partes e eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". (art. 942, caput).
Dentre as controvérsias que gravitam em torno do julgamento estendido, já pudemos colacionar julgados do STJ perfilhando o entendimento de que a) os votos prolatados poderão ser revistos e modificados pelos julgadores, quando da ampliação do colegiado por força do julgamento estendido3, b) o cabimento de referida técnica quando do julgamento de agravo de instrumento, resultado de provimento por maioria de votos, tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito na recuperação judicial4, c) assim como, a divergência apta a autorizar o julgamento estendido ter amplitude tanto sobre o mérito da demanda (quando do julgamento da apelação) quanto a outras questões processuais e, ainda, os desembargadores convocados a integrar a votação poderão examinar e votar questões decididas à unanimidade pela turma julgadora originariamente composta5.
Recentemente, a Terceira Turma do STJ, quando do julgamento do REsp n. 1833497/TO, aos 25.08.2020, decidiu, por maioria de votos, o cabimento da técnica de julgamento estendido quando do julgamento de embargos de declaração, com efeitos infringentes.
Explica-se: sendo o julgamento estendido a continuidade do julgamento e, em vista da função integrativa dos embargos de declaração, uma vez providos os embargos de declaração, com efeitos modificativos, significa dizer que na eventualidade de tal questão, examinada sob o prisma infringente, restar decidida por maioria de votos, há de se observar a ampliação do julgamento. Um exemplo pode ser dado quando o recurso de apelação veicula duas pretensões de reforma da sentença de procedência, prolatada em primeiro grau e condenatória a indenização por danos morais e materiais: a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido de dano moral e improcedente o pedido de dano material. Ao julgar a apelação o tribunal decide pela reforma e improcedência do pedido de dano material e, por um lapso, deixa de apreciar o pleito de reforma da sentença referente aos danos morais. Sobrevém a oposição de embargos de declaração, com efeitos modificativos, destinado a examinar a omissão, consistente na ausência de exame e decisão ligada ao pleito de reforma da sentença referente aos danos morais. Após vistas a parte contrária (CPC, art. 1.023, § 2º, do CPC/2015), os embargos são providos, por maioria de votos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pleito de danos morais.
Por óbvio que tivesse o pleito de reforma da sentença quanto aos danos morais sido examinados e decidida a reforma da sentença, por maioria de votos, quando do julgamento do recurso de apelação, ninguém duvidaria quanto ao cabimento da técnica prevista no art. 942 do CPC. Mutatis mutandis¸ uma vez apreciado tal pleito por ocasião do julgamento dos embargos de declaração e decidida a reforma da sentença, por maioria, acertada a decisão do STJ em, neste caso, seguir-se a aplicação da técnica de julgamento estendido6.
Na hipótese acima, embora atípico, uma vez observado o regime do julgamento estendido, há de assegurar-se a possibilidade de prolação de sustentação oral, na forma que garante o art. 942, caput, do CPC, muito embora decidida a questão, por maioria de votos, quando do julgamento dos embargos de declaração7.
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1 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes.
2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito.
3 A extensão da cognição e possibilidade de alteração de voto no julgamento estendido.
6 O v. acórdão supra citado ainda será redigido e oportunamente disponibilizado, tendo sido vencidos a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em voto vencedor encabeçado pelo Ministro Marco Aurélio Belizze, acompanhados pelos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro.
7 Outra solução seria o acolhimento dos Embargos de Declaração, para, em nova sessão de julgamento, compor a turma julgadora os demais integrantes que passarão a votar, por força do julgamento estendido, observado o asseguramento da sustentação oral.