A impenhorabilidade do salário para o pagamento de honorários advocatícios
quinta-feira, 13 de agosto de 2020
Atualizado às 07:51
Texto de autoria de Rogerio Mollica
Na coluna de 16 de maio de 2019 foi trazido entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1.
No dia 03 de agosto corrente a comunidade jurídica foi surpreendida com o entendimento, dessa vez restritivo da mesma previsão legal, no sentido de que não seria possível penhorar salário para pagamento de dívida decorrente de honorários advocatícios.
Segundo o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, pelo apertado placar de 7X6, a exceção à regra da impenhorabilidade de verba alimentar para pagamento de prestação alimentícia, prevista no § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil compreenderia somente alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários, não abarcando os honorários advocatícios2.
Segundo a Relatora haveria "uma imprecisão na definição das expressões 'verba de natureza alimentar' e 'prestações alimentícias'". De acordo com a Ministra, os honorários advocatícios são verba de natureza alimentar, mas não prestação alimentícia, e por isso não há possibilidade de penhora do salário do credor3.
Tal julgado causou perplexidade, pois prevalecia naquela Corte entendimento diametralmente oposto:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA INCIDENTE SOBRE VERBA SALARIAL. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A legislação processual civil (CPC/2015, art. 833, IV, e § 2º) contempla, de forma ampla, a prestação alimentícia, como apta a superar a impenhorabilidade de salários, soldos, pensões e remunerações. A referência ao gênero prestação alimentícia alcança os honorários advocatícios, assim como os honorários de outros profissionais liberais e, também, a pensão alimentícia, que são espécies daquele gênero. É de se permitir, portanto, que pelo menos uma parte do salário possa ser atingida pela penhora para pagamento de prestação alimentícia, incluindo-se os créditos de honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, os quais têm inequívoca natureza alimentar (CPC/2015, art. 85, § 14).
2. A Quarta Turma, no julgamento do AgInt no REsp 1.732.927/DF (Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 12/02/2019, DJe de 22/03/2019), decidiu que o julgador, sopesando criteriosamente as circunstâncias de cada caso concreto, poderá admitir ou não a penhora de parte da verba alimentar, ou limitá-la a percentual razoável, sem agredir a garantia do executado e de seu núcleo essencial. No caso, a Corte local entendeu ser possível a penhora de parte do salário da agravante para o adimplemento de honorários advocatícios, em conformidade com a orientação desta Corte, que admite a mitigação da impenhorabilidade das verbas salariais no caso de dívida alimentar, como são considerados os honorários advocatícios.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1595030/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 01/07/2020)4
Mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça pareceu se afastar de previsão expressa da Lei. De fato, o § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil de 2015 prevê que a impenhorabilidade deve ser afastada quando se tratar de penhora para o pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem. A origem alimentícia dos honorários advocatícios é fora de dúvida e foi reafirmada pelo próprio Código de Processo Civil em seu artigo 85, § 14.
Portanto, não há na lei qualquer distinção quanto à natureza da prestação ou verba alimentar que viabiliza a constrição sobre salários, sendo despropositada a limitação perpetrada pelo Superior Tribunal de Justiça5.
Como a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é composta pelos 15 Ministros mais antigos do Tribunal e como só 13 Ministros votaram (o placar foi de 7X6), é de se esperar que ainda se tenha muita insegurança jurídica quanto ao tema, já que esses dois Ministros, que não participaram do referido julgamento, podem decidir a questão de forma contrária ao recentíssimo entendimento, no caso de termos um novo julgamento sobre o tema.
__________
1 A mitigação da penhora dos salários pelo Superior Tribunal de Justiça.
2 RESP nº 1.815.055/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, com acórdão pendente de publicação.
3 STJ: Corte Especial nega penhora de salário para pagamento de honorários advocatícios.
4 Cumpre Ressaltar que a própria Ministra Relatora Nancy Andrighi alterou seu entendimento, pois entendia que "(...) os honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, têm natureza alimentícia, admite a possibilidade de penhora de verbas remuneratórias para a satisfação do crédito correspondente.
5. É possível determinar o desconto em folha de pagamento do devedor para conferir efetividade ao direito do credor de receber a verba alimentar.
6. Recurso especial conhecido e provido."
(REsp 1440495/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 06/02/2017).
5 Segundo o professor José Rogerio Cruz e Tucci "(...)a prestação a alimentos, devida ao advogado como contraprestação de seu trabalho, à guisa de honorários, é de inferior relevância, vale dizer, de segunda classe...
Ora, com o devido respeito, é de invocar-se o velho e sábio aforismo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazer distinções)!" (Alimentos do advogado são de segunda classe numa recente decisão do STJ, publicado na Revista Consultor Jurídico de 11/08/2020).