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Honorários Advocatícios por Equidade em Demanda de Valor Milionário

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Atualizado às 08:34

Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro

Tema já tratado em diversas oportunidades nesta coluna diz respeito aplicação do art. 85, § 2º, do CPC/2015, cujo novel dispositivo apontou critérios objetivos quando do arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

As hipóteses de arbitramento de honorários por equidade ficaram limitadas a situações pontuais reservadas no § 8º, do art. 85: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (grifou-se).

A despeito das regras previstas nos parágrafos acima tratarem de situações claras, objetivas e distintas quanto a aplicação do § 8º ou do § 2º, sem prejuízo de igual entendimento1 de abalizada doutrina, referenciamos precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, retro citado2.

Também noutra oportunidade trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20153.

Ainda, foram trazidos julgados da Primeira a Quarta Turma do STJ, assim como de inúmeras câmaras que compõe o TJSP, fortes em limitar a aplicação de honorários advocatícios por equidade restrita a hipótese do art. 85, § 8º4, sem prejuízo, ainda, do brilhante artigo do Professor Rogério Molicca destacando que, em relação à Fazenda Pública, o tema restou afetado para julgamento pela Corte Especial.

Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa.

A despeito da Primeira a Quarta Turma do STJ já haverem afastado o entendimento acima, cumpre trazer a colação recentíssimo julgado, forte em frisar que, ainda que verba honorária advocatícia reflita quantia milionária, tal circunstância não tem o condão de afastar a regra objetiva do art. 85, § 2º, do CPC:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA. FIXAÇÃO EQUITATIVA. NÃO CABIMENTO. LIMITES PERCENTUAIS. OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA. VALOR DA CAUSA. BASE DE CÁLCULO. DECISÃO MANTIDA.

1. Ressalvadas as exceções previstas nos §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC/2015, na vigência da nova legislação processual o valor da verba honorária sucumbencial não pode ser arbitrado por apreciação equitativa ou fora dos limites percentuais fixados pelo § 2º do referido dispositivo legal. Precedentes da Terceira e Quarta Turmas e da Segunda Seção do STJ.

2. Segundo dispõe o § 6º do art. 85 do CPC/2015, "[o]s limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º [do mesmo art. 85] aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito".

3. No caso concreto, à míngua de provimento condenatório e de se fazer possível aferir o proveito econômico obtido pela parte vencedora, a verba honorária foi arbitrada em percentual incidente sobre o valor da causa, estipulado pela própria agravante, no percentual mínimo previsto na lei processual.

4. Agravo interno desprovido."

(STJ, REsp 1.711.273/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, V.u., j. 2.7.2020)

Referido julgado, por unanimidade, bem observou:

"(...) Defende, outrossim, que "[r]estabelecer o comando da sentença significa condenar a ora Agravante a pagar a título de honorários sucumbenciais o montante absurdo, desarrazoado, desproporcional, kafkiano de R$ 16.800.739,60 (dezesseis milhões, oitocentos mil, setecentos e trinta e nove reais e sessenta centavos)" (e-STJ, fl. 1.058).

Desenvolve argumentos no sentido de que a verba honorária arbitrada na decisão evidencia exorbitância, sobretudo ante as peculiaridades do caso concreto, em que se deu a extinção prematura do processo. Sustenta que o pagamento dessa quantia em favor de seu ex-adverso importa enriquecimento imerecido, contrariando o comando

do art. 884 do CC/2002.

(...)

Como demonstra a decisão agravada, o entendimento ali prestigiado encontra suporte na orientação firmada em precedente da Segunda Seção do STJ, no sentido de que a aplicação do § 8º do art. 85 do CPC/2015 é subsidiária, somente autorizada nas hipóteses estritamente previstas no dispositivo, quais sejam "(i) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (ii) o valor da causa for muito baixo" (item 5, parte final, da ementa do acórdão proferido no citado REsp n. 1742072/PR, rel. Min. RAUL ARAÚJO).

Cabe reiterar que o valor da causa foi estipulado pela própria recorrente, sendo que eventual exorbitância da verba honorária, calculada sobre a referida base de cálculo, resulta de seu próprio comportamento, agora contraditório. Não se trata, pois, de quantia exorbitante, absurda, desarrazoada ou desproporcional.

O pedido formulado na inicial, por sua vez, foi de condenação da aqui agravada no pagamento da importância líquida total de R$ 168.007.396,00 (cento e sessenta e oito milhões, sete mil, trezentos e noventa e seis reais), o mesmo valor atribuído à causa (e-STJ, fl. 30).

Logo, fossem os pedidos julgados procedentes, decerto que a verba honorária devida pela agravada aos patronos da agravante seria fixada em, no mínimo, 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, o que demonstra sua razoabilidade e, sobretudo, isonomia com o valor arbitrado na decisão agravada.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno."

Igual entendimento restou reafirmado nos votos vistas destacados pelos Ministros Marco Buzzi e Raul Araújo. Em outras palavras: a discussão é vazia e limitada sob a ótica de julgar se honorários arbitrados na cifra de R$ 168.007.396,00 (cento e sessenta e oito milhões, sete mil, trezentos e noventa e seis reais) soam ou não exorbitantes. A razão é simples, tal arbitramento decorre da regra do art. 85, § 2º, a impedir qualquer interpretação contrária a tal regra objetiva.

Ademais, respeitados entendimentos em sentido contrário, não se pode fechar os olhos de que tal interpretação, não obstante na contramão da inteligência do art. 85, § 2º, é limitada ao deixar de considerar (e reafirmamos nesta oportunidade) que;

(i) a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda (ou o réu, que resiste indevidamente a pretensão autoral), que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão5;

(ii) demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes por vezes são resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial;

(iii) de igual sorte, a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, § 2º, do CPC/2015), também desestimula a recorribilidade protelatória, porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, § 11º, do CPC/2015);

(iv) sob tal prisma, atinge-se um dos desideratos do CPC/2015, voltado a desestimular o ajuizamento de ações e a interposição desenfreada de recursos (ou cultura de se recorrer sempre). De outra banda, tal objetivo torna-se letra morta acaso prevaleça entendimento de que, casuisticamente caberá ao julgador decidir se aplica o art. 85, § 2º ou, relativiza sua aplicação mediante interpretação extensiva da equidade, prevista no art. 85, § 8º;

(v) Até porque, o subjetivismo do julgador, nitidamente cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia no tempo, espaço e cultura do magistrado), também impactará no estímulo a recorribilidade, a se tornar mais um tema que desnecessariamente congestionará a pauta dos tribunais e tribunais superiores, dado que o que para determinado tribunal figura como honorários excessivos, para outro ministro pode se subsumir que não;

(vi) No mais, o subjetivismo interpretativo daquilo que seria considerado honorários excessivos, trazem como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização - determinado órgão jurisdicional pode entender que "x", a título de honorários, é excessivo, ao passo em que o mesmo valor pode ser interpretado por outro órgão jurisdicional como algo condizente a se aplicar o art. 85, § 2º - a se macular a própria imagem da jurisdição (que se espera aplicar o direito de forma uma), porquanto presente a insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia ao se aplicar o dispositivo para dado caso concreto e negar sua vigência em outro.

Ainda, também não se pode perder de vista que é comum na advocacia por vezes o causídico aceitar patrocinar determinada causa sem nada receber para remunerar seu trabalho, a labutar na incerteza se vencerá ou não em favor de seu cliente, porém contratados honorários ad exitum ou tão-somente dado o interesse do causídico na elevada verba sucumbencial uma vez aplicado o comando do art. 85, § 2º, do CPC/2015. Tal (vii) prática em que, indiretamente proporciona o acesso à justiça àqueles que não têm condições de, de plano, honrar o pagamento de honorários contratuais, restará mitigada acaso a fixação da verba honorária sucumbencial tangencie a regra prevista no art. 85, § 2º, do CPC/2015.

Logo, soa acertado o julgado acima citado, ainda que logrou êxito o causídico, diante de seu labor, tornar-se credor de mais de dez milhões de reais a título de verba honorária advocatícia, porquanto dura lex, sed lex.

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5 Ou, valendo-se do clássico ensinamento de Chiovenda: "Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire". In. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzioni di diritto processuale civile, v. 1. 2. Ed. Napoli: Jovene, 1935, p. 42. "O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir", tradução livre.