Recentes posições do Poder Judiciário sobre a validade da assinatura digital utilizada em contratos para fins do artigo 784, III, do CPC/15
quinta-feira, 25 de junho de 2020
Atualizado em 29 de junho de 2020 15:12
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto
Já como consequência natural da modernização da prática de atos negociais e processuais, ganham precioso destaque temas como a validade de documentos eletrônicos, os requisitos para a utilização da assinatura no formato digital e as premissas para a segura prática de atos processuais no formato eletrônico.
A relevância dos temas acima muito se potencializa em tempos de pandemia, nos quais vivemos os efeitos da Covid-19, com a necessidade de utilizarmos ferramentas digitais, plataformas que permitam a segura prática de atos processuais com o trâmite eletrônico, e adotarmos com enorme frequência os instrumentos da informática, tais como os que garantem as reuniões, audiências e julgamentos virtuais/telepresenciais.
Neste cenário, merece atenção a análise de recentes julgamentos do Poder Judiciário acerca da validade do uso da assinatura digital em contratos para fins de formação do título executivo extrajudicial previsto no artigo 784, III, do CPC/15.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1495920/DF, Terceira Turma, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018, enfrentou a questão, tendo sinalizado positivamente pela possibilidade de os contratos contarem com assinatura digital e poderem ser considerados, nesta linha, título executivo extrajudicial, para fins do artigo 784, III, do CPC/15:
"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES. 1. Controvérsia acerca da condição de título executivo extrajudicial de contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de duas testemunhas. 2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em "numerus clausus", deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior. 3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual. 4. Nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico. 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente 6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. 7. Caso concreto em que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO."
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contudo, em recentes acórdãos, alerta para a necessidade de a entidade certificadora da assinatura digital ser previamente credenciada, nos termos da MP 2.200-2/2001 e da lei 11.419/2006.
Em 11/4/2020, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2289091-25.2019.8.26.0000, 11ª. Câmara de Direito Privado, tendo sido relator o Desembargador Marino Neto, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou que:
"EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL CÉDULA DE CRÉDITO CONTRATO ELETRÔNICO ENTRE PARTICULARES COM ASSINATURA DIGITAL (...)- DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE CONVERSÃO DA EXECUÇÃO PARA AÇÃO DE COBRANÇA, EM RAZÃO DA IRREGULARIDADE DA ASSINATURA DIGITAL DO TÍTULO AGRAVO DE INSTRUMENTO - Assinatura digital certificada por entidade não credenciada pela autoridade certificadora - Insurgência do exequente - Alegação de higidez e segurança da assinatura - Não acolhimento - Autoridade Certificadora não credenciada no órgão competente - Artigo 1º, §2º, inciso III, alínea "a" e art. 4ª, inciso VI, da lei 11.419/2006 - Decisão mantida".
Em 23/1/2020, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2289089-55.2019.8.26.0000, 14ª. Câmara de Direito Privado, tendo sido relator o Desembargador Achile Alesina, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no mesmo sentido, julgou que: "No caso vertente, em pesquisa efetuada no "site" do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, verificou-se que a entidade certificadora (...), responsável pela certificação das assinaturas digitais do contrato em causa, não consta da lista de "Entidades Credenciadas" perante a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil, em razão do seu descredenciamento. Tem-se, pois, que não restou demonstrada a autenticidade das assinaturas digitais imputadas ao devedor, em razão da ausência de credenciamento da entidade certificadora. E não demonstrou o agravante que o título fora emitido quanto esta estava regular. Desse modo, não há que se falar em título executivo, mostrando-se acertada a decisão proferida pela magistrada a quo, que em observância ao princípio da cooperação, determinou a conversão do feito em ação de cobrança, se assim providenciado pela parte interessada."
Portanto, o Poder Judiciário já tem positivas demonstrações de que a assinatura digital pode ser adotada para fins de caracterização do preenchimento dos requisitos do artigo 784, III, do CPC/15; havendo, contudo, posições judiciais que indicam a necessidade de cautela quanto à escolha da entidade certificadora, a qual, de acordo com os julgados acima, deveria estar previamente credenciada nos termos da legislação vigente.