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Desconsideração inversa da personalidade jurídica e seus efeitos

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Atualizado às 09:07

André Pagani de Souza

O art. 133, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015), reconhece a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em sentido inverso, algo que já era admitido em sede jurisprudencial antes da entrada em vigor desse novo diploma processual.

Ao se desconsiderar a personalidade jurídica, as duas pessoas, que antes eram consideradas distintas, passam a ser tratadas como uma só para a finalidade de se estender os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações.

Este tratamento destinado a considerar como uma só pessoa o devedor originário que teve sua personalidade desconsiderada e o seu integrante (seja ele seu sócio ou administrator, pessoa jurídica ou física) deve perdurar até o final do processo em que se operou a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Nesse sentido foi a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa segue transcrita:

"RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. EXECUÇÃO. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EFEITOS DA DECISÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO OFERECIDOS POR EX-ACIONISTA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. TAXA APLICÁVEL. JULGAMENTO: CPC/73.

1. Embargos à execução opostos em 19/6/2006, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14/8/2015 e atribuído ao gabinete em 25/08/2016.

2. O propósito recursal é dizer sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) os efeitos da desconsideração inversa da personalidade jurídica da recorrente para responder pelos honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em embargos à execução oferecidos por sua ex-acionista; (iii) o excesso de execução, especificamente quanto ao termo inicial de incidência dos juros de mora e a taxa aplicável.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC/73.

4. No que tange à natureza jurídica dos embargos à execução, prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que se trata de ação incidental de conhecimento, que dá origem a um processo autônomo, embora conexo ao processo de execução. 5. Essa interdependência entre as demandas - execução e embargos à execução - implica que os efeitos da decisão por meio da qual se reconhece a existência de um grupo econômico e se determina a desconsideração inversa da personalidade jurídica, enquanto medida voltada à maximização da responsabilidade patrimonial do devedor para a satisfação do credor, perduram até a extinção do processo de execução, vigorando, inclusive, nos embargos a ele oferecidos incidentalmente.

6. Hipótese em que, consubstanciada a unidade econômica entre a interessada e a recorrente, apta a incluir a segunda no polo passivo da execução movida contra a primeira, passam a ser ambas tratadas como uma só pessoa jurídica devedora, até a entrega ao credor da prestação consubstanciada no título executado.

7. O fato de a recorrente não ter participado, formalmente, dos embargos à execução oferecidos pela interessada, não tem o condão de afastar sua responsabilidade patrimonial, enquanto integrante do mesmo grupo econômico.

8. O entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção é no sentido de que o termo inicial dos juros moratórios, na cobrança de honorários de sucumbência, é a data em que o executado é intimado para pagamento na fase de cumprimento da sentença, caso a obrigação não seja adimplida de forma voluntária, bem como de que, nessa hipótese, devem ser calculados com base na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC.

9. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(REsp 1733403/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 29/08/2019)".

Assim, uma vez desconsiderada a personalidade jurídica, tanto a pessoa jurídica quanto aquela outra pessoa que foi atingida pela decisão de desconsideração, passam a ser consideradas uma só e passam a responder pelas obrigações uma da outra.

Nessa linha de raciocínio, se uma apresentou embargos e a outra não, isso não importa para fins de condenação de ambas ao pagamento de honorários advocatícios, uma vez que a autonomia patrimonial delas foi ignorada de propósito por ordem judicial.

Portanto, merece aplausos o acórdão acima transcrito do Superior Tribunal de Justiça, que bem aplicou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no processo sob comento, aplicando os seus efeitos até o final do processo, inclusive no tocante à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios.