O prazo para pagamento previsto no artigo 523 do CPC/2015 deve ser contado em dias úteis ou corridos?
quinta-feira, 22 de agosto de 2019
Atualizado em 21 de agosto de 2019 15:17
Rogerio Mollica
Uma das grandes novidades do Código de Processo Civil de 2015 foi a contagem dos prazos processuais em dias úteis. De fato, com a previsão do artigo 219, os prazos processuais contados em dias, estabelecidos por lei ou pelo juiz, serão computados somente em dias úteis.
Logo após o início da vigência do Código já surgiram as primeiras dúvidas sobre quais seriam os prazos em que os dias úteis seriam aplicáveis. O principal questionamento surgiu em relação ao prazo para o pagamento voluntário e sem multa e honorários do artigo 523 do CPC/2015, seria tal prazo processual ou material? Deve o prazo de 15 dias ser contado em dias corridos ou úteis?
Sendo tal prazo híbrido, pois além de material seria também processual, por trazer efeitos ao processo, a doutrina sempre esteve dividida.
O professor André Vasconcelos Roque da UERJ entende que "Considerando-se que esse ato para o qual é intimado o devedor (pagamento) também se destina (ainda que não exclusivamente) a produzir efeitos no processo, inibindo as próximas etapas do cumprimento de sentença, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio do executado (art. 523, 3º) e a abertura de prazo para impugnação (art. 525, caput), parece que o prazo deve ser qualificado como processual computando-se apenas nos dias úteis. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo - Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p.726)1.
Já o professor Sérgio Shimura da PUC/SP e Desembargador do TJSP entende que "cuidando-se de prazo para 'pagamento', em rigor não há atividade preponderantemente técnica ou postulatória a exigir a presença - indispensável - do advogado. Depende quase que exclusivamente da vontade ou situação do próprio executado. Daí porque o prazo de 15 dias há de fluir de modo ininterrupto, e não apenas nos dias úteis." (in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 1.356)2.
Em artigo já publicado nesta coluna3, o professor Elias Marques de Medeiros Neto teve a oportunidade de defender a fixação do prazo em dias úteis após o Conselho da Justiça Federal ter aprovado o enunciado nº 89 que prevê: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC".
Em recentíssimo acórdão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou encampando a tese do transcurso em dias úteis do prazo previsto no artigo 523 do CPC/2015:
"RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ART. 523, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRAZO DE NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS, NA FORMA DO ART. 219 DO CPC/2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, previsto no art. 523, caput, do Código de Processo Civil de 2015, possui natureza processual ou material, a fim de estabelecer se a sua contagem se dará, respectivamente, em dias úteis ou corridos, a teor do que dispõe o art. 219, caput e parágrafo único, do CPC/2015.
2. O art. 523 do CPC/2015 estabelece que, "no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver".
3. Conquanto o pagamento seja ato a ser praticado pela parte, a intimação para o cumprimento voluntário da sentença ocorre, como regra, na pessoa do advogado constituído nos autos (CPC/2015, art. 513, § 2º, I), fato que, inevitavelmente, acarreta um ônus ao causídico, o qual deverá comunicar ao seu cliente não só o resultado desfavorável da demanda, como também as próprias consequências jurídicas da ausência de cumprimento da sentença no respectivo prazo legal.
3.1. Ademais, nos termos do art. 525 do CPC/2015, "transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação". Assim, não seria razoável fazer a contagem dos primeiros 15 (quinze) dias para o pagamento voluntário do débito em dias corridos, se considerar o prazo de natureza material, e, após o transcurso desse prazo, contar os 15 (quinze) dias subsequentes, para a apresentação da impugnação, em dias úteis, por se tratar de prazo processual.
3.2. Não se pode ignorar, ainda, que a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis.
4. Em análise do tema, a I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF aprovou o Enunciado n. 89, de seguinte teor: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC".
5. Recurso especial provido.
(REsp 1708348/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/08/2019)
Desse modo, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tal tese, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento quanto ao transcurso em dias úteis do prazo previsto no artigo 523 do CPC/2015 para a segurança jurídica de todos.
__________
1 Também favoráveis à fixação do prazo em dias úteis: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado, 16 ed., São Paulo: RT, 2016, p. 1.392) e Cássio Scarpinella Bueno (Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 445).
2 Esse também é o entendimento de Dorival Renato Pavan (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 2, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 682.
3 Publicação em 19/10/2017.