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Ainda sobre a constrição de salário e de proventos de aposentadoria

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Atualizado em 27 de fevereiro de 2019 13:38

André Pagani de Souza

Em outubro de 2018, foi publicada nesta coluna do "CPC na Prática", artigo dando notícia do julgamento dos embargos de Divergência no Recurso Especial 1.518.169/DF, realizado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em 3/10/2018.

Naquela ocasião, ficou decidido que não haveria impenhorabilidade absoluta de salários. Trata-se, vale lembrar, de importante discussão sobre a interpretação e o alcance no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), que estabelece serem impenhoráveis "os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º (grifos nossos)"1.

A dúvida sobre a impenhorabilidade ser absoluta ou não tem origem na mudança de redação feita no CPC/2015, uma vez que o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) tinha dispositivo semelhante no qual constava a expressão "absolutamente". Confira-se, a propósito, a redação do inciso IV do art. 649 do CPC/1973, que dispunha serem absolutamente impenhoráveis "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo"2.

Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão cuja publicação é aguardada desde 3/10/2018, decidiu por meio de sua Corte Especial que a retirada desta expressão "absolutamente" tem um significado importante, pois entendeu que seria possível penhorar parte (trinta por cento) do salário de um executado em processo de execução. Ou seja, como já noticiado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não há impenhorabilidade absoluta de salários, mesmo que não se trate de verbas decorrentes de obrigações alimentares (estas últimas, não há dúvidas, têm impenhorabilidade relativa).

Paralelamente a essa discussão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em que se afirmou que a impenhorabilidade do inciso IV do art. 833 do CPC/2015 não é absoluta, debate semelhante acontece no Supremo Tribunal Federal, conforme se verá adiante, apontando na direção de que não se admite constrição de "percentual" dos valores indicados no referido dispositivo legal.

Nos autos do Mandado de Segurança 35.532 MC/DF, o ministro Edson Fachin apreciou pedido de liminar formulado por pessoa física que impetrou o mandamus contra ato do Presidente do Tribunal de Contas da União que determinou a constrição de valores que se encontravam depositados em sua conta corrente e provenientes de aposentadoria com base no art. 44, § 2º, da lei 8.443/1992.

Em decisão monocrática proferida em 31/7/2018, foi concedida a liminar para suspender os efeitos da medida constritiva e permitir que o impetrante movimentasse os seus recursos financeiros.

A parte da decisão que nos interessa mais de perto é a seguinte: "(...) Assim, em se considerando que a indisponibilidade recai também sobre os proventos de aposentadoria que o Impetrante percebe, assiste-lhe razão, em parte, em sua pretensão, ao menos dentro de um juízo prefacial típico dessa fase processual. Nesse sentido, defiro em parte o pedido liminar, determinando à autoridade impetrada que promova apenas o desbloqueio dos valores percebidos pelo Impetrante a título de proventos de inatividade, desde a data da constrição, observado o disposto no §2º do artigo 833 do CPC (...)". (MS 35532 MC, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 31.07.2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 6/8/2018 PUBLIC 7/8/2018).

O argumento utilizado pelo Min. Edson Fachin para fundamentar sua decisão liminar foi o de que o art. 833, inciso IV, do CPC/2015, estabelece a impenhorabilidade "dos valores recebidos pelo impetrante a título de 'proventos de inatividade'" e que, por isso, deveria ser determinado o desbloqueio de tais quantias depositadas em conta corrente, observados os limites do § 2º do referido dispositivo legal (ou seja, importâncias excedentes a cinquenta salários mínimos mensais).

Em outras palavras, o ministro Edson Fachin entendeu que não é relativa a possibilidade de constrição dos proventos de aposentadoria, que estão listados ao lado dos salários no inciso IV do art. 833 do CPC/2019. É dizer, na decisão do Min. Edson Fachin, não foi permitida a penhora de 30% (trinta por cento) dos valores que o executado recebia para sobreviver, como foi feito pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar os Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.518.169/DF.

Entretanto, a decisão liminar do ministro Edson Fachin foi objeto de "agravo regimental" interposto em 1/10/2018 e ainda não julgado, de modo que ainda pode ser modificada pelo Supremo Tribunal Federal.

Assim, permanece em aberto a definição sobre serem absolutamente impenhoráveis (ou não) as quantias enumeradas no inciso IV do art. 833 do CPC/2015, pois todos os processos mencionados anteriormente ainda não tiveram fim definitivo e a matéria parece ainda não estar pacificada pelos Tribunais Superiores.

__________

1 A ressalva do § 2º do art. 833 do CPC/2015 é a seguinte: "§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, §º".

2 O § 3º foi objeto de veto, mas no art. 649, do CPC de 1973, havia o § 2º que dispunha o seguinte: "O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia".