Rejeição liminar da impugnação ao cumprimento de sentença fundada em excesso de execução e o dever de cooperação
quinta-feira, 21 de setembro de 2017
Atualizado em 20 de setembro de 2017 12:48
André Pagani de Souza
O § 4º do art. 525 da lei 13.105/2015 (CPC/2015), ao tratar da impugnação ao cumprimento de sentença por meio da qual o executado alega que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, estabelece que ele deve, em sua defesa, "declarar de imediato o valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado do cálculo".
Caso o executado não aponte o valor que entende correto em sua impugnação ou não apresente o "demonstrativo discriminado e atualizado do cálculo", o § 5º do art. 525 do CPC/2015 determina que seja liminarmente rejeitada a impugnação, se este (o excesso de execução) for o seu único fundamento.
A questão de ordem prática que se coloca diz respeito à existência (ou não) de um dever para o juiz de, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença na hipótese do § 5º do art. 525 do CPC/2015, intimar o impugnante para sanar eventual vício.
Trata-se de questão tormentosa sobre a qual já de debruçou a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) nos dias 25 a 26 de agosto de 2015, quando foram aprovados 62 enunciados sobre a aplicação do CPC/2015, por cerca de 500 magistrados1. Na ocasião, foi aprovado o seguinte enunciado sobre o tema:
Enunciado 55 da ENFAM: "Às hipóteses de rejeição liminar a que se referem os artigos 525, § 5º, 535, § 2º e 917 do CPC/2015 não se aplicam os arts. 9º e 10 desse código".
Em outras palavras, os profissionais do Direito que se reuniram para debater a aplicação do CPC/2015, entenderam que não existe um dever para o juiz de intimar o executado para sanar eventual vício antes de rejeitar liminarmente a sua impugnação ao cumprimento de sentença fundada exclusivamente na alegação de excesso de execução (CPC/2015, art. 525, § 5º). Isso porque, nos termos do enunciado aprovado pela ENFAM, não deve ser aplicado o art. 10 do CPC/2015, que versa sobre a vedação das decisões-surpresa no processo civil e também não incidiria na espécie o art. 9º do mesmo diploma legal que trata do Princípio do Contraditório.
Por outro lado, passados dois anos do encontro realizado pela ENFAM, houve um novo evento em que profissionais do direito se reuniram para debater a aplicação do CPC/2015 e que o mesmo tema veio à baila, merecendo, mais uma vez, a atenção de todos.
Trata-se de evento organizado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), denominado I Jornada de Direito Processual Civil, realizado entre os dias 24 e 25 de agosto de 2017. Na oportunidade, magistrados, membros do ministério público, advogados, defensores públicos, professores universitários e demais profissionais do direito também aprovaram uma série de enunciados interpretativos sobre o CPC/2015. No total, foram 107 enunciados aprovados por cerca de 306 participantes2.
Dentre os enunciados aprovados na I Jornada de Direito Processual Civil organizada pelo CJF em agosto de 2017, cumpre destacar o de n. 95, por versar exatamente sobre a aplicação do § 5º do CPC/2015:
Enunciado 95 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: "O juiz, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 5º, do CPC), deve intimar o impugnante para sanar eventual vício, em observância ao dever processual de cooperação (art. 6º do CPC)".
Por outras palavras, o entendimento que foi consolidado pelo enunciado é o de que o juiz deve dar a oportunidade para o impugnante sanar eventual vício antes de rejeitar liminarmente a impugnação com fundamento no art. 525, § 5º, do CPC/2015, em atenção ao dever processual de cooperação consagrado pelo art. 6º do mesmo diploma legal.
Com efeito, art. 6º do CPC/2015 preceitua que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Na medida que o art. 6º coloca como destinatários do dever de cooperação todos os sujeitos do processo, ele inclui também o magistrado. Ele também deve cooperar para a que a sua decisão seja justa, efetiva e obtida em tempo razoável3.
Miguel Teixeira de Sousa, ao tratar do princípio da cooperação, sustenta que decorre dele um dever de consulta por parte do magistrado. Trata-se do dever de consultar as partes sempre que o órgão judicial pretenda conhecer de matéria de fato ou de direito sobre as quais aquelas não tiveram a oportunidade de pronunciar4.
Portanto, a imposição de o juiz, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença com base no § 5º do art. 525 do CPC/2015, intimar o impugnante para sanar o vício, decorre de uma faceta do dever de cooperação insculpido no art. 6º do mesmo diploma legal, que é o dever de consulta. É dizer: o juiz deve apontar que, no seu entendimento, não foi indicado o valor correto pelo executado, ou que o seu demonstrativo do cálculo do valor devido contém vícios que, se não forem sanados, levarão à rejeição da impugnação.
No fundo, trata-se de uma consequência da incidência do princípio do contraditório que está (não apenas no art. 9º ou 10 do CPC/2015), mas na Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso LV. De um certo modo, não seria necessário o art. 6º do CPC/2015 impor o dever de cooperação, tampouco o art. 9º determinar a observância obrigatória do princípio do contraditório ou o art. 10 vedar ao juiz que surpreenda as partes com decisões cujo fundamento não tiveram oportunidade de se manifestar. Basta, para se alcançar todas estas conclusões, o disposto no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, que ninguém duvida dever ser cumprido por todos e que sua eficácia é imediata e independe de lei, consoante o disposto no § 1º do mesmo dispositivo constitucional.
Conforme já tivemos oportunidade de sustentar, "de forma bem direta, o princípio do contraditório é endereçado também ao magistrado, que deve proporcionar às partes as condições de participarem da preparação do julgamento que será por ele feito e cujo resultado é fruto do trabalho de todos, que devem proceder em franca colaboração ao longo do processo"5.
Diante do exposto, acreditamos que o enunciado 95 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF, ao estabelecer que "O juiz, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 5º, do CPC), deve intimar o impugnante para sanar eventual vício, em observância ao dever processual de cooperação (art. 6º do CPC)" é digno de aplausos, pois está alinhado não apenas com o princípio da cooperação, mas, sobretudo, com o próprio Princípio do Contraditório consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da CF/1988, que deve ser observado por todos, até por força do art. 1º do CPC/2015.
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1 Fonte: Enfam divulga 62 enunciados sobre a aplicação do novo CPC (acesso em 20/9/2017).
2 Fonte: I Jornada de Direito Processual Civil aprova 107 enunciados sobre o tema (acesso em 20/9/2017).
3 André Pagani de Souza, Vedação das decisões-surpresa no processo civil, São Paulo, Saraiva, 2014, p. 118.
4 Miguel Teixeira de Sousa, Aspectos do novo processo civil português, Revista de Processo n. 86, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 175-176.
5 André Pagani de Souza, Vedação das decisões-surpresa no processo civil, São Paulo, Saraiva, 2014, p. 118.