O prosseguimento do julgamento não unânime no novo CPC e a extensão da possibilidade de reversão dos votos dos julgadores
quinta-feira, 8 de junho de 2017
Atualizado em 7 de junho de 2017 13:01
Rogerio Mollica
Os embargos infringentes sempre foram muito contestados pelos nossos Doutrinadores e eram tidos como um recurso arcaico e injustificável nos dias atuais. Não se conseguindo simplesmente extirpar tal recurso de nosso ordenamento, foi o mesmo sendo limitado e cada vez menos aplicado.
O anteprojeto de novo CPC não o previa, tampouco o projeto aprovado no Senado Federal. O projeto da Câmara optou por uma posição intermediária, isto é, acabou com os Embargos Infringentes, mas criou uma técnica para o prosseguimento do julgamento não unânime. Com isso, eliminou o recurso mais contestado do nosso ordenamento, mas ao mesmo tempo prestigiou a segurança ao prever o prosseguimento dos julgamentos não unânimes com a convocação de dois novos julgadores.
Essa decisão salomônica acabou recebendo apoio e críticas de nossa doutrina, mas sem dúvida criou diversas dificuldades aos nossos Tribunais, pois não raro, as Turmas e Câmaras de julgamento não são compostas de cinco julgadores, sendo necessária a convocação de novos julgadores e a marcação de uma nova data para o prosseguimento do julgamento.
Uma outra crítica que pode ser feita é quanto a diferenciação em caso de apelação, no qual o prosseguimento se mostra sempre cabível e no caso de ações rescisórias (cabível somente no caso de rescisão não unânime da sentença) e do agravo de instrumento, só sendo cabível no caso de reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito1.
Um outro ponto controverso é sobre a extensão da possibilidade de reversão dos votos dos julgadores que participaram do início do julgamento. De fato, o § 2º do artigo 942 prevê que: "Os julgadores que já tiverem votado poderão rever os seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento".
Dúvida que surge é que se num julgamento com capítulos sendo decididos por unanimidade e outros por maioria, se a revisão dos votos somente abarcaria os capítulos não unânimes ou se por não ter o julgamento sido finalizado, o Magistrado poderia também rever seu voto quanto a parte unânime. Sendo possível a revisão em relação ao capítulo unânime, teríamos a partir da revisão, um julgamento por maioria e que também teria de prosseguir com o voto dos dois novos magistrados.
Apesar da lei não ser clara, parece que o entendimento mais racional seria quanto a possibilidade de somente revisar o voto quanto ao capítulo não unânime e que será objeto de prosseguimento e não em relação à parte unânime. Desse modo, se numa ação tributária, por unanimidade, os julgadores entenderem que um tributo é inconstitucional e somente divergirem sobre os juros a serem aplicados na repetição do indébito (Selic ou 1% ao mês), o prosseguimento se dará somente em relação aos juros. Portanto, poderá o julgador que entendia pela aplicação da Selic alterar o seu entendimento para a aplicação dos juros de 1% e vice-versa. Não parece ser possível que um julgador revise o seu voto quanto a inconstitucionalidade do tributo e os outros quatro julgadores passem a deliberar sobre o capítulo até então unânime do julgado.
Outro não é o entendimento do professor José Rogério Cruz e Tucci:
"Dúvida não há, a teor do disposto no parágrafo segundo do artigo 942, de que aqueles juízes que já proferiram voto poderão rever o seu próprio entendimento, anteriormente expendido, sobre a matéria que suscitou dissenso. Nesse sentido, não se pode perder de vista que o denominado julgamento estendido, integrado pelos magistrados originários e pelos convocados, cinge-se à matéria não unânime!"2
Tal posição, entretanto, não é pacífica na doutrina, conforme se depreende do entendimento de Júlio César Goulart Lanes:
"Procedimentalmente também merece atenção, ainda que silente a lei em tal sentido, a forte indicação de que antes de votarem os novos integrantes, seja prerrogativa dos julgadores antecessores, depois de facultado o momento para as sustentações orais, a possibilidade de proferirem alteração de seus votos. Na hipótese, reafirme-se: eventual alteração não encontra limitação quanto à matéria. O julgamento somente está prosseguindo. Exatamente por isso, eventual reformulação deverá ser sempre prioritária aos novos votos. É que poderá ocorrer de um ponto que era unânime acabar divergente, quando, então, se tornará imperativa a apreciação, no particular, dos julgadores convocados. Não é só. A própria continuação da sessão de prosseguimento pode ser afetada, quando, por exemplo, a divergência desaparece antes da participação dos desembargadores chamados."3
A matéria ainda não vem sendo enfrentada com profundidade pelos nossos Tribunais, entretanto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região já teve oportunidade de apreciar o tema e decidir que o prosseguimento só abrange a parte não unânime do julgamento:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO JUDICIAL PELA QUAL O AUTOR SE OPÕE À EXIGÊNCIA DE RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL PRECÁRIA, POSTERIORMENTE REFORMADA. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA FIXADA EM 10% SOBRE O VALOR DA CAUSA, CONSOANTE LEGISLAÇÃO PROCESSUAL E JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA. PROVIMENTO DO RECURSO DA PARTE AUTORA. 1.Trata-se de continuação de julgamento referente à apelação do autor - GUILHERME DE AQUINO NEY que litiga contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGUROS SOCIAL - INSS, haja vista a divergência verificada no exame do recurso autoral, quando do início do julgamento na sessão do dia 09/06/2016, aplicando-se, por consequência, a técnica prevista no art. 942 do CPC/2015 e art. 210-A do RI deste Tribunal. 2. Registre-se que, no que toca à questão central da lide, relativa à exigência de devolução de valores recebidos por força de decisão judicial posteriormente reformada, que a decisão da Primeira Turma se deu por unanimidade, e o julgamento restou concluído na aludida sessão do dia 09/06/2016, com o desprovimento da apelação do INSS e da remessa necessária, ainda que a conclusão tenha sido firmada com pequena diferença entre as fundamentações do Relator e dos demais integrantes do eg. colegiado. 3. O prosseguimento do julgamento restringe-se, portanto, ao apelo da parte autora, por conta da divergência concernente ao valor que deve ser fixado a título de honorários advocatícios, tendo o MM. Juízo a quo definido o valor de R$ 2.500,00, ao passo que o apelante requer que a verba honorária seja fixada em 10% sobre o valor da causa. 4. Novamente submetida a exame a questão da verba honorária, em observância a sistemática prevista no art. 942 do CPC/2015 e 210-A do Regimento Interno desta Corte, decide-se pela prevalência do voto vencedor proferido na sessão anterior, quanto ao ponto, com a consequente reforma parcial da sentença, para que a verba honorária seja fixada no percentual de 10% sobre o valor da causa, consoante a legislação processual então vigente e a orientação jurisprudencial da Primeira Turma Especializada. 5. Apelação da parte autora conhecida e provida." (g.n.) (Apelação 00005643320114025001, 1ª Turma Especializada do TRF2, Des. Abel Gomes, in DJ 2/3/2017)
Nesse sentido também é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
"APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ISENÇÃO DE IPVA E DE ICMS. DEFICIÊNCIA FÍSICA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. É possível a apreciação do apelo pela técnica de ampliação do colegiado, na forma estabelecida pelo art. 942 do CPC/2015. Analisando a dinâmica estabelecida por tal dispositivo legal, resta evidenciado não se estar diante de hipótese substitutiva dos Embargos Infringentes. A mens legis é no sentido de que a ausência de unanimidade merece um maior aprofundamento da discussão, submetendo o resultado não unânime à ampliação do debate mediante o prosseguimento do julgamento com a ampliação do quórum de julgadores. 2. A concessão da segurança pressupõe prova inequívoca do direito líquido e certo invocado na inicial. Hipótese em que o pedido de isenção já foi submetido à apreciação judicial, inclusive com sentença favorável à parte impetrante. Ausência de declinação da razão pela qual se fez necessária a renovação do pedido e curto o prazo temporal transcorrido entre o trânsito em julgado da primeira sentença e a rejeição do segundo pedido administrativo que constituem óbice ao novo reconhecimento da isenção fiscal. Benefício que não se presta a subsidiar a renovação anual da frota de veículos do beneficiário. 3. Descrição do veículo cuja aquisição é pretendida que, ao depois, não foi juntada aos autos, para fins de se verificar o atendimento ao disposto no art. 4º, § 9º, a , da Lei estadual n. 8.115/85. 4. Deficiência física alegada que, em verdade, sequer restou comprovada, de forma satisfatória, nos autos. Reforma da sentença que se impõe. Denegação da ordem. Ônus sucumbenciais invertidos. POR MAIORIA, DESACOLHIDA A PRELIMINAR DE INAPLICABILIDADE DA TÉCNICA DE JULGAMENTO PREVISTA NO ART. 942. APELO PROVIDO, POR MAIORIA." (Reexame Necessário Nº 70072364854, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 25/4/2017)
Desse modo, a solução que parece melhor se coadunar com os objetivos da inovação prevista no artigo 942 do novo CPC, é a de que a revisão, prevista no § 2º do dispositivo, deve ser restrita à matéria não unânime e que ensejou o prosseguimento do julgamento.
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1 Daniel Amorim Assumpção Neves entende que nesse caso temos uma "séria incongruência" entre o tratamento dado à apelação e o recebido pela Rescisória e pelo Agravo interposto em face de decisão parcial de mérito. Segundo o Autor "O legislador, por ter criado uma técnica de julgamento bem mais simples e informal que a gerada pelos embargos infringentes, teria decidido conscientemente alargar o seu cabimento para qualquer julgamento por maioria de votos na apelação. Ou teria sido uma omissão involuntária do legislador. Acredito mais na segunda hipótese, porque, se a pretensão era ampliar o cabimento, não teria sentido continuar a limitá-lo à espécie de resultado na ação rescisória e no agravo de instrumento." (Novo Código de Processo Civil - Leis 13.105/2015 e 13.256/2016, 3ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2016, p. 638/639).
2 Conforme artigo "Limites da devolução da matéria objeto da divergência no julgamento estendido".
3 In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT 2015, p. 2.106.