Arts. 86, 87, 88 e 89 do CPC - Das despesas processuais
segunda-feira, 30 de maio de 2022
Atualizado às 07:49
Em coluna anterior, na qual abordamos os artigos 82 a 84 do Código de Processo Civil, tratamos das disposições iniciais acerca das despesas processuais, o que está abrangido nesse conceito, a quem incumbe arcar com tais ônus, entre outras considerações. Dando continuidade a esse tema, analisaremos, neste artigo, os dispositivos 87 a 89 do Código, que tratam da distribuição das despesas e honorários entre as partes em determinados casos.
Uma dessas hipóteses ocorre quando a parte autora da ação não vence integralmente a demanda, sagrando-se vitoriosa apenas em parte da sua pretensão inicial. Nesse caso, diz-se que houve sucumbência recíproca, isto é, tanto o réu como o autor são - ao mesmo tempo - vencidos e vencedores. Diante disso, o artigo 86 do Código de Processo Civil (CPC/2015) prevê que se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas. Portanto, no que tange à sucumbência recíproca, o ônus deverá ser distribuído entre as partes conforme o montante proporcional à sua perda no quanto pleiteado no processo.
Por sua vez, o parágrafo único do artigo 86, o qual manteve a mesma sistemática do artigo 21 do CPC/1973, trata da sucumbência em parte mínima que se dá no contexto da demanda em que o litigante sucumbe minimamente acerca do pedido. Nesse caso, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários. Ou seja, "quando a perda for ínfima, é equiparada à vitória, de sorte que a parte contrária deve arcar com a totalidade da verba de sucumbência (custas, despesas e honorários de advogado)"1. A aferição do que seria a "parte mínima do pedido", por sua vez, cabe ao juiz que deverá considerar o valor da causa, o bem da vida pretendido e o que foi efetivamente alcançado pela parte em juízo.
Ressalta-se, porém, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que a aferição do quantitativo em que o autor e réu saíram vencidos na demanda, bem como a determinação de existência de sucumbência recíproca ou mínima, são análises inviáveis por via de Recurso Especial2, em razão da necessidade do exame do contexto fático-probatório dos autos
Reafirmando o que dispunha o artigo 23 CPC de 1973, o artigo 87 do CPC/2015 versa sobre a responsabilidade parcial dos litisconsortes e estabelece que, concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários. Nessa hipótese também cabe ao magistrado analisar a responsabilidade de cada um dos envolvidos sucumbentes, cabendo embargos de declaração em face da sentença que for omissa nesse ponto.
Tanto a doutrina majoritária como a jurisprudência concordam que apenas os litisconsortes que deram causa à instauração do feito arcarão com as verbas sucumbenciais, de acordo com a sua responsabilidade. Nesse contexto, o STJ já assentou que não será imposto o ônus de sucumbência, tampouco a verba honorária, nem para efeito de compensação, em desfavor da parte tida como ilegítima para figurar como litisconsorte no polo passivo da relação processual3.
Conforme o parágrafo primeiro do referido artigo 87, as despesas poderão ser divididas e fixadas de forma desigual entre os vencidos, pois deve-se observar a responsabilidade proporcional pelo pagamento das verbas previstas no caput. Na mesma toada, os honorários sucumbenciais também podem ser fixados de forma desigual entre os vencedores, observar-se-á a proporção do interesse de cada uma das partes, contudo, não é admissível que o somatório dos percentuais arbitrados a título de honorários ultrapasse o limite máximo legal de vinte por cento4.
No entanto, de acordo com o parágrafo segundo do artigo 87, se a distribuição de que trata o §1º não for feita, os vencidos responderão solidariamente pelas despesas e pelos honorários. Tal dispositivo do CPC/2015 é inovador e sobreveio para superar o entendimento acerca do artigo 23 do CPC/1973. Anteriormente, como é possível observar na solução adotada no julgamento do REsp nº 489.369, os vencidos só arcariam de forma solidária com os ônus sucumbenciais se houvesse expressa determinação nesse sentido na sentença exequenda e "caso não haja menção expressa no título executivo quanto à solidariedade das partes que sucumbiram no mesmo pólo da demanda, vige o princípio da proporcionalidade"5.
Nada obstante, agora, com a atual previsão do §2º do art. 87, o que prevalece é que, se verificada a omissão sobre a responsabilidade proporcional ou solidária na sentença, aplica-se o princípio da solidariedade nas despesas. Portanto, na hipótese de uma decisão judicial omissa nesse sentido, é recomendável a oposição de embargos declaratórios, sob pena de se configurar coisa julgada quanto à solidariedade no pagamento das despesas processuais e como consequência de tal situação, "o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum"6.
Por outro lado, importante destaque a ser feito é no tocante àquela jurisdição que se situa na fronteira entre a atividade administrativa e a jurisdicional. De acordo com a doutrina de Humberto Theodoro Júnior, além da função de pacificação ou composição dos litígios, o Poder Judiciário também tem certas funções em que predomina o caráter administrativo e que são desempenhadas sem o pressuposto do litígio: trata-se da chamada jurisdição voluntária7. Na jurisdição voluntária, diferente da contenciosa, o juiz realiza apenas uma gestão em torno dos interesses privados, não há lide, não há partes, tem-se apenas o negócio jurídico-processual que envolve o juízo e os interessados, é o caso, por exemplo, dos divórcios consensuais, da alienação de bens de incapazes, alteração de regime de bens no matrimônio, nomeação de tutor, entre outros.
As despesas processuais nesses procedimentos de jurisdição voluntária, conforme o artigo 88 do CPC/2015, serão adiantadas pelo requerente e rateadas entre os interessados. Como não há contencioso, não há que se falar em vencido e vencedor, portanto, não há sucumbência, razão pela qual as despesas devem ser divididas entre os requerentes. Não raro, procedimentos de jurisdição voluntária são instaurados pelo Ministério Público, nesse caso, por força do artigo 4º da Lei nº 9.289/1996 que isenta o órgão ministerial do pagamento de custas, as despesas deverão ser rateadas pelos interessados.
Em continuidade, o artigo 89 do CPC/2015 dispõe que nos juízos divisórios, não havendo litígio, os interessados pagarão as despesas proporcionalmente a seus quinhões. Relembra-se que juízo divisório é o termo que se refere aos processos que visam promover a extinção da comunhão ou fixação de limites sobre um imóvel e seus múltiplos interessados. Nesse sentido, amoldam-se à concepção de ação divisória: a ação demarcatória de terras particulares e a ação de divisão para estremar os quinhões dos condôminos na terra comum (arts. 569, CPC/2015) e a ação de inventário e partilha (art. 610 e ss. CPC/2015).
Se houver litigiosidade no juízo divisório, em consonância com o princípio da causalidade, o vencido arcará com o ônus da sucumbência. "Na segunda fase, reservada aos trabalhos divisórios propriamente ditos, as despesas serão sempre rateadas, salvo apenas aquelas provocadas por impugnações ou recursos, que seguirão a regra comum da sucumbência"8.
Vê-se que, no tocante ao pagamento das despesas processuais, o Código de Processo Civil de 2015 apresenta regras gerais, mas também dispõe sobre regimes particulares em procedimentos especiais. Atendendo a posição da doutrina majoritária, consolidando entendimentos jurisprudenciais e resolvendo controvérsias interpretativas, o novo CPC busca sopesar a divisão das custas do processo, recorrendo aos princípios da causalidade e da solidariedade para assegurar a justiça no momento de sustenção das despesas do litígio ou dos procedimentos que demandam o movimento do aparato judiciário estatal.
Embora, teoricamente, caiba aos usuários deste serviço o financiamento da prestação jurisdicional por meio do pagamento das despesas processuais, na prática, o que se verifica é que os valores arrecadados por meio dos litigantes são insuficientes para o custeio dessa prestação.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), durante o ano de 2020, a atividade jurisdicional arrecadou cerca de R$ 62,4 bilhões - o recolhimento de custas e arrecadações na fase de execução, emolumentos e eventuais taxas somam apenas 17,3% desse valor. No entanto, as despesas totais do Poder Judiciário naquele ano foram de R$ 100,06 bilhões. Ressalta-se que 93% dessa despesa total é destinada à remuneração dos magistrados, servidores, inativos, terceirizados, estagiários e os auxílios e assistências devidos9.
Em outras palavras, a verba que custeia os vencimentos dos juízes, servidores e os demais gastos dos fóruns e tribunais não advém apenas das custas e despesas processuais, a maior parte se origina dos contribuintes em geral. Ou seja, quem arca com os custos do Poder Judiciário não são apenas aqueles que diretamente fazem uso dos serviços e sim toda a coletividade. No ano de 2020, o custo pelo serviço da Justiça foi de R$ 475,51 por habitante e se comparado ao ano anterior observa-se, ainda, uma redução de R$ 25,6 por pessoa10.
O alto custo do aparato judiciário não é uma novidade, porém, segue sendo uma temática atual. A massificação dos litígios é um problema da sociedade dinâmica e as despesas finais que garantem o funcionamento da jurisdição e o amplo acesso à justiça estatal são compartilhadas com todos, inclusive com aqueles que não a acionaram. Dessa forma, é importante não perder de vista que a promoção de métodos consensuais de resolução de conflitos, como os apresentadas na concepção do sistema de justiça multiportas, tema de outro artigo aqui já publicado, pode proporcionar soluções mais duradouras, acessíveis e eficientes para toda a sociedade.
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1 NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado - 16ª ed. Rev. dos Tribunais, 2016, p. 501.
2 Nesse sentido, veja-se: AgInt no AREsp 918.616/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/11/2016); AgInt no AREsp 985.265/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/11/2016; AgInt no AREsp 1.478.079/RS, Rel Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/03/2020; AgInt no AREsp 1.732.884/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 24/05/2021; REsp 1934233/PE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 25/06/2021.
3 AREsp 1.018.756/PE - EDs, Rel. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Dje de 19/12/2016. REsp 824.702/RS, Rel. MINISTRO LUIZ FUX, DJe de 08/03/2007.
4 Por força do §2º do art. 85, CPC/2015.
5 REsp 489.369/PR, Rel. MINISTRO CASTRO FILHO, Dje de 28/03/2005.
6 AREsp 304.137/RS, Rel. MINISTRO RAUL ARAÚJO, Dje de 05/09/2014.
7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 56º Ed. Rev. Ampl. E atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 209.
8 Idem, p. 461.
9 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2021/ Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2021. Anual. P. 80. Disponível em:
10 Idem. P. 77.