Arts. 82, 83 e 84 do CPC - Das despesas processuais
segunda-feira, 22 de março de 2021
Atualizado às 07:53
A prestação da tutela jurisdicional é onerosa e funciona por intermédio de serviço público remunerado. Nesse contexto, com exceção das disposições referentes à justiça gratuita1, o diploma processual brasileiro impõe que cabe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título2.
Ressalta-se que "as despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha" (art. 84, CPC/2015). A doutrina de Humberto Theodoro Júnior ensina que custas são "as verbas pagas aos serventuários da Justiça e aos cofres públicos, pela prática de ato processual conforme a tabela da lei ou regimento adequado". Despesas, por sua vez, são "todos os demais gastos feitos pelas partes na prática dos atos processuais, com exclusão dos honorários advocatícios, que receberam do novo Código tratamento especial"3.
Incumbe à parte autora, conforme o §1º do artigo 82 do CPC/2015, "adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público", enquanto atua como custos legis. Em outras palavras, cabe ao requerente, exequente ou ao interessado do ato processual o adiantamento das despesas para a consecução dos trabalhos. Quando as partes não realizam esse pagamento devido, tem-se como consequência a não realização do ato, o que ocasiona um prejuízo probatório e em alguns casos, de acordo com o artigo 2904, pode culminar até mesmo no cancelamento da distribuição do feito5.
Regra geral, o adiantamento das despesas é de responsabilidade do autor. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive, consolidou que a inversão do ônus probatório não necessariamente gera a responsabilidade da parte contrária de custear as despesas decorrentes da realização de prova requerida pelo autor6. Entende-se que a inversão do ônus da prova não se confunde com a distribuição dinâmica do ônus da prova.
Em harmonia com a teoria da carga dinâmica da prova, o juiz pode transferir o ônus probatório para a parte que tem melhores condições técnicas de arcar com o mesmo, cabendo ao juízo também, nos casos concretos, analisar se há elementos que realmente conduzem à necessidade ou obrigatoriedade de o réu arcar com o adiantamento do encargo financeiro da prova requerida7. Logo, excepcionalmente é possível que a responsabilidade das custas e das despesas seja imposta ao réu.
Na sentença do litígio, o vencido deverá pagar ao vencedor as despesas adiantadas (§2º, art. 82, CPC/2015). Nada obstante, em hipótese de sucumbência recíproca - ou seja, quando inexistir uma parte integralmente vencida no processo -, as despesas devem ser distribuídas e compensadas de forma recíproca e proporcional entre os litigantes, consoante entendimento do STJ8.
Reproduzindo o artigo 835 do CPC/1973, o artigo 83 do atual diploma processual prevê o pagamento de caução pelo autor da demanda - pessoa física ou jurídica - que residir fora do Brasil ou que deixar de residir no país ao longo da tramitação do processo. Essa caução deve ser suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, sob pena de indeferimento da inicial. Por outro lado, se essa parte conseguir provar que tem no Brasil bens imóveis suficientes para assegurar o pagamento das despesas processuais, a caução está dispensada. Nesse ínterim, entendimento do STJ no sentido de que, tratando-se de empresa estrangeira com filial no Brasil, faz-se desnecessária também a supramencionada prestação de caução9.
Sendo a exigência de caução um pressuposto processual, na sua ausência ou prestação insuficiente - por força do inc. XII e do §5º do art. 337, CPC/201510 - o juiz pode, de ofício, suscitar e conhecer dessa matéria em qualquer grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado, pois se trata de matéria de ordem pública (inc. IV e §3º do art. 485, CPC/2015).
Inovando em relação ao código processual anterior, o CPC/2015 dispõe no §1º do artigo 83 que não se exigirá caução de que trata o caput "quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte" (inc. I). Cita-se, a título de exemplo, o artigo 4º do "Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa" - acordado entre os Estados partes do MERCOSUL, a República da Bolívia e a República do Chile - segundo o qual: "nenhuma caução ou depósito, qualquer que seja sua denominação, poderá ser imposto em razão da qualidade de cidadão ou residente permanente de outro Estado Parte. O parágrafo precedente se aplicará às pessoas jurídicas constituídas, autorizadas ou registradas conforme as leis de qualquer dos Estados Partes"11.
Conforme o inciso II do mencionado artigo 83, a caução também não será exigida "na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença". Até porque, nessa hipótese, encontram-se já determinadas as figuras de credor, devedor e, de acordo com o artigo 783 do CPC/2015, o crédito está fundado em título de obrigação certa, líquida e exigível. No mesmo contexto, o inciso III do mesmo artigo do novo Código conservou a previsão do CPC anterior ao não exigir caução em reconvenção.
De igual maneira, tem-se que o novo Código de Processo Civil manteve a previsão de reforço da caução. Verificando-se no trâmite do processo que o autor da caução se desfez de seu patrimônio, diluiu os bens caucionados ou se ocorreu a desvalorização dos bens ativos em razão da variação de mercado, a parte interessada poderá exigir reforço da caução, "justificando seu pedido com a indicação da depreciação do bem dado em garantia e a importância do reforço que pretende obter" (§2º, art. 83).
Pela simples leitura dos artigos 82, 83 e 84 do CPC/2015, evidencia-se a preocupação do legislador em distribuir de forma justa e proporcional os ônus financeiros do funcionamento da máquina judiciária. Ademais, ao se comparar o novo Código de 2015 ao anterior de 1973, vê-se que muito foi aproveitado e até reproduzido no que tange às custas e despesas processuais, cabendo destacar, aqui, como inovação, o reconhecimento dos tratados e acordos internacionais pelo NCPC, o que ilustra a devida atualização do Direito e diálogo entre as normativas domésticas e internacionais.
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1 Veja-se os arts. 98 a 102 do CPC/2015 e a lei 1.060/1950.
2 CPC/1973, Art. 19. CPC/2015, art. 82.
3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 56º Ed. Pág. 456.
4 CPC/2015. Art. 290. Será cancelada a distribuição do feito se a parte, intimada na pessoa de seu advogado, não realizar o pagamento das custas e despesas de ingresso em 15 (quinze) dias.
5 Quando o devido pagamento não ocorrer em sede de recurso, haverá a deserção do recurso.
6 STJ. REsp nº 1.537.179-AgInt, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Dj: 01.06.2020.
7 STJ. REsp nº 1.478.173, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, Dj: 11.09.2020.
8 STJ. AgInt no REsp 1188891/DF, Segunda Turma, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Dj: 12.02.2019.
9 STJ. REsp nº 1.584.441, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, Dj: 21.08.2018.
10 CPC/2015. "Art. 337. (...) XII - falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar; (...) § 5º Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo."
11 Protocolo de las Leñas. Promulgado pelo Estado brasileiro através do Decreto nº 6.891/2009. Disponível aqui.