COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. CPC Marcado >
  4. Art. 76 - Consequências jurídicas da incapacidade processual e da irregularidade da representação

Art. 76 - Consequências jurídicas da incapacidade processual e da irregularidade da representação

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Atualizado às 08:52

Observando a segurança jurídica e a efetividade da prestação jurisdicional, o Código de Processo Civil consagrou o princípio da primazia do julgamento de mérito, em detrimento da simples extinção do feito por ausência de pressupostos processuais. De acordo com esse princípio, "o órgão julgador [deve] priorizar a decisão de mérito, tê-la como objetivo e fazer o possível para que ocorra"1. É nesse contexto que o artigo 76 do CPC/15, prevê que "verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício".

O dispositivo supramencionado se refere a vício sanável que, doutrinariamente, é conceituado como "aquele que, por não afetar a substância do ato ou negócio jurídico, torna-o anulável, mas, por ser suscetível de ratificação, se for removido, revalida-o"2. Em outras palavras, vícios sanáveis são meras irregularidades processuais passíveis de correção, como, por exemplo, os relativos à incapacidade processual ou irregularidade da representação (art. 76) e o pagamento insuficiente do preparo ou por ausência de sua comprovação ou recolhimento (§2º do art. 1.0073).

Na regra geral, o entendimento sobre o que seria um prazo razoável está em conformidade com o artigo 352 do CPC/154. Isto é, se nos termos do artigo 76 é verificada a existência dos mencionados vícios ou irregularidades sanáveis, o prazo para a correção dos defeitos - que deverá ser determinado pelo magistrado -, não poderá ser superior à 30 (trinta) dias.

Caso o processo esteja na instância originária e a determinação para sanar o vício tenha sido descumprida, o diploma prevê as respectivas consequências jurídicas nos incisos do §1º do artigo 76, segundo o qual: I) se o vício tiver de ser sanado pela parte autora, o processo será extinto; II) se couber ao réu a providência, será esse considerado revel; III) se o defeito tiver de ser sanado por terceiro, a depender do polo em que se encontrar, será considerado revel (se no polo passivo), ou será excluído do processo (se no polo ativo).

No entendimento jurisprudencial, a regra do artigo 76 do CPC/15, correspondente ao artigo 13 do CPC/73, "não cuida apenas da representação legal e da verificação da incapacidade processual, mas também da possibilidade de suprir omissões relativas à incapacidade postulatória" (REsp 102.423/MG)5. Portanto, a ausência de procuração do advogado nos autos do processo constitui vício sanável, devendo o magistrado conceder prazo razoável para que o defeito seja sanado, nos termos do art. 76 do CPC/15.

Sob a égide do CPC/73 a jurisprudência dos tribunais superiores6 estava consolidada no sentido de que os recursos dirigidos à instância superior desacompanhados do respectivo instrumento de procuração eram considerados inexistentes, ou seja, constituíam vício insanável, o STJ inclusive editou súmula com esse viés: "Súmula nº 115: Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos". Ocorre que, com a inovação do §2º do artigo 76 do CPC/15, passou-se a entender que esse enunciado sumular estaria superado, pois o referido dispositivo do novo diploma processual já prevê as possíveis decisões do relator nas hipóteses de vícios sanáveis em fase recursal.

Diante disso, a doutrina majoritária asseverou que o enunciado da Súmula 115/STJ estaria superado. O STJ, por sua vez, entende que a súmula permanece válida e tem decidido que a parte deve ser intimada para que seja feita a regularização da representação processual, nos termos do parágrafo único do art. 932 do CPC/157, e apenas se "a parte deixar de proceder à juntada no prazo de 5 (cinco) dias, faz incidir ao caso a Súmula nº 115/STJ"8.

Em julgamento de agravo interno9 sobre o tema o STJ assim consignou:

constatada a irregularidade na representação processual, os agravantes foram intimados para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC/15. (...) Os agravantes, ignorando o despacho dado nos autos, apresentaram a procuração utilizando o prazo de 15 dias do art. 104, do NCPC, que faculta ao advogado a juntada posterior da procuração, mediante protesto, na prática de ato considerado urgente".

Entendendo, porém, que "a interposição de recurso, no decorrer do processo, não é ato considerado urgente para fins do referido artigo, porquanto a interposição de recurso faz parte da dinâmica processual", o Tribunal concluiu pela rejeição do agravo. Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal tem decidido nesse mesmo sentido10.

No que tange à intimação, "a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a intimação para sanar vício de representação deve ser feita em nome da parte, pessoalmente, e não em nome do advogado, que não se sabe, até então, se realmente a representa" (REsp 1.119.836/PR)11.

Conforme o §2º do artigo 76, se em fase recursal - perante o Tribunal de Justiça, Tribunal Regional ou Tribunal Superior - a determinação para sanar o vício for cumprida, cabe ao Relator do caso: I) não conhecer do recurso, se a providência couber ao recorrente; ou II) determinar o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido. Ou seja, se o recorrente não diligenciar a fim de sanar o vício apontado dentro do prazo estabelecido pelo Relator, seu recurso não será conhecido por inobservância dos pressupostos de admissibilidade; por outro lado, se o recorrido não tomar as providências cabíveis para resolver o defeito indicado, o Relator determinará a desconsideração de suas contrarrazões.

Para o réu, o momento processual oportuno para a alegação de irregularidade da representação do autor ou de incapacidade processual é nas preliminares da contestação (inc. IX do art. 337, CPC/15), isto é, antes de discutir o mérito da causa. Nessa hipótese, não tomando o autor as providências necessárias para sanação do vício no prazo estabelecido, o juiz decretará a nulidade do processo, extinguindo o feito sem resolução do mérito (inc. IV do art. 485, CPC/15). Em contrapartida, se as providências são cabíveis ao réu e este não as cumprir, o processo não será extinto, nesse caso, declarar-se-á a revelia, devendo a lide ser julgada antecipadamente, reputando-se verídicos os fatos apresentados pelo autor, conforme os artigos 344 e 345 do CPC/15.

Todavia, entende-se que os pressupostos e requisitos específicos de admissibilidade são relacionados às condições da ação e se tratam de questões de ordem pública, portanto, podem ser analisadas em qualquer momento do processo e inclusive de ofício pelo órgão jurisdicional, independentemente de qualquer pedido expresso das partes (art. 485, inc. IV e §3º do CPC/15)12. Quando esse processo se encontra em instância extraordinária, ou seja, no âmbito dos tribunais superiores, exige-se que haja o prequestionamento nas questões de ordem pública para que elas sejam devidamente analisadas pelo Tribunal.

Em suma, o CPC/15 reproduziu, em seu artigo 76, o mesmo teor do artigo 13 do CPC/73 e inovou ao autorizar expressamente a mesma providência para sanar vício de incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte em órgão de competência recursal. Agora, se nem as partes ou o juízo se atentarem para o vício de incapacidade ou irregularidade processual e a sentença transitar em julgado, admite-se, por manifesta violação à norma jurídica (inc. V do art. 966, CPC/15), a propositura de Ação Rescisória para a desconstituição da decisão definitiva.

_____________

1 DIDIER JUNIOR, Fredie. 2015. Curso de Direito Processual Civil. 17.ed. Salvador: JusPodivm.

2 DINIZ, Maria Helena. 2008. Dicionário Jurídico. 3. Ed. Revisada e atualizada. São Paulo. Saraiva. Vol. Q-Z.

3 CPC/15. Art. 1.007 (...) § 2º A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.

4 CPC/15. Art. 352. Verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias.

5 STJ. REsp nº 102.423/MG. Quarta Turma. Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Dj: 21/09/1998.

6 STF. AI 640.855 - AgR nos Edcl. Primeira Turma. Relator o Ministro Dias Toffoli. Dj: 13/06/2012. STJ. AREsp nº 183.869/SP - AgInt nos Edcl. Quarta Turma. Relator o Ministro Marco Buzzi. Dj: 06/03/2018.

7 CPC/15. Art. 932. (...) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

8 STJ. AREsp nº 1.053.466/MS - AgInt no AgInt. Terceira Turma. Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze. Dj: 07/08/2018.

9 Idem.

10 STF. ARE 1.163.233 - ED. Relator o Ministro Ricardo Lewandowski. Dj: 27/02/2019.

11 STJ. REsp nº 1.119.836/PR - AgR. Terceira Turma. Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Dj: 13/08/2012.

12 CPC/15. Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; (...) § 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.