Artigos 11 e 489, §1º do CPC - Publicidade dos julgamentos e fundamentação das decisões
segunda-feira, 15 de abril de 2019
Atualizado em 12 de abril de 2019 15:45
Seguindo a lógica de positivação dos princípios constitucionais, o Código de Processo Civil de 2015 consagrou expressamente os princípios da publicidade e da fundamentação das decisões. A transparência dos atos públicos é um postulado fundamental para as democracias representativas, possibilitando a fiscalização por parte dos cidadãos e evitando a prática de eventuais abusos1. No âmbito judicial, o artigo 11 do CPC de 2015 seguiu a tendência estabelecida pelo diploma de 1973, ao garantir a ampla publicidade dos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário e a fundamentação das decisões judiciais, sob pena de nulidade. Contudo, substanciais modificações foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro.
Quanto ao princípio da publicidade, necessário ressaltar que o novo diploma ampliou o rol de casos em que o processo está protegido pelo segredo de justiça, estendendo expressamente o sigilo aos processos relativos à separação de corpos, à união estável, naqueles em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade e que digam respeito à arbitragem. Referido rol encontra previsão no artigo 189 do diploma2.
Embora o código de 2015 tenha incluído novas hipóteses em que feitos podem tramitar em segredo de justiça, a jurisprudência3 do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento no sentido de que essas hipóteses constituem rol exemplificativo, não exaustivo, sendo autorizado o sigilo dos processos em outras situações também merecedoras de tutela jurisdicional, por envolverem a preservação de outras garantias, valores e interesses fundamentais.
Acerca da confidencialidade dos processos judiciais que versem sobre arbitragem, Teresa Wambier4 ensina que o referido procedimento consagra a plena autonomia da vontade das partes, inclusive para a eleição do direito aplicado e para a cláusula de confidencialidade. Por outro lado, o processo judicial contém regras procedimentais que asseguram a publicidade. Por isso, casos envolvendo procedimento de arbitragem e atividade jurisdicional, como é o caso da ação anulatória de sentença arbitral, a confidencialidade merece ser justificada como sendo uma medida de maior relevância que o interesse público na publicidade daquela decisão, tendo em vista que a publicidade é, não apenas um bem jurídico protegido legalmente, mas também tutelado pelo artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal.
Quanto ao princípio da fundamentação das decisões judiciais, cuida-se de garantia decorrente do devido processo legal, prevista expressamente no artigo 93, inciso IX, Constituição Federal5, aplicável às partes em face da liberdade do magistrado em decidir conforme o seu livre convencimento.
A garantia da fundamentação das decisões não é uma novidade na legislação infraconstitucional, vez que se encontra prevista desde o Código de Processo Civil de 19396, consistindo no elemento da decisão judicial, o qual indica os motivos jurídicos que justificam a conclusão a que se tenha chegado7.
O atual diploma processual civil promoveu relevantes alterações no tocante à aplicação deste postulado, visto que definiu parâmetros específicos a serem observados pelo julgador ao proferir sua decisão, sob pena de não ser considerada válida. Portanto, definiu os contornos e abrangências de uma decisão suficientemente motivada, de modo a possibilitar o exercício do contraditório pelas partes em relação às razões apresentadas pelo julgador.
O artigo 489 § 1º do Código de Processo Civil indicou as hipóteses legais em que uma decisão não será considerada fundamentada. Nesse âmbito, enquadra-se a decisão, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (i) se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; (ii) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (iii) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (iv) não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; (v) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (vi) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Ao comentar o dispositivo, Rizzo destaca que "na fundamentação da decisão judicial, o juiz deverá expor os motivos determinantes para seu convencimento, tanto para o acolhimento, total ou parcial, dos argumentos da parte vencedora, quanto para o desacolhimento total ou parcial, dos argumentos da parte derrotada. Trata-se da clara exposição do caminho lógico percorrido pelo juiz, que auxilia na efetiva distinção entre a sentença legítima e a sentença arbitrária8".
O inciso I rechaça a mera indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo, estabelecendo que o julgador deve expor a correlação do dispositivo aplicado com a causa ou a questão decidida, demonstrando os elementos do caso concreto que atraem a aplicação de determinado ato normativo.
O inciso II considera desfundamentada a decisão que se limita a utilizar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicitar sua relação com as circunstâncias do caso sub judice. Note-se que não se trata de uma proibição de que o juiz faça uso de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais. Estes possuem grande relevância num contexto de força normativa dos princípios e de abertura hermenêutica em busca da máxima efetividade dos direitos. O que o dispositivo impõe é a necessidade de fundamentação do motivo de sua incidência no caso concreto.
Já os incisos III e IV buscam evitar as decisões genéricas, que poderia ser utilizada indiscriminadamente para qualquer caso. Como exemplos corriqueiros de decisões desse tipo, têm-se aquelas que se limitam às seguintes afirmações: "estando presentes os requisitos do fumus boni iuris e o periculum in mora, defiro a liminar pretendida pela requerente"; ou "presentes os requisitos legais, suspendo a decisão agravada". Logo, não podendo ser genéricas, há que serem enfrentados os argumentos trazidos pelas partes que possam infirmar a conclusão, sob pena de negativa de prestação jurisdicional.
Por fim, interessante notar que os incisos V e VI, do dispositivo utilizaram da fundamentação das decisões para garantir a observância dos precedentes, na medida em que previram as técnicas do distinguishing e do overruling. O inciso V estabeleceu que é dever do julgador, ao aplicar precedente ou enunciado de súmula, analisar seus fundamentos determinantes e a adequação ao caso concreto. Já o incido VI fixou que, para que o julgador deixe de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente, deve fundamentar sua decisão a partir dos critérios da distinção do caso ou da superação do entendimento.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça9 considerou omisso acórdão recorrido, que deixou de observar precedente estabelecido pela Segunda Seção do Tribunal. Referido precedente fora adotado como fundamento pelo recorrente, visto que corroborava com a tese recursal e tratava exatamente da controvérsia a ser dirimida.
Na decisão foi fixado o entendimento no sentido de que a análise deste precedente era imprescindível para o deslinde do caso, fosse para efetuar o distinguishing, fosse para reconhecer a superac¸a~o do posicionamento (overruling). "Mostra-se imprescindível, no caso, que o Juízo aprecie o precedente indicado e que trata exatamente do ponto nodal da controvérsia - qual seja a possibilidade de se manejar ação possessória contra eventual esbulho decorrente de decisão judicial -, seja para efetuar o distinguishing, seja para reconhecer a superação do posicionamento (overruling), não podendo ficar silente quanto ao ponto".
A inobservância do precedente sem a apresentação das razões que justifiquem sua inaplicabilidade ao caso concerto implica em fundamentação meramente formal. Logo, a decisão passa a não considerar os argumentos das partes, tornando o exercício do contraditório, consequentemente, ineficaz.
A publicidade e a fundamentação das decisões são garantias inerentes ao próprio Estado de Direto. O acesso e o conhecimento do teor do processo, bem como a devida motivação das decisões garante às partes o controle do raciocínio adotado pelo seu relator, permitindo, por conseguinte, o exercício de outros direitos fundamentais, como o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição. No momento em que se consagra a noção de um processo colaborativo, a publicidade e a fundamentação das decisões são partes integrantes na busca pela concretização de um diálogo efetivo entre as partes e o juiz na construção da melhor solução para o conflito.
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2 Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:
I - em que o exija o interesse público ou social;
II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;
III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;
IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.
3 STJ, REsp 1.082.951/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 17/08/2015.
4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim... [et al.] Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 85
5 Art. 93, IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
6 Art. 280. A sentença, que deverá ser clara e precisa, conterá:
I - o relatório;
II - os fundamentos de fato e de direito;
III - a decisão.
Parágrafo único. O relatório mencionará o nome das partes, o pedido, a defesa e o resumo dos respectivos fundamentos.
7 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo Código de Processo Civil Brasileiro 3.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 280-281
8 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 590.
9 STJ. EDcl no AgInt no AgInt no REsp 1787877. Relator: Ministro Luis Felipe Saloma~o. Publicado em: 25/09/2018.