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Ministro Alexandre de Moraes reposiciona discussão sobre regime de pessoal dos Conselhos Profissionais

terça-feira, 2 de junho de 2020

Atualizado às 09:24

No plenário virtual do Supremo Tribunal Federal dessa semana, a Lista nº 103-2020, da ministra Cármen Lúcia, trouxe, sexta-feira da semana passada, voto divergente do ministro Alexandre de Moraes relativo ao estabelecimento, à luz da Constituição de 1988, do regime jurídico dos empregados dos Conselhos Profissionais, no sentido de saber se esse regime pode ser regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), quando há lei expressa nesse sentido, ou se necessariamente deve se dar pelo regime jurídico único dos servidores públicos, sob pena de ser declarado inconstitucional.

Vale recordar que o Partido da República (PR) ajuizou, em 30/4/2015, a ação declaratória de constitucionalidade nº 36, visando converter em absoluta a presunção relativa de constitucionalidade do § 3º do art. 58 da lei 9.649/98, que diz: "§ 3º Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta".

Em seguida, a Procuradoria Geral da República ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade nº 5367 e a arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 367, todas de relatoria da ministra Cármen Lúcia. Abaixo, um resumo:

(i) ADC 36: §3º do art. 58 da Lei 9.649/98 (Organização da Presidência da República e dos Ministérios);

(ii) ADI 5367: art. 58, § 3º, da Lei 9.649/98 (Organização da Presidência da República e dos Ministérios); art. 31 da Lei 8.042/90 (Conselhos de Economistas Domésticos); e art. 41 da Lei 12.378/2010 (Conselhos de Arquitetura e Urbanismo);

(iii) ADPF 367: arts. 35 da Lei 5.766/71 (Conselhos de Psicologia); 19 da Lei 5.905/73 (Conselhos de Enfermagem); 20 da Lei 6.316/75 (Conselhos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional); 22 da Lei 6.530/78 (Corretor de Imóveis); 22 da Lei 6.583/78 (Conselhos de Nutricionistas); e 28 da Lei 6.684/79 (Conselhos de Biologia e Biomedicina).

A ministra Cármen Lúcia, relatora, entende que todos os empregados desses conselhos hão de ser regidos pelo regime jurídico único dos servidores públicos, sendo inconstitucional qualquer disposição legal em contrário1.

O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, contrapõe que há espaço constitucional de conformação legal no sentido de que podem ser celetistas2.

O julgamento virtual segue até a sexta-feira, 5/6.

É digno de nota o fato de que, em 22/9/99, o STF julgou prejudicada a medida cautelar pedida no bojo da ação direta de inconstitucionalidade nº 1717, no ponto em que impugnava o mesmo §3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98, tendo declarado a inconstitucionalidade do caput e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do art. 58.

Derrubou-se previsão que qualificava os Conselhos como de direito privado. O STF entendeu-os como autarquias, sem, contudo, esgotar seus elementos constitutivos. O § 3º não teve sua constitucionalidade analisada3.

Posteriormente, deliberando sobre aspectos jurídicos dos conselhos profissionais, o ministro Alexandre de Moraes pontuou: "Há a possibilidade de afastamento de algumas regras que se impõem ao Poder Público em geral e, no caso específico, à Fazenda Pública". E arrematou: "Veja-se, por exemplo, a discussão quanto à possibilidade de contratação de empregados pelo regime celetista, pendente de análise na ADC 36, na ADI 5.367 e na ADPF 367, todas de relatoria da Minª. CÁRMEN LÚCIA"4.

Prosseguindo, o ministro Alexandre de Moraes, em manifestação majoritária do pleno do STF, estabelece as distinções que singularizam esses Conselhos:

"Os Conselhos profissionais gozam de ampla autonomia e independência; eles não estão submetidos ao controle institucional, político, administrativo de um ministério ou da Presidência da República, ou seja, eles não estão na estrutura orgânica do Estado. Seus recursos financeiros não estão previstos, como salientou o Ministro MARCO AURÉLIO, na lei orçamentária. Eles não têm e não recebem ingerência do Estado nos aspectos mais relevantes da sua estrutura - indicação de seus dirigentes, aprovação e fiscalização da sua própria programação financeira ou mesmo a existência, podemos chamar, de um orçamento interno. Eles não se submetem, como todos os demais órgãos do Estado, à aprovação de sua programação orçamentária, mediante lei orçamentária, pelo Congresso Nacional. Não há nenhuma ingerência na fixação de despesas de pessoal e de administração.

Os recursos dessas entidades são provenientes de contribuições parafiscais pagas pela respectiva categoria. Não são destinados recursos orçamentários da União, suas despesas, como disse, não são fixadas pela lei orçamentária anual. Há, então, essa natureza sui generis, que, por mais que se encaixe, como fez o Supremo Tribunal Federal, anteriormente, na categoria de autarquia, seria uma autarquia sui generis, o que não é novidade no sistema administrativo brasileiro: as agências reguladoras também foram reconhecidas como autarquias sui generis. Aqui, no caso dos Conselhos profissionais, teríamos uma espécie mais híbrida ainda5."

No caso acima, o STF concluiu: "O caráter sui generis, portanto, híbrido, dessas entidades exige uma cautela no exame de todas as implicações decorrentes da sua caracterização a priori como pessoa jurídica de direito público"6.

Agora, o ministro Alexandre de Moraes torna a ressaltar essa circunstância em seu voto-vista lançado na ADC 36, na ADI 5367 e na ADPF 367: "há, então, essa natureza sui generis, que, por mais que se encaixe, como fez o Supremo Tribunal Federal, anteriormente, na categoria de autarquia, seria uma autarquia sui generis, o que não é novidade no sistema administrativo brasileiro: as agências reguladoras também foram reconhecidas como autarquias sui generis. Aqui, no caso dos Conselhos profissionais, teríamos uma espécie mais híbrida ainda".

E acrescentou: "por esses motivos, merece ser franqueado ao legislador infraconstitucional alguma margem de conformação na discriminação do regime aplicável a esses entes, entendida a necessidade de se fazer incidir certas exigências do regime jurídico de direito público, na linha do afirmado na ADI 1717, mas bem entendida também a importância de se identificar que destoam do regime puro de Fazenda Pública".

Mesmo antes no STF, eis a firme ponderação do ministro Maurício Corrêa:

"Seria o cúmulo do absurdo que pretendesse o Constituinte, ao votar o artigo 39 da Carta Política, o que não fez, ter requerido dizer que tal regime e planos de carreira para "os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas" - porque assim é o que diz literalmente a norma - tivesse intuído também incluir os empregados de Conselhos Profissionais, sob a alcunha de servidores públicos, como beneficiários da infortunada classificação de autarquia especial, que na lei ordinária fez-se dimensionar"7.

Ao liderar a divergência nessa ADC 36, na ADI 5367 e na ADPF 367, o ministro Alexandre de Moraes rememorou: "não por acaso, o anteprojeto da Nova Lei Orgânica da Administração Pública, elaborado por comissão de juristas constituída no âmbito do Ministério do Planejamento, e presidida pelo Professor Paulo Modesto, reserva aos Conselhos a categoria de entidades paraestatais, não integrantes da Administração, embora com personalidade de direito público, o que demonstra a precariedade, ou insuficiência, na qualificação dessas entidades como autarquias".

O fato é que a ratio decidendi do voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, reside no fundamento de que "enquanto pendentes os efeitos da cautelar proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2135, juridicamente não há como relativizar - na persistência da jurisprudência sedimentada sobre a matéria neste Supremo Tribunal - a obrigatoriedade de adoção do regime jurídico único para os Conselhos de Fiscalização Profissional".

Todavia, divergindo, o ministro Alexandre de Moraes assinalou o seguinte: "não obstante os sólidos fundamentos declinados pela Ministra Relatora, em especial no tocante ao art. 39, caput, da CF, e ao precedente firmado pela CORTE no julgamento da ADI 1717, observo que a peculiar situação dos Conselhos Profissionais dentro da organização do Estado brasileiro, recomenda maior reflexão sobre a aplicabilidade de certos aspectos do regimente jurídico administrativo a essas entidades".

E prosseguiu: "a compreensão dos diversos aspectos que distinguem esses entes - como a autonomia na escolha de seus dirigentes, o exercício de funções de representação de interesses profissionais (além da fiscalização profissional), desvinculação de seus recursos financeiros do orçamento público, desnecessidade de lei para criação de cargos - permite a conclusão de que configuram espécie sui generis de pessoa jurídica de Direito Público não estatal".

O ministro Alexandre de Moraes então ressaltou que "exigir a submissão do quadro de pessoal dos Conselhos Profissionais ao regime jurídico único atrairia uma série de consequências - como a exigência de lei em sentido formal para a criação de cargos e fixação das remunerações respectivas - que atuariam de forma desfavorável à independência e funcionamento desses entes".

Sua Excelência concluiu no sentido de ser válida a opção do legislador de permitir a formação dos quadros dos Conselhos Profissionais com empregados celetistas.

Essa coluna entende que, diante da divergência liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, e respeitosamente convencido de que a posição de Sua Excelência a doutra relatora, ministra Cármen Lúcia, não coloca a discussão em conformidade com a Constituição, os demais ministros e ministra da Suprema Corte - Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello - devem, conhecendo os fundamentos apresentados pela divergência, segui-la, reconhecendo a possibilidade de as leis, sem violação à Constituição Federal, estipularem que o regime jurídico dos empregados dos Conselhos Profissionais sejam regido pela CLT.

Isso por serem robustos os fundamentos constitucionais relativos aos referidos Conselhos, fundamentos esses que podem ser resumidos da seguinte forma: (i) não se submetem à tutela ou supervisão ministerial; (ii) não são vinculados a Ministérios ou órgãos da Administração Pública; (iii) não se adequam à estrutura organizacional do Executivo (Leis 9.649/98 e 10.683/2003); (iv) não possuem receitas e despesas regidas pela LDO e LOA; (v) não recebem auxílio ou subvenção da União; (vi) seus orçamentos não se vinculam ao orçamento da União; (vii) seus dirigentes não recebem remuneração e são eleitos dentre os seus membros, sem interferência da Administração Pública; (viii) além das funções típicas de Estado de fiscalizar e regular o exercício das profissões, representam e defendem os interesses das categorias profissionais que fiscalizam; (ix) seus órgãos jurídicos não são vinculados à AGU para representação judicial ou extrajudicial; (x) não desfrutam de isenção de custas na Justiça Federal; (xi) não existe autorização legal para criação de cargos públicos para os Conselhos na LDO; (xii) não existe lei criando cargos públicos com denominação própria; (xiii) não há previsão legal acerca da remuneração e concessão de aumentos e vantagens, não existindo publicação anual de seus valores; (xiv) o regime próprio da previdência social (RPPS) é incompatível, já que os Conselhos Profissionais são excluídos do orçamento do RPPS.

__________

1 Trecho dos votos da Min. Cármen Lúcia, relatora: "Enquanto prevalecente a conclusão deste Supremo Tribunal no sentido da eficácia da norma originária do caput do art. 39 da Constituição da República, pela qual se determina a imperatividade de adoção do regime jurídico único para os entes da Administração Pública direta e indireta, entre os quais se incluem os Conselho de Fiscalização profissional, o regime jurídico dos seus servidores acompanha o regime jurídico da entidade, a saber, de direito público, sem opção pelo regime trabalhista, próprio das entidades particulares".

2 Trecho dos votos do Min. Alexandre de Moraes, divergente: "Mesmo o precedente firmado na ADI 1717 não parece ter força para alcançar essa conclusão, visto não ter tratado do art. 58, § 3º, da Lei 9.649 /1998, mas da inviabilidade de delegação, a entidade privada, de atividades de poder de polícia, tributação e sancionamento disciplinar. E exigir a submissão do quadro de pessoal dos Conselhos Profissionais ao regime jurídico único atrairia uma séria de consequências - como a exigência de lei em sentido formal para a criação de cargos e fixação das remunerações respectivas - que atuariam de forma desfavorável à independência e funcionamento desses entes. Assim, tenho por válida a opção feita pelo legislador, no sentido da formação dos quadros dos Conselhos Profissionais com pessoas admitidas por vínculo celetista".

3 Eis: "(...) 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao §3º do atr. 58 da lei 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º, e 8º do mesmo art. 58. (...) 3. Decisão unânime. 6. Desta forma, em relação ao §3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98, vê-se que não houve pronunciamento do Supremo Tribunal Federal acerca de sua constitucionalidade, de modo que o inteiro teor do parágrafo 3º do art. 58 mantém-se vigente e incólume".

4 RE 938.837, red. do acórdão Min. Marco Aurélio (DJe 25.9.2017). Tese 877: "Os pagamentos devidos, em razão de pronunciamento judicial, pelos Conselhos de Fiscalização não se submetem ao regime de precatórios". Página 32 do acórdão. RE 938.837, red. do acórdão Min. Marco Aurélio (DJe 25.9.2017).

5 Página 33 do acórdão. RE 938.837, red. do acórdão Min. Marco Aurélio (DJe 25.9.2017).

6 Página 37 do acórdão. RE 938.837, red. do acórdão Min. Marco Aurélio (DJe 25.9.2017).

7 MS 21.797 (Min. Carlos Velloso, DJ 18/5/2001), página 24 do acórdão.