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Rumores contra a nossa democracia constitucional assustam

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Atualizado às 08:45

Primeiro, um desejo incontido de alguns de acabar com a Constituição de 1988. Depois, apelos por um "constitucionalismo popular" no qual multidões, às ruas, com cânticos, gritos e marchas, mudariam dispositivos constitucionais, cassando competências do Congresso Nacional. Agora, rumores acerca de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que pode convidar, ou convocar, o ministro Edson Fachin a dar "esclarecimentos", logo ele, o relator, no Supremo Tribunal Federal, dos processos relativos à operação Lava Jato. Não fosse o suficiente, a revista Veja afirmou que a ABIN teria sido demandada pelo Palácio a vasculhar a vida do ministro, para intimidá-lo. Se verdadeira, a informação, brincam com coisa séria.

Movimentações políticas contra Supremas Cortes e seus juízes só prosperaram onde as instituições não eram de boa qualidade. Vale aprender com a história. Em 1932, Franklin D. Roosevelt foi eleito presidente dos Estados Unidos. O democrata contava com maioria nas duas casas do Congresso. Era um líder popular. Seu programa de recuperação econômica, o New Deal, lidava com o colapso de 1929. Como boa parte do plano exigia a aprovação de leis, a Suprema Corte foi chamada a analisar a constitucionalidade das medidas, derrubando algumas delas. Posteriormente, passou a reconhecer a sua constitucionalidade, mas num apertado placar de 5 x 4.

Em 9 de março de 1937, reeleito, o presidente Roosevelt disse, numa transmissão no rádio, que a Corte não estava agindo como um corpo judicial, mas como um formulador de políticas públicas. Então, encaminhou ao Congresso o "Judiciary Reorganization Bill", impondo a aposentadoria compulsória dos juízes aos setenta anos. Roosevelt passaria a ter competência para indicar seis novos julgadores, o que abriria espaço para que aqueles contrários ao New Deal saíssem da Suprema Corte substituídos por juízes simpáticos ao plano econômico. O presidente achava que tinha o Congresso em suas mãos. Não tinha. O juiz Louis Brandeis, mesmo favorável ao New Deal, criticou a iniciativa. Era, ali, uma voz influente se opondo ao projeto. Na sequência, a Câmara dos Deputados se recusou a apreciar a matéria. Corajosamente, a Comissão Judicial do Senado encaminhou o projeto para votação com relatório contrário. No plenário, por 70 x 20, entendeu-se que o texto deveria ser inteiramente reescrito.

A tentativa de emparedar a Suprema Corte, oriunda de um líder genuíno que imaginava dominar o Congresso, se mostrou um fracasso retumbante. É explicável. Para Daron Acemoglu e James A. Robinson, instituições políticas inclusivas atuam para assegurar a continuidade da pluralidade e do equilíbrio dos poderes. Assim agiu o Congresso dos Estados Unidos. Ele garantiu que a Suprema Corte seguisse seu caminho de independência, continuando capaz de frear os caprichos eventuais de um presidente da República. Se, naquele momento, o líder do país se voltava contra a Corte, quem poderia assegurar que, no futuro, não se voltaria contra o próprio Congresso? Para Dieter Grimm, que foi juiz da Corte Constitucional da Alemanha, "a independência judicial é a salvaguarda constitucional contra a ameaça crescente de políticos ao exercício apropriado, pelos juízes, de suas funções". No Brasil, os rumores de que o Palácio confabula contra o ministro Edson Fachin testam a independência que o STF precisa para se desincumbir do seu papel. Se reais, são movimentações que nascem fracassadas. Por isso, vale, mais uma vez, ir à história.

Em 1946, Juan Domingo Perón foi democraticamente eleito presidente da Argentina. Após a sua vitória, aliados na Câmara dos Deputados propuseram o impeachment de quatro dos cinco membros da Suprema Corte. Três foram cassados e um renunciou. Perón indicou quatro novos e passou a governar sem freios institucionais até 1955, quando um golpe o tirou do poder. Mais à frente, em 1990, Carlos Saúl Menen, eleito presidente pelo Partido Peronista, conseguiu emplacar uma lei aumentando o número de juízes da Suprema Corte argentina de cinco para nove. Tendo nomeado quatro novos ministros, passou a contar com maioria na Corte e, tal qual Perón, começou a manipular a Constituição e a abusar do poder, até ser derrubado. Não houve um Congresso Nacional atento aos riscos de se encurralar a Suprema Corte ou qualquer de seus juízes.

A falta de contraponto às movimentações palacianas contra a independência do Judiciário na Argentina gerou graves consequências ao país, consequências que persistem até os dias atuais. No Brasil, movimentos recentes ora se levantam contra a Constituição Federal de 1988, ora evocam a implementação de um "constitucionalismo popular" exercido pelas multidões, nas ruas, cassando competências do Congresso, ora avançam, agora, contra o ministro Edson Fachin. São todas elas precipitações danosas à democracia brasileira. Aharon Barak, que presidiu a Suprema Corte de Israel, diz que, se não protegermos a democracia, a democracia dificilmente nos protegerá. É um bom conselho.

A sociedade civil brasileira deve perceber a gravidade desses rumores. Supremas Cortes não são lugares sagrados nem se espera que delas surjam anjos querubins. Todavia, a vida sem elas, especialmente a dos grupos mais vulneráveis da sociedade, é pior. Muito pior. Para mantê-las independentes, e assegurar que seus integrantes cumpram seu papel, é importante que haja suporte cívico de quem já se habituou às vantagens de se viver num ambiente no qual os direitos fundamentais são protegidos, especialmente por juízes. Desse engajamento podem surgir os freios que não foram vistos na Argentina de Perón e de Menem, mas que prevaleceram nos Estados Unidos de Franklin Delano Roosevelt. Essa é uma causa boa e pela qual se vale a pena lutar.