Conversa Constitucional nº 15
segunda-feira, 21 de novembro de 2016
Atualizado em 18 de novembro de 2016 14:14
Opinião: O caso dos sacrifícios de animais em religiões de matrizes africanas
Após mais de 10 anos tramitando no STF, foi liberado para inclusão em pauta o RE 494.601/RS, cujo resultado pode vir a ser a criminalização da liturgia adotada pelas religiões de matrizes africanas nas "comidas sagradas" que eventualmente levam carne à cada divindade. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), de onde se origina o recurso, as seguintes entidades pediram para ser ouvidas: Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras; Cedrab - Congregação em defesa das Religiões afro-brasileiras; Unegro - União dos Negros pela Igualdade; Ilê Axé Yemonja Omi-Olodo e C.E.U Cacique Tubinambá; Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT; e o Movimento Negro Unificado - MNU. Nenhuma foi aceita. Suas petições e documentos, contudo, foram aproveitados. Já no Supremo, formularam pedido semelhante a Sociedade Religiosa Cultural e Beneficente São Salvador Ilê Axé Oxumarê; o Coletivo de Entidades Negras - CEN; a Comunidade Terreira Ilê Axé Yemonjá Omi Olodô; o C.E.U Cacique Tupinambá; e a Congregação em Defesa das Religiões Afro-Brasileiras - CEDRAB/RS. Optou-se por não dar voz a nenhuma delas. Além disso, o relator determinou que suas petições e documentos foram devolvidos. No TJ/RS, de 25 desembargadores que votaram, havia uma única mulher. Uma só. Era a desembargadora Maria Berenice Dias. Antevendo um amanhã humanista, a Desembargadora não só assegurava o direito às religiões de matrizes africanas como também para todas as religiões que eventualmente tivessem no preparo de animais para alimentação um elemento de suas liturgias. Ficou sozinha, contudo. Mas o seu raciocínio emancipador foi o que prevaleceu no parecer do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, no recurso que está no STF. No TJ/RS, por maioria, rejeitou-se integralmente a ação. As religiões de matrizes africanas deveriam ser deixadas em paz. Mas a briga não parou. Vale contextualizar. Dia 1º de outubro de 2011, um sábado, ocorria mais uma Marcha para Jesus em Porto Alegre. Ela contaria com a presença de José Fortunati, evangélico prefeito da capital. Na praça da matriz, diante do Palácio Piratini, em cima do trio elétrico, olhando para os quase oito mil fiéis, o prefeito entregou simbolicamente a chave da cidade a três líderes religiosos - pastores - e afirmou: "Nós estamos entregando, de forma definitiva, o comando da nossa cidade ao nosso Senhor Jesus Cristo". Três anos depois, sua esposa, a evangélica Regina Fortunati, era eleita deputada estadual. Com o slogan "Pelos animais. Por todos nós", tão logo tomou posse, a primeira dama apresentou o PL 21/2015, propondo a criminalização do consumo de carne nos moldes das liturgias das religiões de matrizes africanas. É o "sacrifício de animais". Na audiência pública realizada na Assembleia Legislativa, homens e mulheres vestidos de branco dançavam animados pelos sons dos tambores, envoltos em ritmos que compõem a nossa identidade. Eram os representantes religiosos. As mulheres, já de certa idade, com um ar de realeza, giravam o corpo sem deixar cair seus turbantes ornamentados, com colares ao redor do pescoço, batas longas e bordadas, anéis e brincos com búzios. O retrato vivo do Brasil imortalizado por Jorge Amado com a alegria que sentimos quando estamos unidos em nossa diversidade. Mas nem todos festejavam. Vestida de preto, com a face manchada de vermelho e uma sombra preta sobre as pálpebras de um rosto alvo, uma jovem urbana mantinha preso o seu liso cabelo louro enquanto gritava no megafone sem parar: "o Rio Grande do Sul está manchado de sangue!". "Tenham vergonha!". Outra mulher, mais velha, batia uma panela. Aquele vestuário preto, performático, se notabilizou pelos seguidores do "Libertação Animal", movimento cuja ideologia radicaliza a extraordinária obra do filósofo australiano Peter Singer. Foi o mesmo usado por jovens da classe média de São Paulo ao invadirem o Instituto Royal e levarem cães beagles usados em pesquisas. Com a invasão, os cientistas foram embora e o Instituto encerrou suas atividades. Parte dos beagles foi abandonada em seguida. Depois de muita discussão, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul enterrou o PL 21/2015. Noutras palavras, as religiões de matrizes africanas, e suas liturgias, mais uma vez, mereciam ser deixadas em paz. No STF, o RE 494.601/RS é fruto da ação ajuizada, em 2004, pelo então procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul. O mote é, basicamente, um respeito muito grande pelos animais. Em abril de 2014, nove anos após o julgamento do TJRS, esse amor pelos bichos teve um recreio. Em uma das mais tradicionais casas de carnes de Porto Alegre, o Autor da ação concedeu uma entrevista cuja chamada dizia "Churrascaria Barranco recebe homenagem da AL e do Ministério Público por 45 anos de sucesso". Diante de um senhor alto, de olhos verdes, vestido em seu elegante terno, que o entrevistava, o autor disse: "Isso aqui vai bombar na Copa!". Por trás dele, homens se revezavam entre risadas e pedaços sangrentos de carne bovina mastigados por bocas já cheias. Espetos giravam e uma faca amolada cortava um pedaço de carne mal passada. O ambiente era bem diferente de um terreiro. Até porque, em terreiros, a comida segue princípios, tem finalidade sacral, deve ser respeitada e não pode ser desperdiçada. Não é o que acontece em churrascarias. Discussões constitucionais não raramente revelam lutas de classes, tramas ideológicas, guerras santas, batalhas políticas, revanches de derrotados ou um certo messianismo juvenil. Conhecer o contexto de alguns casos dá a paz de consciência necessária para, pelo menos, conhecer mais sobre a nossa comunidade e o duelo de forças que a move. É o caso do RE 494.601/RS.
ANJ questiona controle acionário de sites por capital estrangeiro
A Associação Nacional de Jornais - ANJ ajuizou a ADI 5613 tendo por objeto a fixação de interpretação conforme a Constituição da locução "empresas jornalísticas" constante dos arts. 2º, 3º, 4º e 5º da lei 10.610/2002. Referido diploma regulamentou o art. 222 da Constituição e dispôs "sobre a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens". Para a ANJ, o referido dispositivo se aplicaria aos portais da internet que operam no Brasil. A relatoria é do ministro Celso de Mello.
Pedida suspensão dos casos sobre ISS sobre materiais empregados na construção civil,
O Município de Betim/MG e a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras - ABRASF, pediu à ministra Rosa Weber que, nos termos do CPC/2015, suspenda todos os processos que tramitem no território nacional quanto ao Tema 247 da Repercussão Geral - ISS sobre materiais empregados na construção civil -, versado no RE 603.497/MG.
Ajuizada ADI contra majoração de 2% para 4% sobre taxas do preparo de apelação e de recurso adesivo do TJSP
Ajuizada a ADI 5612 que visa derrubar o art. 4º, II, da lei 15.855/15 do Estado de São Paulo, que alterou a lei estadual 11.608/03, para majorar de 2% para 4% sobre o valor da causa, as taxas judiciárias relativas ao preparo de apelação e de recurso adesivo, ou, nos processos de competência originária do TJ/SP, como preparo dos embargos infringentes. A ação é do Conselho Federal da OAB.
Questionado decreto que considerou telecomunicações como indústria
O governador do Paraná ajuizou a ADPF 427 contra o art. 1º do decreto 640/1962, do Conselho de Ministros, que considerou o serviço de telecomunicações como indústria básica, de interesse para o fomento da economia do país e de relevante significado para a segurança nacional. Para o governador, o dispositivo é inconstitucional por representar ingerência da União sobre matéria exclusiva dos estados-membros, pois dispõe sobre atividade econômica que se encontra sob competência tributária das unidades da federação. Segundo ele, a CF deixou claro que a atividade econômica de telecomunicações enquadra-se como serviço. Dessa forma, é de competência dos estados e pode ser tributado pelo ICMS, que é estadual, e não pelo IPI, de competência da União. Há pedido de liminar no sentido de se suspender todas as ações que discutem a aplicabilidade do decreto 640/1962. O relator é o ministro Marco Aurélio.
Substituído leading case sobre IR sobre os resultados financeiros verificados na liquidação de contratos de swap para fins de hedge
O ministro Marco Aurélio, relator do RE 596.286/RJ, leading case do tema 185 da repercussão geral - IR sobre os resultados financeiros verificados na liquidação de contratos de swap para fins de hedge -, determinou que se oficie ao TRF da 2ª região para que este remeta à Presidência do STF, para substituição do paradigma, recursos extraordinários representativos do referido Tema 185, ou, não havendo processos, para informar a respeito.
Destaque da Semana: União não precisa compensar municípios por desonerações de impostos de sua competência
Na quarta-feira, o STF negou pedido do município de Itabi/SE para excluir benefícios, incentivos e isenções fiscais, concedidos pela União, dos repasses ao orçamento local. O RE 705.423/SE (min. Edson Fachin) pretendia que as desonerações de IR e IPI concedidos pelo governo federal não fossem computadas na cota do FPM destinado a Itabi. Apreciando o tema 653 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Relator, negou-se provimento ao RE, vencidos os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli. O Tribunal deliberou fixar a tese da repercussão geral dia 23/11. Segundo o relator, o poder de arrecadar atribuído à União implica também o poder de isentar. Assim, quando a Constituição Federal determina que o FPM será composto pelo produto dos dois impostos, isso inclui o resultado das desonerações. De acordo com o inciso I do artigo 159 da Constituição Federal, a União deve entregar 22,5% do "produto da arrecadação" do IR e do IPI ao FPM.
Tá na pauta: Quarta-feira
Próxima quarta-feira, dia 23/11, estão pautados os seguintes casos tributários no STF: ADO 25/DF (min. Gilmar Mendes), do governador do Pará, com vários Estados participando como amici curiae, discutindo a eventual mora do Congresso Nacional em editar a lei complementar prevista no art. 91 do ADCT sobre compensação financeira aos Estados quanto ao ICMS desonerado nas operações de exportação; ACO 1044/MT (min. Luiz Fux), do Estado de MT contra a União, visando saber se é devida a ampliação na participação do total de recursos repassados pela União a título de compensação por perdas decorrentes da desoneração do ICMS incidente sobre produtos e serviços destinados ao exterior; e ACO 779/RJ (min. Dias Toffoli), do Estado do RJ x União: sobre compensações financeiras aos Estados em decorrência das desonerações das operações de exportação à luz da LC 87/96, LC 115/2002 e EC 42/2003.
Global Constitutionalism
A Corte Constitucional de Uganda reverteu o dispositivo que permitia que a Comissão de Iguais Oportunidades rejeitasse pedidos de providências de pessoas consideradas imorais ou socialmente inaceitáveis. O caso Jjuuko Adrian v Attorney General questionou a constitucionalidade da seção 15(6)(d) da lei que instituiu a Equal Opportunities Commission. A alegação era de que o dispositivo alcançava grupos vulneráveis, a exemplo das profissionais do sexo, algumas mulheres, pessoas que vivem com HIV e portadores de deficiências. A lei trazia tal dispositivo para evitar que membros da comunidade LGBTI ajuizassem pedidos de apuração de casos de discriminação. A ação vem sendo acompanhada nos últimos sete anos pelo ONG Human Rights Awareness and Promotion Forum (HRAPF). A vitória foi celebrada.
Evento
Acontecerá dia 23/11, às 18h30, no Salão Nobre do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o lançamento do livro "Novos Paradigmas do Direito Eleitoral", de autoria do ministro Luiz Fux e do jurista Carlos Eduardo Frazão. A publicação é da editora Fórum.
Obter dictum
No julgamento do caso relativo ao Fundo de Participação dos Municípios, o ministro Luís Roberto Barroso, sempre muito gentil, fez um breve contraponto a um dos argumentos do voto do ministro Luiz Fux, vencido na matéria. Respondendo, o ministro Luiz Fux afirmou: "Mas eu só discuto aqui o que é importante, ministro. Só o que é importante". Foi a deixa que o ministro Marco Aurélio precisava para questionar: "E o que não é importante no plenário da Suprema Corte? Aqui tudo é importante, ministro".