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Sopa de letrinhas ou garantia constitucional - O que é pluripartidarismo?

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Atualizado em 8 de novembro de 2018 14:39

Felipe Neves, Camila Monzani e Isabel Cortellini

Em época de eleição, não tem quem não fique confuso com aquela mensagem final da propaganda que cita as coligações e um monte de siglas de partidos diferentes de uma só vez. Afinal, atualmente são 35 partidos políticos ativos concorrendo a cargos no Executivo e Legislativo no Brasil. Mas por que temos tantos partidos? Para que eles servem? O que se busca garantir?

A nossa Constituição Federal de 1988 traz o pluralismo político (a existência de mais de duas legendas partidárias) como um dos fundamentos da nossa República (art. 1º, V, CF). Repare na importância que o constituinte (a assembleia que elaborou nossa CF) deu ao pluralismo político, porque não foi à toa: na época da ditadura, até 1979 mais precisamente, o Brasil vivia o bipartidarismo, cujos aspectos negativos mais notórios foram a grande censura então praticada (e imposta pelo governo) em relação à maioria das formas de manifestação, especialmente as expressões artísticas e filosóficas, além da quase inexistente liberdade de manifestação do pensamento político. De 1979 e 1985, o Brasil assistiu à sua redemocratização, período de longas e importantes discussões sociais, especialmente em relação à proteção dos direitos de livre exercício do pensamento político.

Nesse contexto, é possível perceber que o pluralismo político está intimamente ligado à liberdade política individual. Os partidos políticos são um meio para a estruturação da vontade do povo, eles servem como canais de comunicação, de contato, entre a sociedade e o governo. Em uma sociedade tão plural e diversa como a brasileira, dificilmente conseguiríamos garantir a diversidade de ideias e e o acesso de tantos grupos diferentes com apenas dois partidos. Vale comentar a provocação recorrente em aula, sobre o caso dos Estados Unidos da América: na prática, EUA adotam o bipartidarismo, mas eles também possuem mecanismos que trazem garantias de pluralismo. É necessário levar em conta que o sistema eleitoral deles é bastante diferente do nosso: além de ser permitida a candidatura independente (para Executivo ou Legislativo), a legislação eleitoral é competência de cada Estado e as eleições para o Executivo não são diretas.

A existência de diversos partidos é de fundamental importância para a consolidação da democracia representativa e participativa, garantindo uma multiplicidade de centros de poder, inclusive das minorias.

Isso porque democracia não é, e nem pode ser, uma "tirania da maioria". Esse conceito de tirania da maioria foi pensado pelo filósofo liberal Stuart Mill (1895) que, pensando em democracia, percebeu que "A vontade do povo quer dizer, na prática, a vontade da parte do povo mais numerosa ou mais ativa; a maioria, ou aqueles que são bem sucedidos em fazerem-se aceitar como a maioria; o povo, consequentemente, pode desejar oprimir uma parte do seu número; e é preciso tantas precauções contra isso como contra qualquer outro abuso de poder"1. A lógica de Mill é evitar que uma maioria retire liberdades individuais de uma minoria: nem sempre a maioria pode, nem deve ganhar, é necessário garantir a própria existência da pluralidade.

Se olharmos para o nosso poder Legislativo, veremos como isso funciona na prática. De 35 partidos políticos ativos2, 27 têm representação no Congresso Nacional e o partido que mais eleger deputados, garante um pouco mais de 10% das cadeiras. Depois de eleitos, os partidos podem formar blocos, que nada mais é do que uma união de esforços, sob uma liderança comum, que é tratado com um só partido e que só pode ser desfeita ao término do mandato.

Tendo respondido às perguntas da introdução e entendido que o pluralismo político é um sistema de proteção à liberdade de participação do cidadão no governo do seu país, vale trazer alguns aspectos negativos do nosso sistema.

A maioria das críticas vai no sentido do esvaziamento ideológico, que acaba resultando em existência de coligações oportunistas, principalmente em relação a financiamento. Sucessivas mudanças de partidos por parte de candidatos e políticos eleitos, que parecem uma sopa de letrinhas, podem ser reflexo de uma falta de lealdade a um programa de mandato ou a uma ideologia. Além disso, muitos acreditam que não temos tantas ideologias a serem representadas; enquanto outros acreditam que não precisa ser representação só ideológica, que ela pode ser de interesses comuns, defendendo o fortalecimento individual dos candidatos, como, por exemplo, a candidatura independente.

É importante pensar criticamente sobre os sistemas que adotamos, porque o direito é, e deve ser, dinâmico, respeitando um conjunto valores básicos. Princípios e garantias constitucionais (aqueles no topo da pirâmide de Kelsen) são a proteção à nossa própria condição humana, à dignidade e direitos fundamentais de qualquer indivíduo. Eles representam valores a serem concretizados a longo prazo e que não podem ser facilmente alterados. Mas o direito não é feito só de Constituição, conforme descemos à base da pirâmide, percebemos que o direito é um grande indutor de políticas públicas, que servem justamente para concretizar direitos fundamentais no curto e médio prazos, assegurando, consequentemente, também no longo.

Enquanto cidadãos, devemos sempre questionar se os institutos, o direito, as políticas públicas da nossa sociedade estão nos servindo, se estão cumprindo seu papel constitucional no contexto atual. Uma reforma política, que garanta a democracia e a representatividade, é uma reinvindicação de diversos setores da sociedade e avançou nos últimos tempos3. No entanto, os resultados ainda não produziram todos os efeitos.

Nesse sentido, no ano passado foi aprovada a Emenda Constitucional 97/2017, que trouxe mecanismos na intenção de uma minirreforma eleitoral de maneira gradual. A EC 97 veda as coligações partidárias nas eleições proporcionais a partir de 2020 e estabelece normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão já a partir de 2018. Esse mecanismo é chamado de cláusula de desempenho, porque impede ou restringe o acesso a recursos públicos a partidos que não alcançarem determinado percentual de votos. Assim, pretende-se diminuir a quantidade de oportunismo, promover eficiência dos recursos financeiros de campanha. Nessas eleições, 14 partidos não atingiram a cláusula de barreira e não terão acesso ao fundo partidário e horário eleitoral nas próximas eleições. Estima-se que até 2030 haja apenas 9 partidos.

Outra alteração que vale destaque é o fim dos "puxadores de voto" ou do "efeito tiririca". Trazida pela lei 13.165/2015, a regra valeu para as eleições para as câmaras de vereadores e, agora pela primeira vez, para a Câmara dos Deputados e assembleias legislativas. Para ser eleito, um candidato tem que ter pelo menos 10% do quociente eleitoral (nº votos válidos dividido pelo nº cadeiras). Isso para evitar que candidatos com votações muito baixas sejam eleitos, como ocorreu em 2010 com o Tiririca ou antes com o Enéas e Clodovil, que elegeram deputados com votos que não ultrapassavam 100 votos. Com a regra valendo, o partido mais votado em SP, o PSL, teria votos suficientes para eleger 15 deputados Federais no Estado. No entanto, apenas aqueles que atingiram pelo menos 10% do quociente eleitoral de SP (301 mil votos) vão poder tomar posse, totalizando 10 cadeiras distribuídas ao partido.

__________

1 MILL, John Stuart (1998), On Liberty and Other Essays, ed. John Gray, Oxford, Oxford University Press. p. 80. Tradução Livre.

2 Tribunal Superior Eleitoral - Acesso em 27/9/1989.

3 SOUZA, Isabela. Politize! "O QUE MUDA COM A REFORMA EM 2018?"