Prisão após decisão em 2ª instancia: O que isso quer dizer?
sexta-feira, 6 de abril de 2018
Atualizado às 07:55
Felipe Costa Rodrigues Neves e Sergio Opice
Tudo começou com o caso do fazendeiro Omar Coelho Vitor, que em 1991 atirou cinco vezes em um homem que teria paquerado a sua mulher em uma feira agropecuária no interior de Minas Gerais. Omar foi condenado por tentativa de homicídio a sete anos e seis meses de prisão, mas nunca cumpriu um dia da pena, tudo por causa de vários recursos da Justiça. O Tribunal de Justiça de MG, em 2001, em decisão em segunda instância, decidiu que a pena fosse cumprida inicialmente em regime fechado. Mas, nessa época, os advogados de defesa começaram a recorrer aos Tribunais Superiores, o que fazia o cumprimento da pena ser adiado dia após dia.
Também nessa época um outro recurso foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal ("STF"): Os advogados pediam que o condenado ficasse em liberdade até a análise do último recurso.
Desde a promulgação da Constituição Federal (1988) até então (2009), o STF não tinha sido provocado a analisar o art. 5º, LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". As penas eram executadas no Brasil de acordo com a decisão dos juízes. Mas, ao analisar o pedido de habeas corpus do condenado, o STF decidiu pela primeira vez que a execução da pena só deveria ocorrer após a análise do último recurso possível.
Com essa decisão o condenado continuou solto, estabelecendo o entendimento de que condenados pela Justiça em 2ª instância poderiam ficar em liberdade até o último recurso no Supremo Tribunal Federal. Em 2014, sem que o último recurso chegasse a ser julgado, o crime prescreveu. Não existindo mais a possibilidade do condenado ser punido pela tentativa de homicídio e Omar não cumpriu um dia de pena sequer.
No entanto, em 2016 o STF decidiu que um réu condenado em segunda instância poderia cumprir imediatamente a pena. Foi no julgamento de um habeas corpus que, em tese, valeria apenas para aquele caso específico. Mas, com base nessa decisão, muitos juízes de todo o país passaram a expedir mandados de prisão com essa orientação. No mesmo ano, o STF julgou mais uma vez o tema e reafirmou o entendimento de que o art. 5º, LVII da Constituição, que diz que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância.
Nota: Para quem não sabe, o habeas corpus é uma medida jurídica que visa resguardar o direito à liberdade dos indivíduos e está previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal. Na prática, todo e qualquer cidadão que acreditar ter seu direito à liberdade ameaçado ou restringido de forma ilegal, pode recorrer a esse remédio constitucional na tentativa de resguardá-lo.
Hoje esse tema é uma das maiores discussões que temos no Brasil e na madrugada da última quinta-feira o STF rejeitou por 6 votos a 5 o pedido de habeas corpus preventivo da defesa e com isso autorizou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mantendo o entendimento do STF de que o cumprimento da pena pode começar após a condenação em segunda instância.
Quem foi contra tal entendimento (Gilmar Mendes, Dias Tofolli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello), defende que caso os condenados em 2ª instância sejam presos e depois julgados inocentes por Tribunais Superiores, eles estariam cumprindo penas indevidas, resultando em uma injustiça em um sistema que, por si só, já é injusto.
Uma frase muito interessante foi proferida pelo ministro Marco Aurélio Mello: "Ninguém devolve à pessoa, ao homem, a liberdade perdida".
Mais do que isso, defenderam que o texto constitucional é claro e que ninguém será preso até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, até que o último recurso seja julgado.
Quem foi a favor ao atual entendimento do STF (Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia) entende que admitir o princípio da não culpabilidade penal seria impossibilitar absolutamente qualquer atuação do Estado pode levar à impunidade.
Com relação ao texto constitucional, defendem que a regra da Constituição que prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória não se refere à prisão. Ou seja, a Constituição não proíbe ou autoriza a prisão após decisão em 2ª instância, isso deve ser decidido pelos tribunais de primeira e segunda instância que são responsáveis por analisar os fatos, as provas, o mérito da questão.
Ressaltamos que a ministra Rosa Weber votou contra o habeas corpus dizendo que as decisões em habeas corpus deveriam respeitar ao precedente criado pelo STF em 2016. Rosa Weber explicou que a forma adequada de se alterar este entendimento seria julgar as duas ações diretas de constitucionalidade que discutem o mérito da prisão em 2ª instância, e não o habeas corpus do ex-presidente Lula.
Além disso, os ministros fizeram referência à impunidade gerada por recursos protelatórios, que leva a uma ineficácia da Justiça. Como argumento, destacaram o princípio da igualdade: enquanto há uma pessoa com a condição de ter todos os recursos, outra não tem. Ou seja, o direito fundamental de presunção e inocência estaria garantido somente àqueles com condições financeiras para custear os recursos.
No caso concreto temos um conflito:
A regra constitucional, que prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. No mundo ideal seria a prisão do condenado apenas após a exaustão de todo e qualquer recurso possível que o condenado tenha direito, onde não haveria mais espaço para dúvidas ou erros.
A realidade do sistema Judiciário brasileiro, que pela quantidade de recursos e manobras, alinhado à sua falta de celeridade, faz com que condenados por crimes, com recursos financeiros, possam responder em liberdade e, até mesmo, não responder pelos seus crimes no final das contas devido a prescrição da pena, gerando a impunidade.
Tendo em vista esse conflito, é importante fazermos a seguinte reflexão:
Depois de 30 anos, o texto da nossa Constituição Federal tem a mesma eficácia?
Caberia ao STF interpretar a norma constitucional estabelecendo um entendimento com base na realidade da nossa sociedade e da ineficácia do nosso sistema Judiciário?
Aguardaremos cenas dos próximos capítulos...