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A hipoteca judiciária morreu?

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Atualizado em 24 de janeiro de 2012 12:56

Os civilistas e processualistas, de maneira geral, vêm afirmando que a hipoteca judiciária (ou judicial) perdeu sua importância. Será?

A hipoteca, todos sabem, é modalidade de garantia. Por meio dela, um bem imóvel do devedor ou responsável fica vinculado ao cumprimento da obrigação. Tem, portanto, natureza acessória.

Normalmente, a hipoteca nasce da vontade das partes, no âmbito de relações contratuais (hipoteca convencional).

Há situações, menos comuns, que permitem o surgimento da hipoteca independentemente da vontade do devedor, porque a lei assim determina (hipoteca legal). O art. 1489 do CC arrola as suas principais hipóteses.

A hipoteca legal é de pouca utilização prática.

Além da hipoteca convencional e da legal, existe a hipoteca judiciária (ou judicial) que, na verdade, é uma subespécie da legal. O art. 466, caput, do CPC, sobre ela dispõe: "A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos".

Isso quer dizer, a hipoteca judiciária, embora pouco utilizada, é um efeito secundário automático da sentença que condena o réu no pagamento de prestação (líquida ou ilíquida), mesmo antes de seu trânsito em julgado. O credor, vencedor, para ter acesso ao benefício depende da especialização da hipoteca, por meio da qual identifica precisamente o bem do devedor que sofrerá o ônus legal. A especialização da hipoteca é procedimento especial de jurisdição voluntária, disciplinado nos artigos 1205 a 1210 do CPC. Alguns juízes dispensam referido procedimento, acatando pedido simples feito nos próprios autos da ação condenatória.

Feito o registro da hipoteca judiciária no cartório de registro de imóveis, o credor passa a ser titular de um direito real de garantia, com todos os seus atributos. Assim, o credor tem o direito de sequela (direito de poder perseguir o bem, ainda que seja transferida a sua titularidade), o direito de indivisibilidade da garantia (art. 1421 do CC), o direito de excussão do bem e o direito de preferência (ambos previstos no art. 1422, caput, do CC), caso haja insolvência ou falência do devedor.

Os juristas, de maneira geral, sempre afirmaram que a hipoteca judiciária confere todas as prerrogativas dos direitos reais de garantia, menos a preferência. A afirmação era feita por causa da redação do revogado art. 824 do CC de 1916, que assim dispunha a respeito da hipoteca judiciária: "Art. 824. Compete ao exequente o direito de prosseguir na execução da sentença contra os adquirentes dos bens do condenado; mas, para ser oposto a terceiros, conforme valer, e sem importar preferência, depende de inscrição e especialização". Alguns autores a chamavam, por essa razão, de hipoteca anômala ou meia hipoteca.

Referido artigo não foi repetido pelo Código Civil de 2002, que não disciplinou a hipoteca judicial. Não há mais em nenhum lugar esse "sem importar preferência". No entanto, os autores continuam repetindo a inexistência de preferência na hipoteca judiciária.

Apesar de o CC vigente não ter regulamentado a hipoteca judiciária, o CPC a acolhe, no art. 466, caput, conforme referido. E o art. 466 está em pleno vigor em face do disposto no art. 2043 do Código Civil. Além disso, a Lei de Registros Públicos (art. 167, I, n. 2) também continua permitindo o registro de hipotecas judiciais.

Embora muitos desencorajem a hipoteca judicial por causa do custo de registro e pela suposta desnecessidade, em face de tantos instrumentos atualmente disponíveis para ilidir e combater a fraude de execução, o direito de preferência pode, muitas vezes, justificar o seu requerimento.

Basta lembrar do prestígio que os credores com garantia real têm na Lei de Falências e Recuperação Judicial e Extrajudicial (lei 11.101/05).

Além disso, não havia mesmo razão para não se conceder preferência ao credor dessa modalidade de garantia. A hipoteca legal e a judiciária são autorizadas em casos especiais, somente aos credores que atendem requisitos bem delineados e, por isso, gozam de uma situação jurídica ímpar, a merecer maior proteção. Se a hipoteca convencional, que nasce exclusivamente da vontade das partes, independentemente da natureza do crédito, tem o benefício da preferência, por muito maior razão devem tê-lo os credores garantidos por hipoteca legal ou judicial.

Assim, em face da revogação do art. 824 do CC de 1916, não se pode mais afirmar inexistir preferência na hipoteca judiciária. Além disso, o novo CPC, se aprovado, pode facilitar sobremaneira a inscrição da hipoteca judiciária.

Atualmente, o parágrafo único do art. 466, prescreve que a sentença condenatória produz a hipoteca judiciária, mesmo nas condenações genéricas, ainda que pendente arresto de bens do devedor e também nas situações passíveis de execução provisória da sentença (vide seus três incisos).

De acordo com o projeto do novo CPC, conforme alteração apresentada no relatório-geral do senador Valter Pereira, o seu art. 482, correspondente ao atual 466, prevê o acréscimo de mais um parágrafo, com a seguinte redação: "A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem judicial".