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Mais uma

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Atualizado às 08:20

 

"Saber que se está com câncer é um choque. Sentimo-nos traídos pela vida e pelo próprio corpo. Mas ficar sabendo de uma recaída é terrível. É como se descobríssemos de repente que o monstro, que acreditávamos ter abatido, não está morto, e não havia parado de nos seguir na sombra, e terminou nos pegando."

David Servan-Schreiber
Anticâncer, Editora Fontanar, p. 114

Você já ouviu falar no Carlo Lorenzini? Não? Depois eu lhe apresento. Por enquanto, mudemos de assunto. Ou não.

Quando o currículo da moça apareceu na Internet, houve alguns chatos que se puseram a esmiuçá-lo. Já não houve o caso daquele político, não sei quê Cabral, dançador de bolero com ministra, que foi espinafrado pelo Saulo em seu boquirroto livro porque o tal senador incluiu em seu CV um curso na Sorbonne, nem sei onde fica isso, quando, na verdade, o tal dançarino havia apenas, num passeio turístico, ido visitar a biblioteca ou o banheiro da tal universidade dizem que francesa? Pois foi. Aliás, CV, nos meus tempos de jovem, era abreviatura de "Camisinha de Vênus", coisa de que não se falava com essa liberdade de hoje, não, senhora. Lembro-me do dia em que fui comprar uma na farmácia da esquina e quem estava atendendo era a mulher do dono. Pedi um envelope de melhoral, para pedir alguma coisa. E nada de o homem aparecer. Comprei gilete, sabonete, fio dental, sempre demorando o máximo para fazer novo pedido. "O seu Manoel vai demorar?" digo, por fim, como quem não quer nada. "Ele está de cama." Como se escreve o verbo brochar?

Pois no currículo da tal ministra apareceu mais título do que em edital de cartório de protesto. Exagero, é claro. Mas que lá no blog da moça apareceram alguns títulos sem fundo isso apareceram. E vieram as explicações de praxe, que incluem culpa do caseiro, do mordomo, da secretária, do ajudante de ordens. Só que dessa vez não devassaram a conta bancária de ninguém. E tudo ficou por isso mesmo.

Passa-se o tempo, a campanha eleitoral comendo solto ilegalmente, o Ministério Público Eleitoral pedindo emprestada a venda de Têmis, e vamos que vamos. "Filhinha, dê um pulinho aqui no meu gabinete que eu quero ter um particular contigo". E lá vai a moça da Receita Federal, em carro dirigido por fulano de tal, que se identifica para entrar no securíssimo prédio, sorria que você está sendo filmado, quem deseja? e outras miudezas próprias da burocracia. A convidada entra naquela sala ali da esquerda, a terceira daqui pra lá, senta-se na poltrona de couro falso, lê o editorial da revista tal, edição do ano passado, que ali está como simples enfeite, até que a mesma ministra do currículo equivocado entra, senta-se à sua frente e passam quarenta e sete minutos discutindo como se faz bolo de fubá. Chegam a algum acordo, ou não, despedem-se sem os protocolares beijinhos, e a convidada, meses depois, descobre que o bolo de fubá queimou e alguém tem de pagar por isso. Adivinhe quem.

Até aí eu estou cá de fora do circo, mais distante dos fatos do que o petróleo das insondáveis profundezas pressalinas está de nós outros. Eis, porém, que sou chamado a entrar no palco.

Explico. O doutor Paulo Marcelo Hoff é homem de uma timidez rara, desses que pedem licença até para olhar nos teus olhos ou te cumprimentar. E é um dos mais renomados cancerologistas do país, cuíca do mundo, como teria dito certo político, ao pretender usar um substantivo para a surrada palavra talvez e que ele havia ouvido num bolero cantado pelo Nat King Cole. É, aliás, co-autor de livro célebre sobre câncer, sendo o outro co- ninguém menos do que o filho do nosso professor Alfredo Buzaid, que, sendo elevado a ministro do STF pela redentora, falo do míope pai, deu lição de direitos humanos fundamentais a muito esquerdista, tenha este o sogro que tiver, se é que percebeu o jeux de mots, meu caro Bernardo Cabral.

Volto ao Paulo Hoff, recentemente homenageado por nosso exemplar vice-presidente da República, de cujo recidivíssimo câncer vem cuidando com zelo e esperança, até porque, "quando Deus quiser me levar, ele não vai precisar de câncer pra isso", como disse o invejável Zé Alencar. Quando, lá se vão dois anos, resolvi brincar de vice-presidente da República e chamei o Walter Sobrado para retirar trinta centímetros de meu longo intestino, coube ao Dr. Hoff e equipe acompanhar as subsequentes sessões de quimioterapia, o que me fazia cruzar com o verdadeiro vice-presidente no festivo hall do Sírio-Libanês, dirigido por meu dileto amigo Jorge Mattar, veja se isso é nome de médico. Encerradas as sessões, venho fazendo acompanhamentos semestrais, sem que nunca, jamais, em tempo nenhum aquele médico tivesse usado a palavra curar ou sugerido que eu estivesse curado. E veja que não uso peruca.

Ora, quando a (im)paciente Dilma Roussef, que nem os cabelos ainda recuperou, afirma que o mesmíssimo Dr. Paulo Marcelo Hoff afirmou estar ela curada do câncer, não posso deixar de lançar o meu protesto, pois está ela, uma vez mais, praticando seu esporte favorito, a dano no nome de um homem seriíssimo, que lhe havia de merecer mais respeito.

Antes de encerrar, volto ao início. O italiano acima referido não era dono de trattoria nem cantor lírico, mas escritor. Sob o pseudônimo de Carlo Collodi ele escreveu um livrinho infantil que nossa ministra certamente nunca leu. Ele narra a história de um hábil carpinteiro que faz um boneco de madeira. Como a madeira viera do pinheiro, ele dá ao boneco o nome de Pinhão, que, em italiano, se diz Pinocchio.