O avanço das ciências serve para nos mostrar que somos menos normais do que pensávamos. Ou, dito de outra forma, aquelas maluquices que cometíamos já em criança não era privilégio nosso, mas sim uma característica de muitos dos nossos semelhantes, que se julgam tão normais como nós nos supomos.
Ainda de calças curtas, fiquei a imaginar o que ocorreria se eu, num desastre, viesse a perder o braço direito. Uma pessoa pessimista pensaria que um desastre o levaria à morte. Eu, otimista, pensava em apenas perder um dos braços. E logo o direito, com o qual eu escrevia e cutucava o nariz. Para evitar as conseqüências daquele fato lamentável, passei a fazer com a mão esquerda tudo aquilo que eu normalmente fazia com a outra, tal como tentar escrever com ela. O resultado foi pífio, mas eu ainda tinha muito tempo pela frente. Eis que um dia leio numa dessas revistas mundanas que certo artista norte-americano, maluco certamente, declarava solenemente que, tendo em vista a possibilidade de vir a perder a mão direita num desastre e patati patatá. Caramba! Nem na loucura eu sou original! concluí e abandonei de vez aquele projeto.
Quando surgiu o computador, vi-me mudando a posição dos botões dele e, muito embora eu seja destro, me divertia acessando os programas com a mão esquerda, numa variação da mesma maluquice da infância, a confirmar que tornar-se adulto é aperfeiçoar-se nos defeitos que se tinha na infância.
Pois acabo de descobrir que não estou sozinho neste hospício em que me encontro. Os cientistas Lawrence Katz e Manning Rubin, depois de estudos e mais estudos, nos ensinam que é necessário fazer exercício físico para manter a forma. Até aí, morreu Tancredo. O que eles patentearam é uma tal de "neurobiótica", isto é, exercício aeróbico para os neurônios, que é o apelido científico das células cerebrais. A senhora que todos os dias levanta sucessiva e alternadamente as pernas, ao som dos berros de sua personal trainer, que pensa que a senhora é surda, o que é feito pela senhora com as conhecidas dificuldades que lhe impõe a idade, mesmo que todos nós sempre digamos que a senhora não aparente a idade que efetivamente tem, agora também deve ocupar-se daquilo que eles chamam de "uma nova forma de exercício cerebral projetada para manter o cérebro ágil e saudável, criando novos e diferentes padrões de atividades dos neurônios em seu cérebro". Ou seja, para que aumente a produção de neurotrofina, esse o nome do estimulante natural de nossas células cerebrais.
São exercícios bem mais fáceis do que o supino esforço de levantar um cano com um peso em cada extremidade, se é que a senhora percebeu o trocadilho embutido na frase. Se não percebeu, cuide melhor do cérebro. Ou de seu vocabulário. Em lugar de levantar peso, o que eles estão propondo é que nós troquemos de mão quando vamos escovar os dentes. És destro? Pois de agora em diante segure a escova com a mão esquerda. Canhoto? Passe a usar a inútil mão direita. Segundo eles, o simples gesto de trocar de mão para escovar os dentes, contrariando a rotina e obrigando a estimulação do cérebro, é uma nova técnica para melhorar a concentração, treinando a criatividade e inteligência e assim.
Eles descobriram que o cérebro tem uma capacidade extraordinária de adaptar-se diante de novos estímulos e mudar o padrão de suas conexões. Ou seja, aquilo que, pela rotina, não era usado, passa agora a ser estimulado.
Cerca de 80% do nosso dia-a-dia é ocupado por rotinas que, apesar de terem a vantagem de reduzir o esforço intelectual, escondem um efeito perverso: limitam o cérebro. Para contrariar essa tendência, é necessário praticar exercícios cerebrais, que farão as pessoas pensarem somente no que estão fazendo, concentrando-se na nova tarefa, o que. É o que escreve a tal dupla dinâmica.
Em suma: a proposta da neurobiótica é você fazer tudo aquilo que possa contrariar as rotinas, dando um drible no cérebro, obrigando-o a um trabalho adicional, o que ocorrerá se você passar a usar o relógio de pulso no braço direito, andar pela casa de trás para a frente, vestir-se de olhos fechados, estimular o paladar, comendo coisas diferentes.
Há conselhos aparentemente banais no manual da nova ciência, tal como ver fotos de cabeça para baixo, ver as horas olhando o relógio num espelho, fazer um caminho novo a cada dia, quando vai para o trabalho.
Acho que podemos aperfeiçoar esse manual, adicionando novas rotinas a nossas vidas, como as que a seguir indico, tudo para estimularmos nosso cansado cérebro, especialmente se você tem, como eu, problemas com a sua DNA. Isto é, data de nascimento antiga.
Recomendo-lhe inverter a mão com que você dá partida no automóvel. Ou com que você pega o pente para ajeitar seus cabelos, se ainda os tiver. Se é destro, penteie os cabelos com a mão esquerda e vice-versa. Se a risca era do lado direito, passe-a para o lado esquerdo. Se era no meio da cabeça, da testa à nuca, faça a risca da orelha direita para a orelha esquerda. Pode não melhorar o teu cérebro mas vai fazer a alegria dos teus amigos.
Se você costuma abrir o zíper da calça com a mão direita, passe a abri-lo com a esquerda. Se você for canhoto, abra então com a mão direita. E continue a operar com a mão invertida depois de baixar a calça e fazer aqueles atos rotineiros que você conhece bem. E não se esqueça de limpar o chão do banheiro, antes que tua mulher descubra aqueles pingos por todo lado. Segurando o pano de chão também com a mão invertida, é claro.
E à senhora, que está rindo do seu marido por causa do conselho anterior, recomendo que faça um bolo. Simples, não? Reúna todo o material sobre a mesa da pia e passe a usar a mão esquerda naquilo em que antes usava a mão direita. Quebrar a casca do ovo com uma só das mãos, como fazem os cozinheiros nos programas de televisão, pra começar. Só que a senhora fará isso com a outra mão, não com aquela de uso comum. Bater clara de ovo com a mão esquerda, para quem é destro, também não é das coisas mais fáceis, mas, com o tempo a senhora consegue.
Um aviso final: aqueles que pensam que tudo isso é bobagem, recomendo que prestem atenção no George W. Bush. Ele vem há anos pondo em prática as lições que conseguiu ler, mesmo com o livro de cabeça para baixo, escrito por aquela dupla citada lá em cima. Foi depois da leitura do Helth, Mind and Body que ele conseguiu ver o mundo sob outro ângulo. O mundo pode ter piorado muito por causa disso, mas o cérebro dele está melhor do que nunca. O pai dele que o diga. Para a senhora ter uma idéia, ele batia continência com a mão esquerda quando da Guerra do Vietnã, onde serviu mesmo sem ter de sair do Texas, onde ajudava crianças a atravessar a rua. Temos de reconhecer: servir na guerra do Vietnã sem sair dos Estados Unidos é levar a quebra da rotina a alturas estratosféricas.