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Preconceitos

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Atualizado em 25 de outubro de 2007 14:21

 

"No mundo todo o índice de assassinatos cometidos por homens é muito maior que o das mulheres, e tipicamente são os homens que lutam nas guerras. Por isso, parece razoável culpar o cromossomo Y pelos apuros em que nos encontramos. Mas, se as mulheres têm a vantagem no quesito pacifismo, talvez não seja porque são habilidosas para consertar o que foi quebrado. Vejo a força das mulheres na prevenção de conflitos e em sua aversão à violência. Mas elas não são necessariamente talentosas para dissipar tensões que já tenham surgido. Essa capacidade, na verdade, é um ponto forte masculino."

Frans de Waal - "Eu, Primata"

Vovô Pitecantropus Erectus, já lá vai um milhão de anos, é considerado a primeira espécie do gênero humano. Saiu da África e avançou pelo mundo afora, chegando sabe-se lá aonde, deixando atrás de si os sinais de sua passagem, que, no limite, deu no comprometimento definitivo do meio ambiente, também chamado "efeito estufa". O primeiro fóssil dessa espécie foi descoberto em 1891 pelo francês Eugène Dubois na ilha de Java, localizada na Indonésia, donde ser o Pitecantropus conhecido como o "Homem de Java". Inicialmente ele não foi reconhecido como fazendo parte do gênero humano, mas, com as descobertas de outros fósseis da mesma espécie, como por exemplo, o "Homem de Pequim", encontrado na capital da China, a classificação dessa espécie como pertencente ao gênero Homo foi sendo confirmada.

Supõe-se que esse nosso antepassado já dispunha da capacidade de imaginar o futuro, condição para que ele se organizasse na busca de alimento, tal como fazem tantos outros animais, como as abelhas, por exemplo, que não só descobrem o alimento como o descrevem aos membros de sua comunidade, indicando distância e quantidade, mediante a famosa "dança do oito deitado", registrada por todos os que estudaram esse simpático inseto. Entretanto, enquanto o cérebro da abelha é do tamanho de uma bíblica semente de mostarda, vovô Piteco tinha um cérebro bem maior do que isso, embora ainda não chegasse ao tamanho do de seus netos atuais.

Ao que tudo indica, ele impunha-se pela força, utilizando as mãos, já funcionalmente distintas dos pés, para empunhar instrumentos e fazer o que fazem seus netos hoje. A exemplo do que fazem gorilas, orangotangos, policiais e executivos de certas empresas, a autoridade era imposta por murros no peito, bocarra aberta, tapas na mesa e outras formas de intimidação. Os subalternos executavam, ao que tudo indica, os mesmos rituais dos chimpanzés de hoje, curvando-se à autoridade do primata alfa e fazendo-lhe afagos subservientes, como a continência dos militares dos dias atuais ou a bajulação dos subalternos interessados em promoção nas grandes empresas. O problema é que havia um outro animal muito mais forte do que ele, a julgar pelo barulho que fazia lá em cima das árvores, tão acima que nem dava para vê-lo. Além do barulho intimidatório, o animal desconhecido não atirava lanças de madeira, como era comum entre eles, mas lanças de fogo, que incendiavam o mato e árvores, obrigando os Pitecantropus a esconder-se nas cavernas, onde registravam o temor de, se aquela fúria não fosse contida, não terem o que caçar. No entanto, o registro do temor em desenhos rupestres não era suficiente para acalmar o animal desconhecido. Era preciso fazer algo mais, como ofertar-lhe presentes. Se ele gostava tanto do fogo, por que não lhe ofertar cerimônias onde eles mesmos escolhessem quem deveria ser sacrificado em honra do animal desconhecido ? Vovô Pitecantropus já estava enterrado havia milênios e esse hábito de acalmar o animal raivoso com sacrifícios de crianças transformadas em churrasco ainda existia entre os descendentes dele. Veja no Velho Testamento o capítulo 11, versículos 7 e 8, do terceiro livro dos Reis para saber do que estou falando.

Não só existia como ainda existe. A preocupação em imitar o grande e invisível animal furioso, do qual os descendentes do Pitecantropus se dizem "imagem e semelhança", chegou ao cúmulo de também enviarem lá do céu, não mais raios que queimam árvores e pastos, mas bombas que queimam casas e pessoas, militares ou civis, adultos ou crianças. Isso em nome da civilização e da religião, registre-se.

O fato é que o Pitecantropus e seus descendentes passaram a ocupar o tempo tentando descobrir o que o animal invisível e furioso lá de cima queria que fosse feito para acalmar-se. E inventaram regras e princípios, que, no limite, significavam "isto o animal furioso me disse que quer que seja assim", "isso o animal furioso disse que não quer que seja feito ou ele fica ainda mais furioso". O nome que deram a esse animal furioso também não tem a menor importância, pois, que é um nome ? O que importa é que, enquanto a ciência caminhava no sentido de conhecer cada vez mais o desconhecido, pessoas bem ou mal intencionadas se puserem a aplicar regras e princípios para dizer o que pode e o que não pode ser investigado cientificamente, tudo em nome da vontade do animal furioso lá do alto da árvore.

O centro do Universo, como podemos ver claramente, é o planeta Terra, onde, aliás, vive o animal furioso. Qualquer pessoa sabe disso. Logo, dizer o contrário será provocar a ira divina. Logo, ponham-se no fogo (sempre o fogo do inferno !) os Galileus, os Giordanos Brunos e todos os outros que ousem desafiar o animal furioso, cuja vontade é presumida a partir de indícios, mesmo que isso se chame preconceito: conceituar mesmo sem ter como comprovar a verdade que se afirma.

Um salto para o século XXI, para a pós-modernidade e vemos uma sociedade que se diz avançada questionar uma pesquisa científica. Não é mais uma autoridade religiosa quem diz que isto pode e aquilo não pode ser estudado, que isto pode e aquilo não pode ser dito, que este tabu deve ser aceito por mais absurdo que seja. Não. Agora é um grupo de cientistas que diz ao professor doutor James Watson, nada menos do que ganhador do prêmio Nobel por suas descobertas a respeito da estrutura do DNA, que ele não pode dizer se os negros são mais ou são menos inteligentes do que os brancos. Isso é simplesmente um atentado à ciência feito, não mais por sacerdotes, mas por cientistas !

Ou seja, se eu disser que as nádegas das mulatas são incomparavelmente mais bonitas do que as horrorosas nádegas das inglesas, tudo bem. Se eu disser que os magérrimos africanos são mais aptos do que os bem nutridos alemães para vencerem a maratona, isso é afirmação científica. Se eu disser que o caucasiano Cristiano Ronaldo não pedala com a elegância do negro Robinho, eu estou rendendo homenagem aos negros. Agora, se eu digo que não houve ainda mulher que escrevesse algo semelhante ao que escreveram Bach, Beethoven, Tchaikovsky, Mozart e tantos outros compositores de igual quilate eu serei enquadrado em alguma lei que pune o preconceito. Que preconceito ? Isso é um fato e um fato só pode ser desmentido por outros fatos. Não basta dizer que a mulher isto e a mulher aquilo. O fato é que não houve mulher que se igualasse a esses autores masculinos. Ponto final. O mais é repristinação do Santo Ofício.

O mesmo vale para a equiparação entre homens brancos, negros, amarelos e que outra cor tiverem. Transformar equiparação jurídica em igualdade fática é, quando menos, burrice.

Por falar em primatas, não é descabido lembrar que a ciência considera tanto o homem como o gorila, o orangotango, o chimpanzé e o bonobo integrantes de um mesmo grupo: os primatas. Graças ao mesmo doutor Watson, sabemos hoje que 98% do DNA dos chimpanzés são idênticos ao do primata superior, que se denomina homo sapiens. Ou seja, o que nos separa dos chimpanzés e dos bonobos, os primatas mais próximos de nós, são míseros 2%, número que estatisticamente é quase irrelevante. Segundo Frans de Waal, primatólogo respeitado mundialmente, há no comportamento dos chimpanzés e dos bonobos claros sinais de que certos comportamentos humanos não são originais. A prostituição, por exemplo, aparece entre os bonobos, pois não é raro ver-se uma fêmea oferecer-se sexualmente a um macho que esteja carregando alimento. Enquanto ele desfruta da oferta feita pela fêmea, ela simplesmente devora o alimento que era destinado a ele. Aliás, os bonobos se notabilizaram porque, ao contrário do que fazem os chimpanzés, não resolvem suas divergências na violência, mas por meio de jogos sexuais. Em média um bonobo participa de algum jogo sexual a cada duas horas, seja entre macho e fêmea, seja entre fêmea e fêmea ou macho e macho. Segundo Waal, o autor do Kama Sutra ficaria envergonhado com a criatividade dos bonobos, em matéria de jogos sexuais. Entre os chimpanzés, ao contrário, a liderança do grupo é imposta pela força. Entretanto, não está afastada a hipótese de algum macho inferior unir-se a outro, tal como fazem os políticos, para, juntos, destronarem o líder. Com a vitória surge a questão crucial: qual dos dois assumirá a liderança ? Se um deles o fizer, o primitivo chimpanzé alfa retornará com sua força e recuperará o posto. Logo, a solução é os vencedores dividirem as atividades próprias de um líder. Algo muito semelhante ao que fazem os nossos congressistas em suas concessões mútuas.

Dizer que um jogador africano de algum time francês ou inglês é mais parecido com um bonobo do que com um caucasiano será ofendê-lo ? Aqueles lábios enormes, aquele nariz achatado, as narinas grandes, os olhos negros e pequenos, próximos do nariz, alguém já viu um escandinavo com tais características ? Isso é de considerar-se ofensa ou constatação científica ?

Sabemos que ao longo do tempo sempre houve restrições à pesquisa científica, em atenção, por exemplo, à dignidade humana. Ou à anima nobile, como se costuma dizer.

Um fato, porém, é inconteste: não há religião sem dogmas. A fé religiosa do ser humano não se refere propriamente a Deus, mas ao que algum iluminado diz que Deus lhe disse. Sem aceitação disso, você estará fora daquela religião. Por outro lado, não pode haver ciência dogmática. A verdade científica é prova inequívoca de que só os tolos acreditam na verdade. Como diz o respeitado Stephen Hawking, no seu Uma Nova História do Tempo, "qualquer teoria científica é sempre provisória, no sentido de ser apenas uma hipótese: nunca é possível prová-la. Não importa quantas vezes os resultados dos experimentos estejam de acordo com alguma teoria, você nunca poderá ter certeza de que, na próxima vez, o resultado não a contradirá".

Que se respeitem as opções religiosas de quem precisa delas, mas há, por outro lado, que se lutar para que não se impeçam, por temor a suscetibilidades, pesquisas científicas, por mais desagradáveis que possam vir a ser seus resultados, que, certamente, sempre serão cientificamente questionáveis, a justificar novas pesquisas e, talvez, conclusões diferentes das anteriores.

Até porque o mundo pur se muove.