"A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor: brilha tranqüila, depois, de leve, oscila, e cai, como uma lágrima de amor".
(Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim)
"Ser feliz é poder perceber a si mesmo sem temor".
(Walter Benjamin)
Pretendendo escrever um livro sobre a felicidade, indaguei de vários amigos se eles se consideram felizes e o que entendem por isso. "Honestamente, precisei parar e pensar a respeito. A vida é tão corrida, tão cheia de altos e baixos, que na maioria das vezes me sinto tão cansada que nem perco tempo para me lembrar se estou feliz ou não" escreveu uma amiga. "Acredito que a sensação de felicidade depende de momentos: instantes em que atingimos, sem qualquer constatação objetiva, um completo bem estar físico e emocional. É uma rápida harmonia do nosso interior com as coisas que nos cercam. É um desapego instantâneo de tudo o que, direta ou indiretamente, nos leva ao sofrimento" diz outro. "É um estado de espírito, em que os ânimos o impulsionam positivamente para você enfrentar os desafios do mundo. Acho que a felicidade se estabelece quando conseguimos êxitos nos desdobramentos do dia-a-dia e também quando enfrentamos com sabedoria as frustrações, desencontros e enganos" diz uma terceira pessoa. "Não só me considero como sou feliz, na maioria do tempo. Mas, felicidade não é um monumento consolidado em pedra ou bronze, e sim uma conquista de momento a momento. Portanto só é feliz quem consegue construir a felicidade. Felicidade é apenas uma crença, uma criação emocional do próprio ser humano" filosofa um quarto.
Não sei se vou escrever o livro, pois continuo achando que não há felicidade. O que há são momentos felizes, o que é um mero jogo de palavras, reconheço. Mas acabo de tomar conhecimento de uma interessante conclusão de pesquisadores não sei de onde que consultaram várias pessoas fazendo a pergunta inversa: "que lhe proporciona infelicidade ? ". Sabendo o que é infelicidade, talvez descubramos o que é o seu inverso.
Número elevado de pessoas afirma que sua infelicidade está na televisão. Esclarecendo: depois que inventaram a TV, acabou-se aquela conversa gostosa com os familiares e os amigos depois do jantar, ou sentados na calçada. Não mais tertúlias literárias, não mais roda de samba (a pesquisa foi realizada no Exterior, mas vale a extrapolação). TV significa pouquíssimo ganho e muitíssima perda cultural, eis a conclusão dos pesquisadores. Já passei por isso. Voltando do Exterior, fomos visitar duas irmãs, amigas da Maria Helena. Não nos víamos há mais de ano e quando chegamos a televisão estava ligada. As duas conversavam conosco tendo um olho no gato e outro na telinha. Chegando a pizza, imaginei que a TV seria desligada. O máximo que fizeram foi diminuir o som e sentarem-se ambas em posições estratégicas para não perder nenhum daqueles valiosos momentos que estavam sendo apresentados na tal novela, que, tanto quanto me consta, é uma mesmice só. Saímos de lá sentindo-nos duas pessoas inconvenientes.
Outro item foi o carro de luxo, que, para a maioria, causa mais preocupação do que prazer. Houve tempo em que as pessoas se exibiam exibindo o seu automóvel. Era um autêntico alter ego, uma amante, que na Itália tem até nome feminino: machina. Hoje, segundo constatou a tal pesquisa, carro é sinal de transtorno, algo que se usa porque se deve usar, como óculos ou dentadura. Ninguém deixa de ser quem é porque deixou os óculos em casa ou porque saiu sem a dentadura. Isso causará alguns contratempos, mas nada que nos leve ao desespero. É só manter a boca fechada e abrir bem os olhos e tudo está resolvido. Carro é a mesma coisa: eu, pelo menos, prefiro tomar táxi. Dirigir pela avenida 23 de maio, tendo entre o seu automóvel e o carro do lado motocicletas e mais motocicletas passando a toda velocidade, muitas vezes com o motoboy apontando o céu com o dedo médio da mão direita, só pode agradar os masoquistas. Dia destes eu contei dezoito motocicletas que me ultrapassaram uma em seguida a outra naquele zum zum zum infernal. Dezoito!
Grande número de pessoas concluiu que isso de "não saia de casa sem ele" pode se referir ao sapato ou ao guarda-chuva, mas cartão de crédito só é bom para uma coisa: enriquecer a Visa, a Mastercard e a American Express. Ou os clonadores. Fuja dele, dizem os pesquisadores. Cito novamente a Maria Helena: num mesmo dia, ela fazia compras em São Paulo e compras em Madri, pagando com o mesmo cartão. Globalização é isso!
O telefone celular é outra causa de enorme infelicidade. Na Noruega, segundo ali se diz, as crianças nasciam já com os patins nos pés. As mães foram queixar-se a Odin, pois isso lhes causava às mães algum transtorno no momento do parto, e ele deu um jeito na coisa: em lugar de patim, elas nascerão com um telefone celular na mão, decretou ele. E até em carrinho de bebê talvez ali se encontre telefone celular guardado. Os adultos falam sozinhos nas ruas, parecendo, ao estrangeiro, um bando de malucos. É que na lapela eles trazem um minúsculo microfone com os quais vão matraqueando enquanto fazem suas caminhadas com as mãos no bolso, por causa do frio. Coisa de louco! Num ônibus vi duas crianças, de menos de 7 anos, falando ao celular. Acho que era algum assunto importantíssimo, como um chá de bonecas.
Outros itens mais foram abordados na tal pesquisa. Um deles, porém, me fala ao coração. O vinho causa infelicidade, concluiu a tal pesquisa. Não qualquer vinho, esclareço.
De fato, um curioso fator de infelicidade é comprar um vinho de US$ 200.00. Isso diz comigo. Não ponho uísque na boca nem se houver determinação médica. Gosto de remédio por gosto de remédio prefiro o óleo de fígado de bacalhau, para recordar a Noruega mais uma vez. Mas um vinho tinto chileno eu não dispenso. Um malbec portenho também me cai bem, até porque sou louco pelo Piazzola, que bem poderia ser nome de vinho. Não sou tão entendido como o Renato Machado, que a ex-mulher diz que quando moravam juntos não distinguia guaraná da Brahma do guaraná da Antarctica. "Veja como eu progredi com a separação" certamente retrucará ele. Verdade que não passo da segunda taça, mas que satisfação! Como não chego às tamancas do professor Jorge de Figueiredo Dias, das quais não sou digno nem de tirar o pó, gastar mais do que US$ 20.00 numa garrafa de vinho é caso de interdição. Imagine-se o que me aconteceria se, surtado a mais não poder, eu viesse a desembolsar os tais duzentos dólares para comprar um vinho apenas razoável! Ficaria, como os pesquisados, tremendamente infeliz.
Vejo, porém, na Internet, que a casa Romanée-Conti está promovendo os vinhos de sua famosa domaine, a preços convidativos. O site da casa nos informa que tout ici est mis en oeuvre pour ne produire que des grands vins de garde, algo que você deve levar em consideração no momento da compra. La biodynamie a pris depuis une dizaine d'années une part différente sous la houlette nouvelle de Henry Frédéric-Roch, un des deux co-gérants du domaine avec Aubert de Villaine, prossegue a peça publicitária. Toutes les appellations proposées sont au sommet de l'élégance et de la profondeur, en progrès évidents sur la dernière décennie. Não entendeu? Deixa pra lá. É aquela ladainha costumeira dos comerciais.
O sempre citado site traz um esclarecimento muito importante a todos aqueles que estão interessados na compra do tal vinho. Ils ne sont mis en vente qu'au bout de trois ans, en caisse panachée, avec une seule bouteille de Romanée-Conti. Caisse eu sei que quer dizer caixa, mas esse panachée é que são elas. Seria uma garrafa enfeitada com penachos?
Na verdade, minha infelicidade não está em não ser tão bom no francês ou não poder gastar entre 8.341,00 et 8.759,00 EUR, como diz o mesmo site, para sorver um único exemplar da safra de 1961. Isso para mim é dinheiro de pinga, como se diz em Ribeirão Preto. Minha infelicidade está em não ter lugar onde colocar todas as pessoas que eu gostaria que me vissem tomar isso até cair de bêbado diante delas. Enquanto isso a elas eu mandaria meu mordomo servir um autêntico Sang de Bouf, safra 2001, de Bento Gonçalves.
Salut!