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Barco à deriva

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

Atualizado em 24 de agosto de 2006 13:39

"La historia del fútbol es un triste viaje del placer al deber. A medida que el deporte se ha hecho industria, ha ido desterrando la belleza que nace de la alegría de jugar porque sí"


(Eduardo Galeano)

Jung, quando tinha minha idade, dizia que é muito duro ser um velho nos dias de hoje. Se vivesse no Brasil e gostasse de futebol certamente ele diria: "It is harder to be a Corinthians Football Team's fanatic". Ou, dito de outro modo: es muy difícil hoy dia ser un hincha del club de Carlitos Tevez, muchacho.

Nascido em 1910, o timão, que os almofadinhas chamam, depreciativamente, de time do povo, atravessa o momento mais difícil de sua vida quase centenária. O time da Marginal, como dizem alguns detratores, para fazerem chiste com o local da sede do clube, conhece atualmente momentos tormentosos. E a palavra tormenta vai muito bem no caso. Time ambíguo até mesmo no apelido, que, para muitos, indica o aumentativo da palavra time. Entretanto, veja bem o distintivo. Que se vê ali? Dois remos, uma âncora e uma bóia salva-vidas. Dois remos e uma âncora no brasão de um time de futebol? Curioso é que o conjunto desses três elementos indica precisamente um timão, que é o nome que leva aquele objeto com que o capitão acerta o rumo do barco, por sinal, um tanto sem rumo ultimamente. Essa era, pelo menos, a intenção do seu autor, o pintor Francisco Rebollo Gonsales, que, por sinal, foi jogador do time, de 1921 a 1927. É o que está num depoimento dado pela filha dele ao Museu da Imagem e do Som.

Em 1913 havia na Liga Paulista de Futebol, criada por clubes dissidentes da Liga Paulista de Football, apenas três clubes inscritos: Americano, Germânia e Internacional, que eram considerados os três mosqueteiros. Como os mosqueteiros do Alexandre Dumas eram quatro, aceitou-se a inscrição do D'Artagnan, único a permanecer até hoje, conservando o apelido. O Germânia desligou-se do futebol e deu origem ao Esporte Clube Pinheiros que ainda existe, ali perto do Shopping Iguatemi; o Internacional, ao fim de várias fusões, tornou-se o São Paulo Futebol Clube, que, depois de viver no varzeano bairro do Canindé, mudou-se para local mais chique, o Morumbi. Já o Americano recebeu tal nome por haver sido fundado por membros do Colégio Mackenzie. A Universidade aí está, mas o time não durou muito. A aversão dos norte-americanos pelo soccer vem de longe!

O Corinthians, quando fundado por meia dúzia de operários, era para ser chamado Santos Dumont ou mesmo Novo Castelo, este em homenagem ao New Castle, da Inglaterra. O nome escolhido também foi uma homenagem a um clube inglês, sendo que o brasão atual é a estilização daquele criado por Rebolo, no início dos anos 20.

Durante muito tempo foi, de fato, como consta de seu hino, "o time mais brasileiro", pois, xenofobamente, só aceitava jogadores nascidos no Brasil. Ou só africanos, como zoavam os palestrinos. A lembrança dos inesquecíveis Cláudio e Luizinho, duas de suas glórias, desmente a fama que os adversários espalhavam. Houve, de fato, o Baltazar, o Oreco, o Zé Maria e tantos outros não-brancos, da mesma forma como o São Paulo, com sua fama de elitista, não deixou de contratar jogadores por causa da cor da pele. O Zizinho que o diga. Em São Paulo jamais houve o que, durante algum tempo, ocorreu no Rio de Janeiro: os jogadores só entravam na sede do clube pela porta dos fundos, nem que se chamasse Friedenreich. Até porque, embora tendo por pai um loiríssimo alemão, tinha por mãe uma lavadeira mulata. Já o temperamental Heleno de Freitas, esse tinha até direito a casamento no Copacabana Palace e contar com o mesmo alfaiate do Getúlio Vargas, branco que era.

Pois o nosso Corinthians aí está singrando um mar de abrolhos, às vésperas de completar o centenário. E brigando com o Flamengo, outro time do povo, para ver quem escapa do vergonhoso rebaixamento para a segunda divisão, algo impensável para muitos.

Dia desses, a torcida se pôs a vaiar os jogadores: "mercenários, mercenários, mercenários". Dizem as más línguas que o Carlitos Tevez, pouco afeito à língua do país onde joga, se teria admirado, com aqueles bugalhos lá dele: "¿ cómo pueden decir que soy carpintero si no se usar ni un martillo, ni un serrucho, ni clavar un clavo ?"