COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Circus >
  4. Pessimismo ou otimismo?

Pessimismo ou otimismo?

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Atualizado em 6 de janeiro de 2011 14:20

 

Alguns leitores dos meus textos me escrevem para referir-se ao meu pessimismo quanto à Magistratura brasileira.

Não sou a melhor pessoa para julgar tais julgamentos mas tenho a consciência de haver procurado, ao longo desses setenta anos de vida, manter-me longe de dois extremos: o pessimismo e o otimismo. A meu ver, o pessimista, no fundo, é alguém que não tem coragem de suicidar-se nem de arregaçar as mangas e ir à luta. Quanto ao otimista, é um idiota com miopia.

Diante de um copo com vinho pela metade, dirá o tal otimista: "Oba! Tenho meio copo de vinho." Ao que o pessimista diria: "Puxa. Lá se foi meio copo de vinho." Rigorosamente, ambos estão certos: "Eu tinha um copo de vinho, agora tenho metade de um copo de vinho porque já bebi meio copo de vinho." É o que diria uma pessoa realista.

Dizer que, no fundo, tudo, a final, dará certo, como se espera de um otimista, é desconhecer a história do universo. Muitas das estrelas que admiramos à noite não mais existem, o que só saberemos daqui a alguns séculos/luz. Viver é iludir-se? Ou então não sabe explicar devidamente o que quer dizer esse "dará certo". Se a espingarda do caçador, diante do tigre, falha, pode não ter dado certo para ele, mas, pergunte ao tigre o que ele acha disso. De outra parte, pensar sempre no pior é desconhecer tudo o que, ao longo da História, homens e mulheres notáveis nos trouxeram no sentido de aperfeiçoamento da obra que receberam de seus antepassados.

Falemos da Magistratura.

"O CNJ decidiu, nesta terça-feira (20/4), aposentar compulsoriamente a juíza Clarice Maria de Andrade, que manteve por 26 dias uma adolescente presa em cela masculina com cerca de 30 homens, na delegacia de polícia de Abaetetuba/PA. Os conselheiros do CNJ acataram por unanimidade o voto do conselheiro Felipe Locke Cavalcanti que é relator do Processo Administrativo Disciplinar (200910000007880) contra a juíza. 'Este é um caso doloroso e emblemático, que chama atenção para a responsabilidade dos juízes sobre o que ocorre no sistema prisional', enfatizou o presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do relator."

Acredite ou não, o que se transcreveu e sobre o que se poderia derramar muita tinta, está no site do CNJ (clique aqui). Deixo aos leitores os comentários que, certamente, o caso merece.

Essa notícia te deixa "mais pessimista" ("o Poder Judiciário está cada vez pior") ou "mais otimista" ("agora a coisa vai")?

Realisticamente, digo apenas que muito do que eu tinha a dizer sobre isso está num livrinho recente, que tem feito algumas pessoas me escreverem para concordar ou discordar do que ali está escrito. Para compararmos nossas experiências, enfim.

No mesmo site lê-se que:

"O presidente do CNJ e do STF, ministro Gilmar Mendes, assinou na tarde desta terça-feira (20/4), durante a 103ª sessão plenária do CNJ, acordo de cooperação técnica com o TSE, o MJ e outros órgãos e entidades que estabelece a garantia do direito de voto para presos provisórios e adolescentes em conflito com a lei privados de liberdade. 'Certamente, vamos marcar as próximas eleições a partir desse importante passo em respeito à valorização da Constituição Federal e ao fortalecimento da cidadania', destacou o ministro."

Aposentei-me há alguns bons lustros, depois de chegar a desembargador, como sabeis. Como simples juiz de Vara e, cumulativamente, Juiz Eleitoral, enviei certa ocasião ao TRE/SP um ofício dizendo mais ou menos o que disse agora o Ministro Gilmar Mendes. A resposta ao ofício só me chegou às mãos depois da eleição, fazendo referência às dificuldades que o reconhecimento do óbvio direito de voto dos que não perderam os direitos políticos traria se seus titulares estivessem presos. Ou seja, cumpre-se ou não se cumpre a Constituição conforme seja fácil ou difícil. É isso?

Há pouco mais de um ano, como advogado e cidadão, dei ciência, em nome da cliente, ao TRE/SP de um fato que, certamente, ocorre em muitos (ou todos) os municípios do Estado.

Em síntese, cuida-se disto: a Justiça Eleitoral de certo município paulista apresenta singularidade que insta seja expressamente apreciada por aquele Tribunal. Sabe-se que o Código Eleitoral, no art. 30, XII, diz competir privativamente aos Tribunais Regionais "autorizar, no Distrito Federal e nas Capitais dos Estados, ao seu presidente e, no interior, aos Juízes eleitorais, a requisição de funcionários federais, estaduais ou municipais para auxiliarem os escrivães eleitorais, quando o exigir o acúmulo ocasional do serviço."

A lei é clara: a requisição de servidor de outro Poder se dará em caráter excepcional, pois a regra é a Justiça Eleitoral funcionar com servidores do Poder Judiciário. Só em caso de "acúmulo ocasional" é que se justifica esse absurdo: uma atividade importantíssima, como é o serviço eleitoral, sendo exercido, "por delegação", por membros do Poder Executivo Municipal.

De fato, o tal município possui duas zonas eleitorais. A chefe do cartório da segunda Zona Eleitoral é a Sra. Fulana de Tal, funcionária concursada pelo TRE/SP. Entretanto, todos os demais funcionários que ali trabalham são funcionários públicos municipais, na sua maioria ocupando cargos em comissão, ou seja, são pessoas da mais absoluta confiança do Alcaide. Não trabalham ali temporariamente, em face de "acúmulo do serviço", mas o fazem em caráter permanente.

Na outra Zona Eleitoral daquele município a coisa é pior: todos os que ali trabalham são funcionários públicos municipais que exercem cargo em comissão, de confiança do Prefeito Municipal, inclusive a chefe do cartório.

Naquele município (só lá?), a exceção virou regra: a não ser a chefe de um dos dois cartórios eleitorais, todos os servidores que ali prestam serviço estão hierarquicamente subordinados ao Prefeito. Sendo ele candidato à reeleição, praticamente todos os servidores da Justiça Eleitoral ficarão sob o poder de um dos candidatos a Prefeito, violando a regra constitucional e as normas legais que exigem o tratamento isonômico dos candidatos. O mesmo se diga dos candidatos a outros cargos apoiados pelo Prefeito.

Talvez porque ainda seja difícil cumprir a Constituição, salvo engano, a situação continua a mesma até hoje e será a mesma sabe-se lá até quando.

Deixando de lado otimismo e pessimismo, peço ao leitor que vá ao cartório eleitoral do município onde mora, conte quantos funcionários ali trabalham e procure saber quantos deles não estão sujeitos hierarquicamente ao Prefeito.

Aproveite e meça qual a distância entre o gabinete do juiz e aquele cartório e, se não for pedir muito, pergunte quantas vezes ao mês o juiz eleitoral visita correcionalmente tal repartição sujeita, em tese, à sua fiscalização. E tire suas próprias conclusões.