"Louco é alguém que perdeu tudo, menos o juízo."
Gilbert Keith Chesterton
Tenho um respeito muito grande pelos perturbados mentais, talvez porque tenha conhecido, há tantos lustros, os tormentos da síndrome do pânico, essa doença elitista que já atormentou gente muito mais importante do que eu. Está aí o divertido Mário Prata que não me deixa mentir. Quando se enamorou de uma bela cantora portuguesa, lá se foi ele de mala e bagagem para a santa terrinha dela. Bateu-lhe o pânico e ele veio correndo para o solo materno. Tempos depois descreveu, com humor, os conselhos que os pretensos amigos lhe deram para sair daquilo. Alguns diziam que aquilo era excesso de mulheres em sua vida; outros diziam que era carência de mulher. Uns diziam que ele estava bebendo muito; outros recomendavam um porre.
Alguns atores e atrizes que você não mais vê na tela ou no palco devem essas férias forçadas ao angustiante pânico, que vem a partir de nada, racionalmente falando. De repente, a pessoa se convence de que aquele satélite espacial que os jornais dizem que se está desintegrando vai cair na cabeça dela. E por mais que os amigos argumentem que isso não tem lógica, a pobre senhora respondia com toda lógica: que ele vai cair na Terra todos garantem; pode cair no mar ou em terra firme; quem garante que esse lugar em terra firme não é justamente aquele local em que eu vou estar quando isso ocorrer. "Bem, quer dizer." Viu como eu tenho razão?
Também conheci as não menos tormentosas noites infindáveis da depressão, que um filme delicado retrata à perfeição. A fotografia e a música de As Horas, com interpretações magníficas de três atrizes de primeira grandeza, mostram que aquilo é mais do que apenas uma homenagem a Virgínia Wolf, uma dentre tantos escritores atormentados por seus demônios interiores, que a escrita não conseguiu exorcizar completamente, mas uma autêntica moção de respeito a todos os que conheceram esse terrível caminho em direção às trevas, como disse um deles, o escritor William Styron, autor do emocionante livro Escolha de Sofia, que, transformado em filme, tem, coincidentemente, como atriz principal uma das três a que me referi acima, a Meryl Streep. O fato real é que, em 1941, em uma crise de depressão profunda, Virgínia, tal como se mostra no filme, encheu os bolsos da roupa com pedras e entrou no rio que passava perto de sua casa, para afogar os seus fantasmas, e de lá não retornou viva.
Para quem não imagina o que seja isso, faço uma comparação: imagine que você está dentro de uma gaiola de vidro. As pessoas passam próximo à gaiola e não ouvem o que você diz. Nem te olham. Em compensação, você também não ouve o que elas te querem dizer. Com isso, você vai-se voltando para si mesmo e, no limite, fala apenas consigo. "Não adianta eu falar, pois eles não escutam", eis o que você diria em tal situação. E tome introversão.
Em todas as cidades sempre há um louquinho, como o Zé do Arquinho, em Nova Granada, que, passando diante da janela de meu escritório, na casa onde ele sabia que eu morava, me mostrava as duas mãos espalmadas e os oito dedos cruzados quatro a quatro, a significar a cela para onde eu estaria mandando algum réu. Era atencioso com todos. Alguém que ainda não o conhecia estava a manobrar o automóvel e ele, solícito: "vem!, vem!, vem!". Até que o confiante motorista, sempre indo em ré, bateu seu automóvel no carro estacionado atrás dele. "Vem que bate!" disse agora o doido, dando pulos e batendo palmas de satisfação.
No bairro em que moro há um que carrega no carrinho de feira pacotes e mais pacotes. Como reside na rua, aquilo parece coisa de Sísifo. Pergunto-lhe o que traz naquele carrinho e ele desconversa, preferindo falar do telefonema que irá dar ao Prefeito, para que mande limpar aquela rua, que está muito suja, onde já se viu um desmazelo desses, o senhor não acha? O que ele arrasta para cima e para baixo é o seu segredo e o seu tesouro.
Conheço um outro personagem, que todos os conhecidos reputam lúcido, e que pagou uma fortuna por um quadro pintado por alguém famoso. Deixa-o, porém, guardado no cofre forte de um banco, pois se pendurar na parede da sala ou do escritório, poderão roubá-lo. Qual a diferença entre esses dois doidos?
Minha sogra apresenta há muitos anos um quadro de demência, que alguém já diagnosticou com nome pomposo: Mal de Alzheimer. Um jovem psiquiatra, muito prático, foi curto e grosso: para saber se realmente é isso um autêntico Alzheimer, eu teria de submetê-la a muitos exame e testes. Será necessário? É claro que não. O que importa é que ela não tem memória para fatos presentes. Se você viu o filme Procurando Nemo, lembra-se daquela simpática peixinha que vivia perguntando vezes e vezes a mesma coisa ao pobre pai do Nemo, este também um ser apresentava um defeito, este físico, numa das nadadeiras, o que mostra a sensibilidade do diretor do desenho animado, a falar de coisas que muitas pessoas preferem esconder. Pois aquela simpática peixinha deve ter sido inspirada na dona Adélia, que faz a mesma pergunta vezes e vezes, irritando quem, achando-se pessoa normal, é incapaz de entender uma coisa tão simples: a memória daquela octogenária não tem mais espaço para armazenar mais nada. Não é assim com o computador?
Meu interesse por pessoas desse tipo me leva a fazer com minha sogra algumas experiências, o que me obriga a entrar no mundo dela, até porque ela não tem condição de vir até o meu. Quem desconhece meu real propósito, pode ver nisso um exercício de sadismo. Paciência!
Em um jantar de fim de ano que celebramos com o casal de velhos em um restaurante da cidade, fazia parte da refeição uma taça de champanhe, como é de praxe. "Que é isso?" ela me pergunta. "É guaraná" digo a ela, que leva a taça à boca e toma um gole. Faz uma careta e me chama de mentiroso. Menos de dois minutos depois ela faz a mesma pergunta e eu lhe dou a mesma resposta. Ela leva a taça à boca, toma um gole, faz uma careta e novamente me xinga. Essa maluquice repete-se cinco, seis vezes e eu tentando saber quanto da experiência desagradável poderia produzir, pavlovianamente, um desbloqueio naquele cérebro. Inútil. Se eu não resolvo afastar a taça, aquilo se repetiria interminavelmente a noite toda, para desencanto do cientista russo e meu.
Por vezes faço uma de minhas especialidades sonoras: imito Orlando Silva ou Nélson Gonçalves, pois ela gosta muito de música, dizem que tocava piano muito bem quando era moça e parecia a Elizabeth Taylor:
"Boemia,
aqui me tens de regresso,
e, suplicante, te peço..."
E dona Adélia, no mesmo tom e no mesmo ritmo:
.. a minha nova inscrição."
Impressiona-me também que ela, que consta haver sido uma mulher muito inteligente, ainda tenha lapsos disso, o que surpreende os desavisados. Vínhamos da praia no mesmo automóvel e ao lado de nossa estrada aparecia a nova pista da Rodovia dos Imigrantes. Ela se surpreende. "Aonde vai aquela estrada?", indaga. "Dona Adélia, acho que ela não vai a lugar nenhum. Vai ficar sempre parada aí." Ela imediatamente estoura numa gargalhada e me dá um carinhoso tapa nas costas. "As pessoas falam tanta besteira quando não pensam antes de abrir a boca, é ou não é?", observa a sábia.