25 anos da Lei de Arbitragem: O exemplo do sucesso brasileiro
terça-feira, 28 de setembro de 2021
Atualizado às 08:33
Em 23 de setembro de 2021 completou-se 25 (vinte e cinco) anos da promulgação da lei 9.307/96 ("Lei de Arbitragem").
A arbitragem se desenvolveu lentamente no Brasil e sofreu com as desconfianças a respeito da alegada inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei de Arbitragem. Em 2001, tal questão restou sepultada, por meio do magistral julgamento proferido na Sentença Estrangeira Contestada nº 5.206/ES1. Seguindo na rota do progresso e da modernidade, em 2002 o Brasil ratificou a Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de 1958, inserindo o país, definitivamente, no rol de lugares confiáveis ao redor do globo para sediar e processar arbitragens internacionais2. Por fim, encampando as orientações trazidas pela jurisprudência dos tribunais, em especial a do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), o legislador promulgou a lei 13.129/2015, aprimorando, ainda mais, o sistema arbitral brasileiro.
Com a evolução legislativa e jurisprudencial acima mencionada, pode-se afirmar com segurança, que o Brasil é um case de sucesso da arbitragem. Sucesso que se deve não só ao legislador, mas também à comunidade arbitral como um todo, como advogados, sejam eles externos ou integrantes de departamentos jurídicos das empresas, árbitros atuantes nessa seara e as instituições arbitrais. Esses players representam a verdadeira força motora da arbitragem, pois conhecem suas especificidades e sabem conviver de forma harmoniosa dentro do sistema arbitral.
Ainda que o sistema arbitral brasileiro esteja plenamente consolidado e que uma "cultura arbitral" já exista entre aqueles que atuam nessa seara, para que o Brasil continue mantendo um sistema arbitral hígido e continue a ter sucesso, alguns pontos ainda merecem atenção dos usuários da arbitragem, em especial, as partes, advogados, árbitros e instituições arbitrais:
- a cláusula compromissória a ser inserida em determinado contrato deve ser cheia e elaborada para o caso concreto. Além de todos os requisitos tradicionais que a tornem autoexecutável, incluindo a menção à Lei de Arbitragem, ao número de árbitros, à lei aplicável ao mérito e ao procedimento, bem como a sede, é imprescindível que se indique uma instituição que administre o procedimento3. Por mais que a legislação brasileira não vede a arbitragem ad hoc, o uso de regulamentos arbitrais certamente conferirá maior segurança e previsibilidade às partes contendentes4;
- a escolha de árbitros deve ser feita com cautela e rigor. A arbitragem vale o que vale o árbitro5, de modo que a sua seleção deve ser feita com base no caso concreto, precedida, se possível, de entrevistas com os candidatos ao posto de árbitro6 e com a ampla participação das partes e seus patronos na composição do tribunal arbitral. O envio de listas prévias para seleção dos candidatos à presidência do tribunal tornou-se prática usual e cuja adoção é recomendável7;
- o comportamento dos litigantes durante o transcurso do procedimento arbitral, por mais aguerrida que seja a defesa de seus direitos, deve se dar num ambiente de respeito, cordialidade e urbanidade. A beligerância, típica das lides forenses, não encontra espaço na arbitragem, reservada aos litigantes que focam suas atenções no mérito da demanda8 e almejam uma decisão célere e técnica;
- tal comportamento como acima demonstrado, deve, ademais, ser adotado na fase pós-arbitral. As partes que escolhem a arbitragem como método de solução de suas controvérsias devem partir do pressuposto, desde a formalização do contrato que contenha a cláusula compromissória, que arbitragem é um processo de início, meio e fim. O fim se dá com a sentença e, contra ela, não cabe recurso. O manejo de ações anulatórias só se dá nas taxativas hipóteses ditadas pelo art. 32 da Lei de Arbitragem. Não é possível a revisão do mérito da sentença arbitral pelo Poder Judiciário;
- os árbitros a serem investidos do poder jurisdicional devem primar pelo respeito à ética e aos deveres impostos pela Lei de Arbitragem9, sem perder de vista a coragem para decidir10 e sempre zelando pelo respeito à inegociável garantia dos princípios de natureza processual-constitucional dispostos na Lei de Arbitragem, como a ampla defesa, o contraditório e a igualdade das partes.
Além dos pontos acima, um elemento de grande importância para garantir que a arbitragem permaneça em crescente evolução é a participação cooperativa ou coordenada dos órgãos do Poder Judiciário em relação à arbitragem. Não há dúvidas de que o Poder Judiciário brasileiro desenvolveu (e vem desenvolvendo) maciça jurisprudência pró-arbitragem no âmbito dos tribunais superiores, em especial o STJ11. Para que a arbitragem continue em franca evolução no Brasil, é preciso que os juízes estatais ajam de forma coordenada e colaborativa com a arbitragem (na linha do chamado "juge d'appui"12), e jamais em relação de hierarquia13. Além disso, é preciso que compreendam as peculiaridades que revestem o procedimento arbitral, preservando a confidencialidade da arbitragem, na forma da lei processual brasileira14 e eximindo-se de imiscuírem-se no mérito da demanda arbitral, o qual se sabe, é intangível15.
Sendo assim, conquanto a arbitragem no Brasil esteja consolidada por meio de um moderno sistema legislativo, complementado por uma respeitável jurisprudência, nesses vinte e cinco anos da Lei de Arbitragem, a adoção das práticas acima destacadas pode se revelar útil para que a arbitragem continue a ser o método preferido para resolução de litígios empresariais.
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1 STF, Agravo Regimental na Sentença Estrangeira n. 5.206-7, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, j. 12.12.2001, DJ 30.04.2002.
2 Sobre o assunto ver, NUNES, Thiago Marinho; GUERRERO, Luis Fernando; SILVA, Eduardo Silva da. O brasil como sede de arbitragens internacionais a capacitação técnica das câmaras arbitrais brasileiras, Revista de Arbitragem e Mediação, n. 34, 2014, p. 119-158.
3 Instituições idôneas e, preferencialmente, que tenham atuação reconhecida no mercado. Nesse sentido, o ranking divulgado pela Leaders League é um excelente norte: Brasil - Melhores Câmaras de Arbitragem - 2021 - Leaders League. Acesso em 25 set. 2021.
4 Sobre o assunto, ver SILVA, Eduardo Silva da, GUERRERO, Luís Fernando e NUNES, Thiago Marinho. Regras da Arbitragem brasileira: Comentários aos Regulamentos das Câmaras de Arbitragem. São Paulo: Marcial Pons, 2015.
5 Segundo Selma Ferreira Lemes: "Discorrer sobre o papel do árbitro no procedimento arbitral impõe, inicialmente, refletir sobre um adágio mundialmente conhecido: "a arbitragem vale o que vale o árbitro", fato incontroverso. E mais, saliento que "o árbitro representa a chave da abóbada da arbitragem e ao seu redor gravitam todos os temas e conceitos afeitos à arbitragem'." Disponível aqui. Acesso em 23 set. 2021.
6 Ver, nesse sentido: Entrevistas com potenciais árbitros - Migalhas. Acesso em 25 set. 2021.
7 Ver, nesse sentido: Os bastidores da atividade do árbitro: a fase pré-arbitral - Migalhas. Acesso em 25 set. 2021.
8 Ver nesse sentido, MAGALHÃES, José Carlos. Arbitragem: Sociedade Civil x Estado. São Paulo: Almedina, 2020, p. 260. No mesmo sentido, ensina Carlos Alberto Carmona que "os advogados estejam sempre atentos ao problema para que o árbitro foque sua atenção sobre o que realmente conta, ou seja, dirija seus esforços para a solução do litígio, ao invés de ocupar-se com quizilas processuais". (O processo arbitral, Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, v. 1, n. 1, p. 21-31, jan.-abr. 2004).
9 Aduz, nesse sentido, a Ministra do STJ Nancy Andrighi: "Ousa-se afirmar que o sucesso e a utilização frequente da arbitragem dependem da qualidade moral, ética e técnica daquele que irá desempenhar o papel de árbitro, pois na lisura de seu comportamento e na seriedade do julgamento que proferir repousam a segurança e confiança dos cidadãos quanto à eficácia da arbitragem como forma alternativa de solução de conflitos". (A ética como pilar de segurança da arbitragem, Revista de Doutrina e Jurisprudência, Brasília, (53): ll-84, jan./abr. 1997).
10 Sobre o tema ver: LALIVE, Pierre. Du courage dans l'arbitrage internacional. Mélanges en l'honneur de François Knoepller. Collection Neuchateloise. Helbing & Lichtenhahn, Bâle, 2005, pp. 157-160. disponível aqui. Acesso em 16 set. 2021.
11 Dados que podem ser aferidos em pesquisas realizadas pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem ("CBAr") em conjunto com a Associação Brasileira dos Estudantes de Arbitragem ("ABEArb"). Disponível aqui. Acesso em 19 set. 2021.
12 Expressão utilizada no direito francês, para caracterizar o papel dos juízes estatais de apoio, assistência e colaboração perante a arbitragem ("Juiz de Apoio"). Sobre o tema, ver: O Poder Judiciário da sede da arbitragem: o "juge d'appui" - Migalhas. Acesso em 25 set. 2021.
13 Nesse sentido, ver CARMONA. Carlos Alberto. Das Boas Relações entre os Juízes e os Árbitros. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, n.º 51, pp. 17-24, out. 1997.
14 Nesse sentido, a disposição contida no art. 189, inciso IV do Código de Processo Civil: "Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: (...) IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo". Sobre o assunto, ver: Recent Issues Regarding Confidentiality in Arbitration in Brazil - Kluwer Arbitration Blog; Revisitando a confidencialidade na arbitragem - Migalhas. Acesso em 25 set. 2021.
15 Ver, nesse sentido: Decisão por equidade da arbitragem - Migalhas. Acesso em 25 set. 2021.