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África do Sul Connection nº 45

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Atualizado às 07:59

Revolta Tributária

"Quanto maior for o nível de corrupção, mais difícil será ter integridade tributária e, consequentemente, maiores serão os riscos de uma revolta", afirmou o juiz Dennis Davis, presidente do Comitê responsável pela atualização do sistema tributário da África do Sul, que funciona junto ao Tesouro Nacional. Participando do Seminário de Direito Internacional Econômico na Wits University, Davis afirmou que a má gestão tem resultado no aumento do imposto de renda da pessoa física. "Novos aumentos são aguardados". Além disso, a ampliação do imposto corporativo não é algo previsível em razão dos problemas econômicos que o país enfrenta. O imposto de carbono também foi descartado, já que a tendência é que o valor seja repassado aos contribuintes, impactando, notadamente, os mais pobres. A diretora da KPMG, Elizabeth Lombaard, em entrevista ao jornal BusinessDay, concordou com Dennis, afirmando que é hora do governo considerar os contribuintes e gastar o seu dinheiro de modo responsável.

Imagine só

O professor de Direito da Universidade de KwaZulu-Natal, Karthy Govender, sonhava em ocupar um assento na honrada High Court da província de KwaZulu-Natal. Tendo sido conselheiro da Comissão Sul-Africana de Direitos Humanos, imaginava-se lidando com Direito Penal. Semana passada, foi entrevistado pela Comissão de Serviços Judiciais, responsável pela sabatina dos interessados nas vagas. No meio da entrevista, Govender cometeu uma gafe. Ele admitiu que, uma vez, redigiu uma decisão de 200 páginas. Assombrados, os membros da Comissão imediatamente comentaram que o sabatinado não teria condições de exercer suas funções com a brevidade que elas requerem. Na África do Sul, uma decisão judicial raramente tem mais de 30 páginas. O resultado não poderia ser outro. Karthy Govender foi rejeitado.

Transparência

A ONG My Vote Counts bateu às portas da Corte Constitucional sul-africana exigindo que o Parlamento aprove uma lei impondo aos partidos políticos que tornem transparentes as doações de campanhas. Um grupo de quatro juízes, liderado por Sisi Khampepe, não aceitou o caso, ao argumento de que não havia uma violação diretamente constitucional e, além disso, que o que se pretendia era exigir que o Congresso legislasse de uma dada maneira, algo que violaria a doutrina da separação dos poderes. Liderando a divergência, o juiz Edwin Cameron sustentou que o caso era de omissão inconstitucional decorrente da proteção insuficiente da norma em jogo, no caso, o artigo 32 da Constituição. Ficou vencido. O tema, contudo, deve voltar à Corte por meio de um novo caso, dessa vez atacando diretamente o dispositivo havido como violador da Constituição.

Decoro parlamentar

Ocorreu semana passada, na Corte Constitutional da África do Sul, as sustentações orais do caso levado pelo partido de oposição Democratic Alliance contra a presidente do Parlamento (Democratic Alliance v. Speaker of the National Assembly and Others - CCT86/15). O debate é curioso. O Parlamento conta com um dispositivo possibilitando que a presidência da Casa requeira "serviços de segurança" para remover ou prender aquele que fizer parte de distúrbio no recinto do Parlamento. Ocorre que um inusitado fato alterou a interpretação do texto. Em fevereiro desse ano, no State of the Nation, membros do partido oposicionista de extrema-esquerda Economic Freedom Fighters (EFF) indagaram ao presidente do país, Jacob Zuma, quando ele iria ressarcir os recursos públicos usados indevidamente na reforma de sua casa de campo. A presidente do Parlamento, então, determinou que os membros (que são parlamentares) deixassem o recinto, o que foi recusado por eles. Ela, então, chamou as forças policiais que retiraram os parlamentares com pontapés e bofetadas. Do fato, surgiu a questão: o dispositivo aplicável a todos, é também aplicável aos parlamentares?

Regimento interno

O Democratic Alliance, também de oposição, levou o caso ao Judiciário. Segundo a High Court de Western Cape, o dispositivo é inconstitucional por permitir que um membro do Parlamento seja preso em razão de sua palavra. A Corte concedeu 12 meses para que o dispositivo seja corrigido à luz da Constituição. Sobre essa decisão incidiram duas apelações, uma do próprio partido e outra do Parlamento. O caso chegou à Corte Constitucional que iniciou seu julgamento, com as sustentações orais, semana passada. O que se percebeu da maioria dos juízes foi um incômodo profundo com a ideia de parlamentares serem presos dentro do Parlamento em razão de suscitarem questões aos presidente da República. O caso será definido próximo ano.

Feminicídio

Ariane Nevin é pesquisadora da Sonke Gender Justice, organização não-governamental ligada à políticas de gênero na África do Sul. Essa semana, no jornal Mail&Guardian, ela introduziu um debate fundamental e o fez relatando um caso grotesco. Nosipho Mandleleni era uma jovem de 24 anos, no auge da vida, morando em Joanesburgo. Havia se relacionado com Patrick Wisani, líder comunitário e, atualmente, presidente da Juventude do ANC, partido político que está no poder desde a redemocratização. Em setembro, Mandleleni foi brutalmente assassinada por Wisani. Ele a golpeou com um chicote e um cabo de vassoura. Sem ser devidamente investigado pela polícia, mas por ter sido submetido a uma intensa pressão comunitária, o assassino se apresentou à Justiça. No Tribunal, o juiz se queixou das falhas da investigação. Dias depois, o jornal City Press divulgou que Wisani havia espancado outra namorada, que ficara em coma por três semanas. Apesar de a selvageria ter sido denunciada pela comunidade, ela jamais foi investigada. Quanto a jovem Mandleleni, depois de quatro aparições perante a Corte, Wisani foi liberado após o pagamento de uma fiança de menos de R$ 1.000,00.

Horror

Ariane Nevin diz ainda que, no dia da audiência de Wisani, um outro caso macabro foi narrado no Tribunal. Thulile Phungile, uma jovem de 23 anos, foi estrangulada e forçada a beber ácido pelo seu ex-namorado. Ela conseguiu denunciar a atrocidade e ser socorrida. No hospital, faleceu. É mais um número de horror na África do Sul. Entre 2007 e 2013 foram registrado mais de um milhão de crimes contra mulheres no país. Mais da metade das mulheres assassinadas têm como algoz seus companheiros ou ex-companheiros. Daí o apelo fundamental de Nevin por uma legislação que leve em conta o machismo sul-africano, a presença de um modelo patriarcal ainda em voga e, desta forma, implemente políticas públicas dedicadas a enfrentar esse quadro terrível cuja vítima é sempre a mesma: jovens garotas.