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África do Sul Connection nº 43

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Atualizado às 09:02

Passeio Tributário

A MTN é uma gigante da telefonia móvel no continente africano. São 685 usuários. Deles, 230 milhões só na África do Sul. Essa semana, um relatório da AmaBhungane e do Finance Project, organizações não-governamentais dedicadas a temas públicos, colocou a companhia sob fogo cerrado. Ela é acusada de, fugindo da tributação, enviar, via offshores, bilhões de rands para paraísos fiscais na forma de "taxa de administração". Ilhas Maurício e Dubai são os destinos. A taxa de administração é a remuneração paga pela prestação de serviços de gestão e administração, podendo, também, ser destinada a remunerar os demais prestadores de serviço que operacionalizam o fundo de investimento. Em Dubai, a companhia tem 100 empregados e estrutura física. Já nas Ilhas Maurício, nada. Nem empregados, nem estrutura física. De tudo o que foi enviado como taxa de administração, 55% o foi por Maurício e 45% por Dubai. Em 2010, a MTN Maurício recebeu centenas de milhões de rands em taxa de administração, mas apenas R 58 milhões foram enviados para o braço sul-africano da companhia. Segundo o relatório divulgado no Mail&Guardian, entre 2007 e 2013, um total de R 3.7 bilhões foi remetido da Nigéria para Dubai e, de lá, para Maurício. É 1,75% da arrecadação do país. Em 2013, a Nigéria conseguiu o retorno de R 2.6 bilhões. Em 2009, R 85.6 bilhões voaram de Uganda para Maurício, o equivalente a 3% da arrecadação de Uganda naquele ano. Entre 2008 e 2013, R 3.7 bilhões foram de Gana para Dubai e as Ilhas Maurício. Foi 10% da arrecadação de Gana no ano. Entre 2012 e 2013, R 512.9 milhões saíram da Costa do Marfim para Maurício, o equivalente a 5% da arrecadação do país.

Benefícios Fiscais

Além disso, há, quanto ao governo da África do Sul, uma política de concessão de benefícios fiscais pelo próprio governo Federal. Ano passado, o Comitê Davis de Tributação, ente especializado vinculado ao Tesouro Nacional, exigiu que a política fosse revista. A recomendação foi de que o país seguisse seus tratados internacionais contra a bitributação. Em 2013, 297 contribuintes requereram créditos tributários a SARS, órgão responsável pela arrecadação Federal. Ano passado, foram 382. Em torno de R 370 milhões tem sido requerido desde 2013, excluindo a restituição tributária. Nenhuma lei obriga a MTN liberar informação referente aos créditos tributários requeridos.

O preço do ouro

Uma ação em favor de 56 mineiros pode se transformar na maior ação coletiva do mundo. Por trabalhar em minas subterrâneas de ouro desde 1965, milhares de pessoas morreram de silicose e tuberculose, ambas doenças do pulmão irreversíveis e dolorosas. Os mineiros pediram que a High Court de Joanesburgo aceite uma ação coletiva que pode tornar rés mais de 30 minas de ouro. Com o precedente, o caminho estaria aberto para discussões quanto às minas de diamante, carvão e amianto. Estima-se que 300.00 mineiros tenham silicose. Somados aos que têm tuberculose, o número chega a 500.000. A saída pode ser ajuizar cinco ações, cada uma em favor de 100.00 pessoas. A saga dos mineiros foi retratada no documentário "The Price of Gold", do fotógrafo Thom Pierce. A High Court deve decidir na próxima semana se aceita a ação coletiva. Caso aceite, o processo terá início. São 16.000 páginas.

Honra

Não há, na África do Sul, um Senado da República. De igual modo, não há, pelo Legislativo, sabatina para indicados, pelo presidente da República, a altos cargos nos tribunais. A Comissão de Serviço Judicial é a responsável por realizar entrevistas com os candidatos. Semana passada, a Comissão se surpreendeu com a candidata a vaga de juíza na High Court de Joanesburgo, Lobogang Modiba. Aos 43 anos, casada e mãe de três crianças, a advogada teve uma vida de pobreza. Órfã de mãe aos três anos, foi criada pelo pai. Em Alexandra, a township (equivalente as nossas favelas) onde morava, Modiba lidava com o frio e a falta de eletricidade. Para fugir dos ratos que infestavam seu barraco, ela se refugiava na biblioteca local. "Os livros me ajudaram a escapar da miséria", disse. Até hoje não conseguiu se livrar da fobia que desenvolveu de ratos. Quando o pai perdeu o emprego, ela começou a trabalhar na Clínica Jurídica de Alexandra. Hoje, ostenta um mestrado em Direito por Harvard, fruto de uma bolsa integral que ganhou. "Meu sonho é um dia estar na Corte Constitucional", disse Modiba. "Eu estarei lá para lhe aplaudir", comentou Dikgang Moseneke, vice-presidente da Corte Constitucional e um dos membros da Comissão. O nome está agora sobre a mesa do presidente da República, Jacob Zuma, a quem cabe a nomeação.

Mulheres no Judiciário

Além de Lebogang Modiba, outras cinco candidatas foram entrevistadas para as províncias de Gauteng, Nothern Cape, Free State e para o Tribunal do Trabalho. Raynele Keightley, uma das indicadas, dirigiu o Centro de Estudos Jurídicos Aplicados; Annali Basson, é juíza do trabalho; Nelisa Mali, é advogada tributarista; Willem van der Linde SC, é advogada; e Thifhelimbilu Mudau.

Os Rejeitados

Percival Maseti, candidato à High Court de Joanesburgo, foi indagado sobre a condenação criminal que sofreu há 35 anos, por ter aceito, como procurador, uma propina de R 50 de um homem acusado de roubo. Ele foi condenado, à época, a seis meses de prisão. Mandla Mbongwe, candidato à mesma a vaga, foi criticado pela seu comportamento num julgamento contra o ministro da Segurança, acusado de violência doméstica. Destacaram sua "falta de cortesia" e "cinismo". Peter Fisher, candidato a uma vaga na High Corte de Free State, disse que a importância das mulheres estava em sua sensibilidade e instinto maternal. Foi criticado pela declaração. Por fim, Shanaaz Mia, que disputava a vaga na High Corte de Free State, foi questionada sobre a acusação de ter redigido julgamentos para a juíza Judith van Schalkwyk, que responde a processos disciplinares. Como se vê, mesmo sem uma sabatina no Senado, há meios possíveis de aferir a honorabilidade do indicado a um assento de juiz num tribunal superior.

Protetora Pública

A protetora pública, Thuli Madonsela, que exerce um cargo protegido constitucionalmente, está à frente de mais uma batalha. Agora, do outro lado está Hlaudi Motsoeneng, diretor da empresa pública SABC, o maior e mais influente sistema de comunicação do continente. Em 2014, Mandosela apontou inúmeras irregularidades em sua gestão, a começar da própria indicação que, segundo a Protetora Pública, não preenchia os requisitos exigidos na legislação. Semana passada, com base no relatório de Madonsela, o diretor da SABC foi suspenso de suas funções. Para o Superior Tribunal de Recursos, ele, que sofria processos disciplinares, poderia se valer do cargo para interferir das investigações, algumas delas ocorridas no âmbito da própria SABC. Hlaudi Motsoeneng decidiu tentar arrastar o caso para a Corte Constitucional, ao argumento de que a suspensão viola a sua dignidade. Não deve ter êxito.

Devolva o Dinheiro!

O partido de oposição, EFF - Economic Freedom Fighter, finalizou a peça que pretende apresentar perante a Corte Constitucional da África do Sul, exigindo que o presidente do país, Jacob Zuma, pague parte dos custo da reforma de sua propriedade privada, Kkandla, custeada com recursos públicos. O pedido segue as recomendações da Protetora Pública, Thuli Madonsela, que concluiu uma investigação sobre a referida reforma. A intenção do EFF é debater a vinculação, pelos Poderes Executivo e Legislativo, às recomendações feitas pela Protetora Pública no exercício do seu mandato constitucional.

Realidade brasileira

O pop-economista Thomas Piketty esteve na África do Sul proferindo uma palestra em Soweto, na cidade de Joanesburgo. Bem ao seu estilo, disse tudo o que supunha que a plateia gostaria de ouvir. "Há países no mundo, não somente no mundo rico, mas também em nações emergentes como o Brasil, que têm um salário mínimo nacional, que foram capazes de encontrar o patamar certo para o salário mínimo nacional", afirmou. Na África do Sul, não há um salário mínimo nacional. Os patamares salariais são negociados entre os trabalhadores e seus empregadores por meio de cada entidade sindical. A COSATU, a mais importante federação do país, recomenda que o salário mínimo nacional gire em torno de R 4.500 e R 5.500. O atual salário mínimo brasileiro corresponde a R 2.730. Os trabalhadores do campo e das fazendas na África do Sul, por exemplo, não podem ganhar menos de R 2.606. Taxistas, R 2.850. Lyal White, diretora do Centro para Mercados Dinânicos do Gordon Institute of Business Science, após ouvir a fala de Piketty, comentou: "Atualmente, o Brasil está perdendo empregos a uma média de 100.000 ao mês. Depois do super-ciclo das commodities, o que eles têm é recessão". É, faz sentido.