África do Sul Connection nº 12
segunda-feira, 2 de março de 2015
Atualizado às 07:54
Edição especial Reforma Tributária da África do Sul
É um pacote fiscal sem precedentes na África do Sul, mas veio mais suave do que se imaginou. O conjunto de medidas apontado em 22 páginas pelo ministro das Finanças Nhlanhla Nene, tranquilizou o setor produtivo e amenizou o desagrado da classe média e daqueles com menor poder aquisitivo.
Quarta-feira passada, Nene foi saudado no Parlamento, na Cidade do Cabo, durante a apresentação do balanço fiscal e das perspectivas para o próximo ano. Ele se tornou membro do Parlamento em 1999, chegando a compor a comissão de orçamento. Depois, passou seis anos como vice-ministro das Finanças. Agora, com uma pós-graduação em economia política pela Universidade de Londres, ele é, desde maio do ano passado, o primeiro negro a ocupar a posição de ministro das Finanças. Chegou mostrando serviço.
O "Pacote Nene" visa incrementar a arrecadação, derrubando o déficit fiscal e abrindo espaço para o crescimento sustentável da economia. Ele pretende ampliar a arrecadação em R8.3 bilhões, o que corresponde a 10,4%. Junto a isso, há o anúncio do corte de gastos da ordem de R25 bilhões até os próximos dois anos.
A arrecadação prevista no orçamento consolidado para esse ano será de aproximadamente 8.2% a mais do que em 2013/2014, ainda assim bem menor do que o estimado pela South African Revenue Service (SARS).
A meta de crescimento da economia está em 2% para 2015, com um déficit correspondente a 3,9% do PIB.
O serviço da dívida tem crescido numa média anual de 10,1%. Os custos com ele devem saltar de R115 bilhões em 2014-/015 para R153 bilhões em 2017/2018. A dívida do governo saltou de 21.8% no começo da crise financeira global em 2008/2009 para 40,8% em 2014/2015.
O ministro Nhlanhla Nene não mencionou qualquer alteração no VAT. Também não tratou de impostos sobre ganhos de capital ou dividendos. Nada sobre uma escalada arrecadatória quanto à riqueza ou à atividade de mineração.
Os impostos sobre dividendos têm sido reduzidos por dois anos consecutivos. Não há previsão de ampliação enquanto as companhias de mineração não se recuperarem da greve de cinco meses experimentada ano passado, somada ao fim do super-ciclo das commodities.
O Tesouro Nacional, contudo, deve apresentar novos relatórios acerca do VAT, que está atualmente em 14%. Além disso, é provável um enrijecimento quanto à documentação necessária às companhias para o cálculo dos preços de transferência, além de mais fiscalização sobre as controladas no exterior e, por fim, mais tributação sobre a chamada economia digital. É o que se especula.
Como membro do G20, o país está à frente no combate ao Base Erosion & Profit Shifting (BEPS), tocado pela OCDE. O chamado OECD's Task Force on Tax & Development é conduzido pela África do Sul e Holanda. O foco está nos preços de transferência.
O ministro ressaltou pontos positivos decorrentes do investimento pelo Poder Executivo em direitos sociais. Segundo Nene, três milhões de pessoas contam com tratamento integral, quanto ao HIV, ofertado pela rede pública de saúde. A expectativa de vida dessa população tem retornado aos níveis pré-HIV. A transmissão da mãe para o filho, maior mazela da epidemia que assolou o país, caiu de 20% para 2% nos últimos dez anos. Extraordinário.
Considerando a África do Sul um crucial ator nos negócios mundiais e sendo sensível à estreita relação do país com o Brasil, notadamente com o advento dos BRICS, preparei um material com detalhes do "Pacote Nene".
Tudo à disposição de quem acompanha a África do Sul Connection.
Corporate income tax
A alíquota do corporate income tax continua em 28%.
Empresas com faturamento menor de R335.000 ao ano não pagarão tributos e a alíquota máxima caiu de 6% para 3%, incidentes sobre as pessoas jurídicas que tenham faturamento tributável igual ou superior a R750.001.
O governo tem concedido depreciação acelerada para o investimento. Renúncias fiscais para políticas sociais e industriais já feitas estão estimadas em R120 bilhões ou 15% do total arrecadado. As zonas econômicas especiais saltarão de cinco para 15.
Também está definido que a SARS criará um departamento próprio para tratar dos interesses dos pequenos negócios.
Por fim, a carga tributária sobre micro-empresas com faturamento anual de até R1 milhão caiu de R30.500 para R14.150.
Personal income tax
O imposto de renda pessoal - (PIT - Personal Income Tax) -, ganhou aumento de 1% na sua alíquota para quem ganha mais de R181.900 por ano. Está agora em 18%, incrementando a arrecadação em R9.42 bilhões no ano de 2015/2016.
Aqueles que têm renda tributável anual entre R85.000 e R200.000 pagarão menos R531 ao ano. Entre R200.000 e R250.000, menos R865 ao ano. Há exceções. Se ganha até R200.000, mas tem menos de 65 anos, pagará somente R21 a mais por mês.
Os que têm renda tributável anual superior a R500.000, pagarão mais R778 por ano. Com R750.000 ou mais, R2.050 a mais por ano. Com renda tributável anual maior de R1 milhão, R4.550 a mais no ano.
Quem ganha R500.000, por exemplo, pagaria R271 a mais por mês. Um ganho de R1.5 milhão ao ano representaria um aumento de R1.105 a ser pago mensalmente.
Para neutralizar o aumento, o pacote prevê um novo esquema de compensações e isenções.
Antes, quem tinha menos de 65 anos tinha como teto para a isenção do PIT o valor de R70.700 de ganho anual. Agora é R73.650. Quem está entre 65 e 74 anos, o teto era de R110.200 anual. Agora, R114.800. Para quem tem mais de 75 anos, saiu de R123.350 para R128.500.
Há descontos e eles estão maiores. Pelo modelo sul africano, é possível um desconto geral, que saiu de R12.726 para R13.257. O segundo, destinado a quem tem 65 anos ou mais, passou de R7.110 para R7.407. O terceiro, para quem tem 75 anos ou mais, sai de R2.367 para R2.466.
Tudo isso já começou a valer.
Combustível
O combustível subiu. Será cobrado 30,5 centavos a mais por litro sobre o preço geral. Além disso, mais 50 centavos por litro numa taxa destinada ao Road Accident Fund, que ideniza vítimas de acidentes em rodovias. O fundo enfrenta um déficit de R98,5 bilhões, boa parte decorrente da cobrança de honorários advocatícios. No total, são mais 80.5 centavos por litro de combustível.
A medida prevê arrecadação adicional de R6.4 bilhões no próximo ano fiscal. Impostos e taxas consomem agora 60% do preço.
Outra medida consiste em separar do VAT as compensações permitidas para o diesel. A medida beneficiava produtores agrícolas, a silvicultura, a pesca e a mineração, que acumulavam créditos com o consumo de diesel em suas máquinas para posterior utilização. Agora, esse modelo ficou para trás. O setor de mineração foi parcialmente poupado. Ele pode compensar até 20%.
A medida começa a vigorar a partir de 1º de Abril.
Energia
A energia está mais cara. Pelo menos até o imposto do carbono ser introduzido, o aumento da energia visa desestimular o consumo. Até o final do ano uma minuta do projeto de lei do carbono circulará para consulta popular.
A tarifa de energia sai de 3,5 centavos por kWh para 5,5 centavos por kWh. Contudo, foi lançada uma medida para economizar energia. Antes, ganhava-se 45 centavos por cada kWh economizado. Agora, são 95 centavos de crédito.
Sin taxes
Também está mais caro consumir álcool e tabaco. São os Sin Taxes.
Os vinhos contaram com um incremento de tributação de 7% em termos nominais ou 2,2% em termos reais. Espumantes, mais 7% ou 2,25 em termos reais. Destilados subiram 8,5% ou 3,7% em termos reais.
No álcool, saiu-se de 4,8% para 8,5%. O tabaco vai de 5% para 7%. Uma garrafa de vinho, por exemplo, custará 15 centavos a mais. Uma de espumante, 48 centavos mais cara. Uma garrafa de wisque está quase R4 mais cara. Também há previsão de um imposto adicional sobre as bebidas derivadas da cevada.
A tributação sobre o tabaco ficará em 40%. Um pacote de 20 cigarros está 82 centavos mais caro.
Além desse incremento, a forma de se calcular o tributo mudou. Agora, exclui-se o efeito do VAT sobre o total tributável.
Os Sin Taxes gerarão uma arrecadação adicional de R8.3 bilhões em 2015/2016.
Imóveis
Em algumas hipóteses, está mais caro negociar imóvel. Noutras, mais barato.
Propriedades adquiridas por menos de R750.000 estão isentas de imposto de transferência. Antes, o valor era de R600.000. Já propriedades avaliadas em mais de R2.25 milhões ganharam um aumento da alíquota de 8 para 11% do valor que ultrapasse os R2.25 milhões, além da quantia fixa de R85.000.
São medidas cuidadosas que pretendem reposicionar um extraordinário país no tabuleiro econômico mundial. Elas visam alinhar a África do Sul ao protagonismo que ela sempre exerceu no continente, além de manter a sua natural importância na corrida engatada pelos BRICS rumo à prosperidade.