África do Sul Connection nº 1
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Atualizado às 09:52
A semana
O slogan do Banco Africano de Desenvolvimento diz tudo: "Construindo hoje, uma África melhor amanhã". O continente não está brincando. No Quênia, a fibra ótica causou uma revolução. Companhias como a M-Pesa, Vodacom e Safaricom criaram um moderno e criativo mercado de telecomunicação. Nas "matatus" - vans que fazem o transporte público em Nairóbi -, eu li: "free wi-fi". E funciona! A Coca Cola não teve constrangimento em chegar nas remotas vilas do Congo, um país onde a construção de 30 quilometros de rodovia reduziu uma viagem de três semanas para 2 horas. Na Etiópia, a Companhia de Energia Elétrica tem investido bilhões de dólares em hidroelétricas. Em Uganda, a Makerere University executou um projeto de carro elétrico que encantou o MIT. Em Kigali, Ruanda, a Starbucks criou o Centro de Suporte aos Produtores de Café. Só no ano de 2013, chineses injetaram 1 bilhão de dólares no Sudão do Sul. O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, em recepção oficial em Beijing, foi saudado como "um velho e bom amigo" pelo presidente da China, Xi Jinping. Por trás desse cenário está uma estrutura jurídica a ser apresentada aos brasileiros. Essa é a missão dessa coluna que, com exclusividade ao Migalhas, dará especial atenção à África do Sul, onde estou morando. "Welcome to África" - um continente repleto de esperança, prosperidade e felicidade.
Green tax
A maior fabricante de aço da África, a ArcelorMittal, declarou que aumentará seus preços se o governo da África do Sul de fato implementar o imposto de carbono em 2016. Trata-se de mais um "imposto verde" que o governo pretende impor sobre a indústria e consumidores para tentar reduzir as emissões de carbono. Considerando as taxas atuais de emissão, a Arcelor África do Sul, parte da gigante ArcelorMittal, pagaria cerca de 600 milhões de rand ($54.5 milhões) de imposto de carbono todo ano. Sem saída, Paul O'Flaherty, chefe executivo da Companhia, declarou a Reuters: "Como uma companhia competitiva, iremos repassar o valor no preço para os consumidores".
Grandes escritórios
Escritórios de advocacia, com base no Reino Unido e nos Estados Unidos, estão abrindo filiais na África do Sul, principalmente em Johannesburg. Um exemplo é o Allen & Overy, com foco em bancos e setor financeiro, mas também respondendo consultas sobre projetos de mineração na África sub-saariana. O Baker & McKenzie abriu sua unidade em Johannesburg. Em 2012, eram 16 advogados. Hoje, passa dos 50. Outros gigantes têm feito parceria com escritórios sul africanos. O Hogan Lovells se uniu com o Routledge Modise. Já o Norton Rose, sediado no Reino Unido, somou força com o Houston's Fulbright & Jaworski. Em ambos o foco tem sido fusões e aquisições, investimentos, financiamentos e contencioso judicial.
Juízes na linha
Dois juízes que estimularam seus colegas a fazerem greve por aumento de vencimentos responderão pela acusação de "falta de integridade" e prejuízo à imagem do Judiciário. Nazeem Joemath, juíz há 24 anos, e Annalene Larsen, há 10, foram ouvidos essa semana num processo disciplinar em Pretoria, perante a Comissão da Magistratura. Eles presidem a Associação de Servidores do Judiciário da África do Sul (Joasa). Em março do ano passado, ambos reduziram propositalmente o ritmo de trabalho, fazendo com que suas varas ficassem repletas de processos. Em maio, paralizaram suas atividades por dois dias. Ambos têm contra si três acusações de má conduta, sendo que o juiz Joemath conta com uma acusação adicional: falar com a mídia. A declaração, dada em março do ano passado, convocava os magistrados a se engajarem na greve.
Lavagem de dinheiro
O Superior Tribunal de Apelação reverteu a condenação de J. Arthur Brown, o CEO do Fundo de Pensão Fidentia, acusado de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro em prejuízo dos investidores. Eram trabalhadores de minas, suas viúvas e órfãos. Condenado inicialmente a pagar uma multa de R150,000, Brown está preso cumprindo a nova decisão: 15 anos na cadeia. Imagens mostram-no acorrentado pelos braços e pés, escoltado por guardas. Segundo o Superior Tribunal, a decisão anterior colocava o sistema de Justiça em descrédito. O vice-presidente, Mahomed Navsa, lembrou que pessoas menos privilegiadas são presas por furtarem coisas de valor insignificante. "Nós temos que nos precaver contra a impressão de que há duas Justiças; uma para os ricos e outra para os pobres" - anotou.
Lei anticorrupção
A Corte Constitucional continua fazendo história. Ela declarou a inconstitucionalidade da lei que reformou a "Hawks", a Diretoria para Investigações Criminais Prioritárias, esvaziando a Unidade Anticorrupção. Para a Corte, a lei não confere à unidade uma adequada independência estrutural e operacional. "Todos os Sul-Africanos, mesmo divididos quanto a questões raciais, religiosas, de classe e políticas, concordam que a corrupção é abundante nesse país, e que são necessárias medidas para conter essa doença, antes que ela chegue a um estágio terminal" - anotou a maioria. A nova lei permitia uma indevida interferência política do Poder Executivo na Unidade Anticorrupção, incluindo a chance de remover o seu diretor ou mudar suas decisões. O Estado, em sua defesa, sustentou que a separação dos poderes impedia a Corte Constitucional de determinar o aperfeiçoamento da legislação com esse nível de especificidade. O argumento não impressionou. A decisão fixa o prazo de 18 meses para que o Parlamento refaça a lei de modo a criar um corpo suficientemente independente para realizar um efetivo trabalho anticorrupção.
Consumidores
Recentemente, a África do Sul foi inundada de propaganda anunciando crédito fácil para a compra de automóveis. Prometia-se prestações mensais de até 699 rands, gerando uma avalanche de interessados. Quando a conta chegou, percebeu-se que não era exatamente isso. Foi o maior escândalo do setor. Cerca de 27.000 pessoas procuraram um escritório de advocacia denunciando prejuízos. Exibiam boletos de cobrança de mais de R2.500 por mês. Carros foram apreendidos pelos bancos por falta de pagamento. Os consumidores tentaram ser aceitos como uma classe, para ajuizar uma class action visando a nulidade dos seus contratos de financiamento. Essa semana, o pedido foi negado. Mas a guerra não acabou. Demandas individuais estão sendo ajuizadas. A estratégia envolve o pagamento em juízo do valor acordado (R699) e a discussão da dívida. Enquanto a disputa não é resolvida, os consumidores continuam na posse dos carros. A primeira decisão de mérito está por vir. Ela deve partir do Tribunal de Justiça responsável por apreciar as demandas da Cidade do Cabo.
Pesca
O Tribunal de Justiça de Gautend derrubou a ordem do Ministro da Agricultura, Floresta e Pesca, Senzeni Zokwana, de banir integralmente a pesca de steenbras vermelhas, peixes dos mais populares nas águas africanas. Há dois anos, o ministro anunciou que o peixe tinha sido colocado na lista das espécies proibidas para pesca recreativa. O Conselho da Associação de Pesca em Águas Profundas, e mais dois pescadores, contestaram a medida perante o Tribunal de Justiça, em Pretoria. Para eles, deveria haver uma distinção entre a pesca comercial e a recreativa. Em decisão, o juiz Sulet Potterill entendeu que a indústria comercial é a causa primeira da diminuição do estoque desse tipo de peixe, não havendo risco de extinção em razão da pesca recreativa. Para ele, para banir a atividade o Ministério deveria ter apresentado razões que fundamentassem a medida, notadamente elementos científicos, o que não ocorreu.
Briga de vizinhos
Uma oliveira foi causa para uma juíza bater as portas do Judiciário insatisfeita com o fato de a árvore bloquear sua vista para o belo mar da praia de Hout Bay, na Cidade do Cabo. O Tribunal de Justiça de Western Cape recebeu, em setembro do ano passado, um pedido da juíza Elizabeth Baartman para que fosse garantido o seu direito de não ter sua vista obstruída e para que seu vizinho seja obrigado a podar a árvore. O pedido foi formulado contra um colega. Ele, contudo, vendeu a propriedade esse ano. Mesmo assim, continua, ao lado de sua esposa, no pólo passivo da demanda. O julgamento ainda não ocorreu.
Enforcement ao Estatuto das Crianças
O Departamento de Justiça e Desenvolvimento Constitucional da África do Sul, em parceria com o Conselho Judicial Muçulmano, está realizando um esforço para que os líderes muçulmanos xiitas lidem melhor com situações de abuso e outros crimes. O primeiro foco é as crianças. Os imãs foram apresentados ao Estatuto das Crianças (Children's Act), que fixa princípios de cuidados e atenção às crianças, e ao "Child Justice Act", uma lei que integra o sistema de justiça voltada para crianças envolvidas em crimes. A intenção é estabelecer uma atmosfera de respeito às crianças por parte dos líderes muçulmanos xiitas.