Os princípios do CDC e os direitos básicos do consumidor - 12ª parte: O mínimo existencial
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025
Atualizado em 26 de fevereiro de 2025 08:59
Continuo examinando os princípios da lei 8.078/90 (CDC - Código de Defesa do Consumidor) e os direitos básicos lá estabelecidos.
Nos artigos anteriores, vimos algumas garantias estampadas no art. 6º do CDC.
Hoje continuo no exame do previsto nos incisos XI e XII, com a análise do conceito de mínimo existencial:
"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;"
O conceito de "mínimo existencial" aparece em cinco hipóteses na reforma: as dos incisos XI e XII do art. 6º, a do § 1º do art. 54-A, a do caput do art. 104-A e do § 1º do art. 104-C. Em todos os casos o legislador colocou "nos termos da regulamentação" após o termo "mínimo existencial".
O decreto 11.150/22 regulamentou "a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação, administrativa ou judicial, de situações de superendividamento em dívidas de consumo" (art. 1º) e definiu que o superendividamento é "a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial" (art. 2º, caput), sendo que as dívidas de consumo são "os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final" (parágrafo único do art. 2º).
E foi no art. 3º, caput, que o decreto, com a alteração trazida pelo decreto 11.567/23, definiu o valor do mínimo existencial, nestes termos: "No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00".
Esse valor é considerado como base mensal, conforme disposto no § 1º do art. 3º: "A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês". E o patamar de R$ 600,00 será atualizado pelo Conselho Monetário Nacional (§ 3º do mesmo art.).
O decreto 11.150/22 estabeleceu que o mínimo existencial é garantido no que diz respeito às dívidas oriundas de relação de consumo, conforme o caput do art. 4º: "Não serão computados na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial as dívidas e os limites de créditos não afetos ao consumo". No entanto, em contradição, o parágrafo único desse mesmo artigo exclui da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial, as seguintes operações (algumas delas típicas de consumo):
"I - as parcelas das dívidas:
a) relativas a financiamento e refinanciamento imobiliário;
b) decorrentes de empréstimos e financiamentos com garantias reais;
c) decorrentes de contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval;
d) decorrentes de operações de crédito rural;
e) contratadas para o financiamento da atividade empreendedora ou produtiva, inclusive aquelas subsidiadas pelo BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social;
f) anteriormente renegociadas na forma do disposto no capítulo V do título III da lei 8.078, de 1990;
g) de tributos e despesas condominiais vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor;
h) decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica; e
i) decorrentes de operações de crédito com antecipação, desconto e cessão, inclusive fiduciária, de saldos financeiros, de créditos e de direitos constituídos ou a constituir, inclusive por meio de endosso ou empenho de títulos ou outros instrumentos representativos;
II - os limites de crédito não utilizados associados a conta de pagamento pós-paga; e
III - os limites disponíveis não utilizados de cheque especial e de linhas de crédito pré-aprovadas".
Isso, de fato, representa um avanço, mas nessa questão do mínimo existencial no Brasil, ainda há muito o que fazer para poder ajudar as consumidoras e os consumidores, que estão endividados, a saírem da difícil situação em que se encontram e poderem retornar a um patamar digno de vida e consumo.
Ante a isso, com a evolução do pensamento jurídico e da fixação de uma ampla garantia para os direitos humanos, consolidou-se a orientação de que os Estados implementem em seus sistemas legais uma série de direitos, a partir de um mínimo existencial. Isso aparece em termos internacionais nos documentos da ONU e, no caso brasileiro, está fixado no texto constitucional.