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A relação jurídica de consumo - ainda o conceito de consumidor - Parte IV

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Atualizado em 26 de junho de 2024 11:56

Hoje continuo examinando a relação jurídica de consumo estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda com o conceito de consumidor.

Para deixar clara a questão que envolve o conceito, vou apresentar um caso exemplar que, penso, bem elucida os vários pontos envolvidos. 

Suponhamos que um professor esteja dirigindo-se ao prédio de uma faculdade para dar aula no curso de especialização em Direito do Consumidor. Digamos que ao chegar ao prédio ele constate que esqueceu de levar caneta. Como sempre, ele usa caneta durante as exposições para fazer marcações e, na parte do seminário, para anotar as questões dos alunos. Portanto, antes de ir para a sala, deve adquirir uma caneta.

Vamos supor, então, que, ao chegar à papelaria, ele se encontre com um aluno do mesmo curso que também estava em busca de uma caneta. Este por outro motivo: Para anotar a aula. E que na papelaria haja para vender apenas um estojo com duas canetas esferográficas iguais. Constatando o problema, o professor e o aluno resolvem comprar o estojo e dividir o preço ao meio: 50% para cada um; uma caneta para cada um.

Note-se que as tais duas canetas foram fabricadas no mesmo dia, hora e minuto, na linha de montagem do mesmo fabricante, tendo a mesma classificação seriada: São idênticas.

Vamos supor também que ambas, exatamente por serem idênticas, produzidas na mesma série, tenham as mesmas características e, no caso, o mesmo vício de fabricação: Se ficarem na posição vertical por mais de dez minutos a tinta vai sair pelo bico.

Bem. O professor e o aluno compraram as canetas, cada um pegou a sua e foram juntos para a sala.

Veja-se claramente: Até aquele momento, ali na papelaria, eram, o professor e o aluno, dois consumidores típicos. Porém, ao ingressarem na sala, toma o professor a posição atrás da mesa e o aluno se acomoda numa das cadeiras da sala.

No momento em que ingressaram na sala, a caneta do professor tornou-se bem de produção; a do aluno, bem de consumo. Na verdade, desde o início a caneta do professor era bem de produção (foi para isso que ele a adquiriu) e a do aluno, de consumo. O professor aparece lá como prestador do serviço, dando aula, e o aluno, como consumidor-aluno, assistindo.

Digamos que no intervalo o professor coloque a caneta no bolso de seu paletó e o aluno, faz o mesmo com sua caneta no seu paletó. Dez minutos depois as canetas vazam, manchando e inutilizando os paletós de ambos.

De onde se extrairia o princípio lógico ou jurídico a garantir ao aluno como consumidor o direito de pleitear indenização, com base na responsabilidade civil objetiva do fabricante (art. 12 do CDC), e ao professor apenas o direito de pleitear indenização, mas fundado nas normas do Código Civil, que não dá a mesma proteção?

Isso não só seria ilógico como feriria o princípio de isonomia constitucional; além do mais, não está de acordo com o sistema do CDC.

Na realidade, o exemplo singelo que aqui relatamos tem a virtude de elucidar a questão: A lei 8.078 regula o polo de consumo, isto é, pretende controlar os produtos e serviços oferecidos, postos à disposição, distribuídos e vendidos no mercado de consumo e que foram produzidos para serem vendidos, independentemente do uso que se vá deles fazer.

Quer se utilize o produto (ou o serviço) para fins de consumo (a caneta do aluno), quer para fins de produção (a caneta idêntica do professor), a relação estabelecida na compra foi de consumo, aplicando-se integralmente ao caso as regras do CDC.

Dessa maneira, repita-se, toda vez que o produto e/ou o serviço puderem ser utilizados como bem de consumo, incide na relação as regras do CDC. 

***

Continua na próxima semana.